A polêmica decisão acaba indo ao encontro da vontade do presidente.
Por Estadão
BRASÍLIA – O Comando do Exército anunciou nesta quinta-feira que o ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello não cometeu “transgressão disciplinar” por ter participado de ato político no Rio de Janeiro ao lado do presidente Jair Bolsonaro. A polêmica decisão acaba indo ao encontro da vontade do presidente, que não queria que seu aliado fosse punido. Mas também amplia o desgaste das Forças Armadas com o governo, já que a punição para o general era defendida por muitos oficiais de alta patente.
“Acerca da participação do General de Divisão Eduardo Pazuello em evento realizado na Cidade do Rio de Janeiro, no dia 23 de maio de 2021, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Comandante do Exército analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general. Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General Pazuello”, afirma o comunicado emitido pela Força.
Com isso, foi arquivado o procedimento administrativo que havia sido instaurado para verificar a conduta do general.
Bolsonaro já manifestou publicamente contrariedade à possibilidade de punição de Pazuello. O ex-ministro da Saúde e agora secretário de Estudos Estratégicos da Presidência adotou o mesmo argumento do presidente ao se explicar. A alegação é a de que não houve manifestação política porque Bolsonaro não está filiado a partido. A explicação, no entanto, não convenceu os demais generais.
Apesar disso, a polêmica deve continuar por um bom tempo já que a decisão abre brecha para que o regulamento disciplinar da Força fique desacreditado. Uma punição para o general mostraria que o Exército não hesitaria em punir um oficial de alta patente, mesmo que ele fosse aliado do presidente, em nome de sua disciplina interna. Como isso não ocorreu, a mensagem enviada é a oposta.
Na sua defesa, Pazuello argumentou que o passeio de moto no Rio não representou um evento político-partidário. Também lembrou que não é um período eleitoral e que o presidente Bolsonaro sequer está filiado a algum partido.
O Regulamento Disciplinar do Exército e pelo Estatuto das Forças Armadas proíbe a participação de militares da ativa em manifestações políticas. No ato que gerou o procedimento disciplinar, Pazuello chegou a subir em um trio elétrico onde Bolsonaro discursava a motoqueiros.
Veja a repercussão
“Lamento a decisão. Está aberto o precedente para que a política entre nos quartéis. A disciplina está ameaçada”, afirmou o general da reserva Paulo Chagas. “O presidente, o comandante e o general Pazuello contribuem para a desmoralização e para a queda do prestígio conquistado pelo Exército Brasileiro. Esta decisão, até que eu tenha acesso a outras informações sobre o assunto, põe em risco a autoridade do comandante do Exército Brasileiro, por quem tenho grande apreço.”
“A sensação de que não se sabe mais onde termina o governo e começa o Exército, é o que pode acontecer de pior”, disse a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), autora de uma proposta que veda os militares da ativa ocuparem cargo de natureza civil na administração pública. “‘Quando a política entra por uma porta do quartel, a disciplina e a hierarquia saem pelas outras, já dizia Vilas Boas’”, disse ela.
“A cúpula do Exército vai acabar transformando o Exército brasileiro em algo parecido com o que aconteceu na Venezuela”, afirmou o ex-presidente da Câmara deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defende que Câmara discuta a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada Perpétua Almeida, “que veda aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública”. “Já assinei meu apoiamento”, disse Maia.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), também criticou a decisão. “O Exército decidiu que agora militar pode participar de manifestações políticas como bem entender. Isso não será bom para uma instituição que tem o respeito do povo brasileiro”, disse.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) considerou “gravíssimo” o Exército não punir Pazuello e assim violar o seu próprio Estatuto e Código Penal Militar. “As Forças Armadas, que deveriam agir como instituições de Estado, estão se desmoralizando diante da delinquência de Bolsonaro e estimulando a quebra da disciplina pela tropa.”
Para o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, a atitude do Exército representa uma decisão “no mínimo temerária para o Brasil que sofre escalada golpista de Bolsonaro”. “Há riscos evidentes quanto a disciplina e politização das Forças Armadas”, reforçou.
Ex-aliada de Bolsonaro, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) também criticou a decisão. “O Exército decidiu não punir o general da ativa Pazuello por fazer campanha para Jair Bolsonaro. Liberou geral! As Forças Armadas foram politizadas! Jair Bolsonaro está acima do regulamento do Exército. É um escândalo! É incentivo à anarquia”, disse. “Jair Bolsonaro está destruindo nossas instituições! Como pode a cúpula do Exército ficar de joelhos para um político?! Que vergonha”, reclamou.