Perspectivas do relacionamento Brasil-EUA

A deliberada propensão dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro a confundir questões de Estado.

© 2020 Getty ImagesBRASILIA, BRASIL – 14 DE OUTUBRO: Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil, chega para lançar o Programa Genomas Brasil em meio à pandemia de coronavírus (COVID-19) no Palácio do Planalto em 14 de outubro de 2020 em Brasília. O Brasil tem mais de 5.140.000 casos positivos confirmados de Coronavirus e tem mais de 151.747 mortes. (Foto de Andressa Anholete / Getty Images)

Por Estadão

Muito se tem especulado sobre o impacto das eleições norte-americanas na relação Brasil-EUA. Com justas razões: a deliberada propensão dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro a confundir questões de Estado com políticas de governo e interesses pessoais já causou muitos ruídos desnecessários que ainda podem se amplificar na futura administração. Mas um relatório do Serviço de Pesquisas do Congresso norte-americano mostra que, além das contingências ideológicas, hoje reciprocamente alimentadas, há sólidas condições históricas e interesses mútuos para que as duas nações avancem em suas parcerias comerciais e estratégicas.

O documento adverte para um padrão histórico de altas expectativas dando lugar a mútuas frustrações. Apesar disso, os políticos norte-americanos frequentemente apontam o Brasil como um parceiro natural em questões regionais e globais, dada a nossa condição de democracia multicultural.

Malgrado certas diferenças nas abordagens de políticas comerciais, as relações EUA-Brasil se aprofundaram nas últimas duas décadas. Ainda que em 2008 a China tenha ultrapassado os EUA como o maior parceiro comercial do Brasil, o comércio entre ambos mais do que dobrou desde 1999, especialmente nas indústrias energética e aeroespacial. O Brasil é o 19.º maior parceiro comercial dos EUA e o segundo maior latino-americano.

Em outubro, os dois países concluíram um Protocolo de Regras Comerciais que reforça os compromissos do Brasil em favor de mais competitividade, reformas regulatórias e liberdade econômica, e acrescenta três anexos ao Acordo sobre Comércio e Cooperação Econômica de 2011: facilitação do comércio e administração aduaneira; práticas regulatórias similares à do Acordo EUA-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês); e compromissos anticorrupção. O protocolo não precisa da aprovação do Congresso americano, mas precisará ser aprovado pelo brasileiro.

“O Congresso deveria considerar explorar as perspectivas de um aprimoramento das relações econômicas e comerciais com o Brasil sob uma ‘abordagem de blocos de construção’ rumo a um eventual Acordo de Livre Comércio”, sugere o relatório. “Também deveria examinar um quadro para promover laços comerciais e abordar questões como propriedade intelectual e comércio digital.” Os capítulos do USMCA podem servir de modelos para acordos menores. O Brasil, por sua vez, precisará decidir se buscará um acordo junto com o Mercosul ou bilateralmente, o que exigiria mudanças nas regras do bloco.

Do ponto de vista dos EUA, o fortalecimento dos laços com o Brasil, entre outras razões econômicas e estratégicas, ajudará a promover seus interesses na América Latina ante a crescente presença da China. Nesse sentido, há um inequívoco alinhamento bipartidário. Sob a administração de Trump, o Brasil recebeu apoio para ser integrado à OCDE e foi designado como aliado prioritário extra-Otan. Não há razão para esses compromissos serem revertidos, mesmo sob uma administração de Joe Biden.

Contudo, o parecer aponta que muitos políticos (presumivelmente democratas) alegam que “o Brasil precisará promover avanços nos direitos humanos, meio ambiente, corrupção e reforma tributária antes que os dois países possam avançar em quaisquer negociações”. É uma evidente advertência à gestão de Jair Bolsonaro, que se soma àquelas da União Europeia e da OCDE. Mas nenhuma dessas exigências é antagônica aos interesses brasileiros. Muito ao contrário.

Ao fim e ao cabo, se as engrenagens diplomáticas do Itamaraty trabalharem segundo a sua melhor tradição, o Brasil poderá se beneficiar do melhor dos dois mundos: estreitamento das relações econômicas e estratégicas com os EUA, sem prejuízo da expansão das relações comerciais com o seu maior rival, a China. Mas isso dependerá da capacidade das instituições e da sociedade brasileiras de impor freios às idiossincrasias ideológicas de seu presidente. Do contrário, é perfeitamente possível que reste ao País o pior dos dois mundos: resistência do contingente democrata nos EUA e atritos contraproducentes com a China.

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