EUA aprovam vacina da Pfizer: decisão pode acelerar liberação no Brasil

Os estudos apontam que o imunizante tem eficácia de cerca de 95% para prevenir quadros de covid-19.

© Reuters Instalação da Pfizer na Bélgica; estudos apontam que vacina tem eficácia de cerca de 95% para prevenir quadros de covid-19

Por BBC News

A agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, FDA, na sigla em inglês, aprovou na noite desta sexta-feira (11/12) o uso emergencial da vacina da farmacêutica Pfizer contra o novo coronavírus.

Com o aval do órgão, as doses devem começar a ser aplicadas a partir da semana que vem, primeiro em idosos que vivem em casas de repouso e em profissionais da saúde que atuem na linha de frente no combate à pandemia.

Embora Reino Unido, Canadá e México tenham saído na frente na aprovação da vacina por seus órgãos reguladores, o resultado do processo na FDA era aguardado pela comunidade científica no mundo todo porque o trabalho da agência é visto como uma referência para a atuação de agências de outros países.

Aprovação em 72 horas no Brasil?

E embora essa semana o ministro da Saúde do Brasil, General Eduardo Pazuello, tenha dito que a aprovação de um imunizante levaria 60 dias para passar pelas etapas de análise da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), a expectativa dos especialistas é que o resultado da FDA facilite o processo de aprovação do imunizante também em Brasília.

Via de regra, o registro pela Anvisa de um medicamento ou imunizante leva de quatro meses a um ano para ser concluída. Mas esse prazo não valeria para tratamentos e imunizantes contra a covid-19. Isso porque o Congresso Nacional aprovou esse ano uma lei que determina que a Anvisa dê uma resposta em 72 horas a um pedido de registro emergencial de um imunizante contra a covid-19 que já tenha sido avaliado por algum dos órgãos reguladores dos Estados Unidos, da Europa, do Japão ou da China.

A FDA, portanto, se enquadra na lei. Se a Anvisa não se posicionar, a liberação do imunizante seria automática.

Há, no entanto, uma questão sujeita à interpretação na legislação que pode trazer dificuldades. Segundo a redação da lei, a Anvisa teria que avaliar a liberação da vacina caso ela tivesse obtido um registro definitivo de outro órgão estrangeiro. No caso da vacina da Pfizer, o que a agência americana concedeu foi uma autorização de uso emergencial do imunizante, uma liberação mais rápida e menos burocrática do que o registro integral.

Para os médicos epidemiologistas e especialistas em saúde pública ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, a Anvisa não deveria ter dúvida sobre o que fazer.

“Essa interpretação de que somente com registro definitivo poderia haver essa liberação rápida não faz sentido. O Congresso aprovou uma lei para agilizar os processos de combate à pandemia e aí teríamos que esperar mais dois meses até que a FDA concluísse seu registro definitivo? Qual é a lógica disso?”, questiona o médico e advogado Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Dourado, o expediente previsto na lei chegou a ser aplicado quando os EUA enviaram ao Brasil algumas milhões de doses de hidroxicloroquina, que o governo federal anunciou que usaria no tratamento de pacientes com covid-19.

Naquele momento, a hidroxicloroquina contava com uma autorização de uso emergencial expedida pela FDA para tratar pacientes com o novo coronavírus, que semanas mais tarde acabou revogada pelo próprio órgão diante de evidências de que o medicamento não funcionava para esse fim e expunha os doentes a risco adicional. Com a aprovação emergencial da FDA, a hidroxicloroquina foi importada e distribuída no Brasil.

Como a FDA fez sua avaliação?

“Uma aprovação da FDA tende a facilitar e muito a aprovação na Anvisa. Primeiro porque é um órgão de extrema credibilidade, e embora tenham dado o nome de emergencial para o registro, é seguro que eles não tomaram nenhum atalho na avaliação dos dados. Segundo, porque na situação de pandemia em que estamos, 60 dias para aprovação é algo inadmissível de se esperar”, avaliou à BBC News Brasil a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente dos Programas de Epidemiologia Aplicada do Instituto Sabin de Vacinas.

Segundo Garrett, a FDA foi a única agência até o momento a exigir que a Pfizer, assim como as outras farmacêuticas produtoras de vacina, acompanhassem os voluntários das pesquisas com os imunizantes por oito semanas após a aplicação da segunda dose.

“Eles fizeram isso porque praticamente todos os efeitos colaterais de vacinas conhecidos acontecem até a sexta semana após a administração da dose. Então, se cercaram de cuidados para garantir a segurança”, diz Garrett.

Outra particularidade da análise da FDA é o modo de análise dos dados. Em vez de analisar apenas os relatórios finais das fabricantes, os reguladores americanos checam os dados brutos dos testes e recalculam os resultados, replicando do zero os relatórios de milhares de páginas.

“Somos uma das poucas agências reguladoras do mundo que realmente analisam os dados brutos”, afirmou o diretor da FDA Stephen Hahn essa semana, justificando-se sobre por que o trabalho do órgão demorava mais do que aquele dos pares britânicos e canadenses.

