Portugal acelera acesso de imigrantes a vacinas, mas milhares continuam à margem do sistema de saúde.

Foram os primeiros de um grupo de aproximadamente 30 mil pessoas que se inscreveram.

FOTO DO ARQUIVO: Médicos em ambulâncias com pacientes COVID-19 aguardam na fila do hospital de Santa Maria, em meio à pandemia de coronavírus (COVID-19) em Lisboa, Portugal, 27 de janeiro de 2021. REUTERS / Pedro Nunes

Por Folhapress

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Após diversos relatos de estrangeiros impedidos de se vacinar contra a Covid-19 devido à ausência do número de inscrição no sistema público de saúde, