Esses sintomas não eram comuns na primeira onda da doença.
Por Estadão
RIO – Os sintomas da covid-19 podem variar significativamente dependendo da variante do vírus Sars-CoV2 responsável pela infecção, alerta estudo da King’s College, de Londres, divulgado este mês. Segundo o trabalho, atualmente, dor de cabeça, dor de garganta e coriza são os sintomas mais associados à variante Delta (originalmente detectada na Índia), que já é prevalente no Reino Unido. Esses sintomas não eram comuns na primeira onda da doença, quando a predominância era da variante Alpha (do próprio Reino Unido).
No Brasil, embora não haja levantamento semelhante, médicos da linha de frente do atendimento também relatam mudança dos principais sintomas da doença apresentados no início da pandemia, quando a predominância era das variantes B.1.1.33 e B.1.1.28, e agora, em que prevalece a Gama (P1), a variante de Manaus. De acordo com os relatos brasileiros, os sintomas associados à Gama são semelhantes àqueles da variante indiana: dor de cabeça, dor de garganta e coriza. Ou seja, algo bem parecido com um resfriado mais forte, o que não significa dizer que a doença se expressa de forma mais ou menos grave.
“A covid está diferente agora, mais parecida com um resfriado forte”, resumiu o professor de Epidemiologia Genética da King’s College, Tim Spector, principal autor do trabalho britânico. “As pessoas acham que estão com um mero resfriado sazonal e continuam saindo, indo a festas. É importante que as pessoas tenham em mente que os principais sintomas relacionados à covid mudaram desde maio. Agora, o principal sintoma é dor de cabeça, seguido de dor de garganta, coriza e febre.”
Até então, quando a predominância ainda era da variante Alpha, os principais sintomas de covid, segundo autoridades sanitárias britânicas eram, nessa ordem: febre, tosse e perda do olfato ou paladar. A recomendação era para que quem apresentasse pelo menos um desses sintomas, deveria fazer um teste para covid. Agora, no entanto, a variante indiana responde por 90% dos casos entre os britânicos.
O mapeamento de sintomas no Reino Unido está sendo feito desde março do ano passado por meio de um aplicativo, chamado zoe, no qual os pacientes relatam os sintomas da covid. Já são mais de quatro milhões de relatos. Os dados analisados pelo app mostram que a tosse era o sintoma mais comum no início da pandemia, com 46% dos pacientes relatando o sintoma. Agora, no entanto, foi superado por dor de cabeça (66%), dor de garganta (53%), coriza (49%) e febre (42%).
A variante indiana, já se sabe, é pelo menos 40% mais transmissível que a alfa e apresenta o dobro do risco de hospitalização. Além disso, as vacinas disponíveis são um pouco menos eficazes diante dessa variante, particularmente após somente uma dose. Embora praticamente todos os idosos estejam vacinados no Reino Unido, parte dos jovens adultos ainda está parcialmente vacinada ou não vacinada. No total, 2/3 da população não está ainda totalmente protegida.
“A mensagem aqui é: se você é jovem e apresenta sintomas leves, parecidos com um resfriado mais forte, fique em casa e faça um teste para a covid-19”, alertou Spector, que criou o aplicativo no qual as pessoas relatam seus sintomas.
No caso do Brasil, apenas 11,7% da população já recebeu as duas doses. Ou seja, a grande maioria das pessoas ainda está totalmente desprotegida. Embora tenham sido detectados casos importados da variante Delta no Maranhão e no Paraná e o registro de transmissão comunitária em Goiás, ainda não há indícios de que ela tenha se espalhado no País. Atualmente, a variante predominante é a de Manaus, em 84% dos casos. No exterior, porém, o avanço da cepa indiana preocupa e pode frear os planos de reabertura econômica.
Um estudo feito no Brasil no ano passado listou os sintomas mais comuns entre os brasileiros. O levantamento feito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) envolveu 31.869 pessoas em todos os Estados. Entre os mais citados aparecem dor de cabeça, alterações de olfato e paladar, febre, tosse e dor no corpo. No entanto, o estudo não foi refeito este ano, após a prevalência da Gama, de Manaus.
“O número de linhagens em circulação no País é muito grande. No último levantamento, eram mais de três mil linhagens”, explicou a virologista Paola Cristina Resende, pesquisadora da Rede Genômica Fiocruz, que mapeia a dispersão das variantes no País. “Mas o nosso foco são as chamadas variantes de preocupação, ou seja, aquelas com capacidade de transmissão maior, caso da P1, da B.1.7 (do Reino Unido), da B.1.1.351 (da África do Sul) e da B.1.617.2 (da Índia). A gente acredita que, na competição com outras variantes, a P1 se sai melhor e por isso ela segue predominante no Brasil.”
Segundo o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, em termos de sintomas, o grande diferencial entre a primeira e a segunda onda da pandemia no País foi justamente o surgimento da coriza. “No ano passado, quando o paciente apresentava coriza, já podia, praticamente, descartar covid”, conta Spilki.
“Este ano é diferente, os problemas no trato respiratório superior, como a coriza, vêm aparecendo muito. O problema é que o indivíduo que está com uma coriza, um resfriado, tende a se expor mais, ele não vai se resguardar adequadamente; sobretudo com sintomas tão díspares daqueles registrados na primeira onda, como perda de olfato e paladar.”
A pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz, que atende pacientes de covid, também notou a diferença. “Não fico muito confortável de falar em impressões pessoais”, frisou. “Mas tenho visto muita gente com problemas na via aérea alta, como dor de garganta e coriza, como se fosse alguma outra virose.”
O mais importante, segundo os especialistas, é que as pessoas não se exponham e façam o teste para a covid-19 ao perceberem estes sintomas. Enquanto a vacinação não avançar mais, o uso da máscara e o distanciamento social são as únicas formas de proteção.