Foi exatamente esse o trabalho feito com a vacina da Pfizer. A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, acompanhou parte do processo de avaliação da FDA.

“O ensaio clínico da Pfizer era primoroso, e a avaliação da FDA foi rigorosíssima, olhando cada detalhe. É uma aprovação de uso emergencial porque estamos em uma emergência, mas os dados são claramente robustos”, afirmou Pasternak à BBC News Brasil.

Além disso, segundo Daniel Dourado, a FDA estabeleceu com os fabricantes um esquema de envio contínuo dos dados ao longo dos últimos meses. Assim, quando as informações da fase 3 de testes do imunizante da Pfizer chegaram ao órgão, os reguladores já tinham avaliado todo o material das fases 1 e 2.

“O Brasil só foi começar a pedir esse tipo de envio contínuo de dados na Anvisa a partir de novembro, por isso estamos atrás no processo”, afirma Dourado.

Por fim, antes da aprovação pelo órgão, a vacina da Pfizer foi submetida a um comitê de especialistas independentes, que nesta quinta-feira recomendou que o imunizante fosse aprovado.

‘Libere as malditas vacinas AGORA’

Todo esse processo que tornou a FDA uma das agências reguladoras mais respeitadas do mundo também levou tempo e fez com que os EUA fossem apenas o quarto país ocidental a ter a vacina disponível. Isso irritou o presidente Donald Trump, que há pouco mais de um mês perdeu a reeleição para o democrata Joe Biden.

Durante a campanha, Trump chegou a prometer que a vacina chegaria à população antes de os americanos irem às urnas, em 3 de novembro. Por isso, o republicano foi acusado de tentar fazer uso político dos imunizantes.

Pelo Twitter, nesta sexta-feira, Trump escreveu, direcionando a mensagem para o líder da FDA Stephen Hahn: “Libere as malditas vacinas AGORA. Pare de fazer joguinhos e comece a salvar vidas”.

Na mesma mensagem, Trump ainda disse que “enquanto meu esforço em encharcar com dinheiro a FDA nos economizou cinco anos para a aprovação de numerosas vacinas, a FDA é uma tartaruga grande, velha e lenta”.

A pressão não parou por aí. Segundo informação do jornal americano The Washington Post, confirmada por outros veículos de imprensa americanos, o chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, falou com Hahn e teria transmitido a mensagem de que se a aprovação não saísse nesta sexta-feira, dia 11, a administração esperava que o chefe da FDA apresentasse sua carta de demissão.

“É importante que se diga que a aprovação na FDA não saiu porque Trump mandou, mas porque os dados são muito claros”, diz Natalia Pasternak.

Para Denise Garrett, é uma “infelicidade muito grande” ver as atitudes de Trump.

“Tanto a FDA quanto a Anvisa têm que ser isentas de qualquer interferência política, para que a população possa confiar nas suas conclusões. A ação de Trump é extremamente prejudicial à causa da vacina, e vejo paralelo no comportamento de Bolsonaro e Doria , no Brasil, que submetem o imunizante a seus interesses pessoais”, disse Garrett.

A médica faz referência ao embate entre o presidente e o governador de São Paulo em torno da vacina nos últimos dias. Por um lado, o governo federal fechou contrato apenas com a fabricante Astrazeneca, cujos testes tiveram erros, o que deve atrasar em meses a conclusão das pesquisas e a liberação do imunizante.

De outro lado, o governo paulista firmou parceria com a empresa chinesa Sinovac para fabricar a Coronavac no Instituto Butantan. E embora ainda não haja resultados da fase 3 da Coronavac, Doria já prometeu que iniciará a vacinação em São Paulo em 25 de janeiro e garantiu que as doses serão distribuídas a qualquer brasileiro que vá ao Estado.

As declarações de Doria irritaram não apenas Bolsonaro, mas os outros governadores. Nesta sexta-feira, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirmou que o Ministério da Saúde estudava medidas para confiscar as doses paulistas e redistribuí-las pelo país.

Em meio à disputa, caberá à Anvisa liberar ou não a Coronavac de Doria. Recentemente, os servidores efetivos do órgão divulgaram uma carta aberta em que diziam não agir por motivação política.

“Mas é impossível negar que a Anvisa acabou entrando no meio dessa disputa entre Doria e Bolsonaro”, afirma Dourado.

O presidente vê no governador de São Paulo seu principal oponente na eleição de 2022.

A queda de braço, de acordo com Dourado, pode ser levada mais uma vez para o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Já há uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil que pede que o Supremo libere a vacina caso a Anvisa demore para fazer a liberação. Mas o mais provável é que o órgão possa até levar um pouco mais de tempo, mas que acabe liberando”, diz Dourado.

Para Natalia Pasternak, os episódios políticos em torno das vacinas tanto nos EUA como no Brasil são motivo de alerta, especialmente em um momento em que a população precisa confiar na imunização e tomá-la.

“Com as vacinas, estamos olhando para o começo do fim da pandemia. A ciência está sendo politizada e essas agências não podem ceder à pressão em nome da confiabilidade do próprio trabalho”, diz.

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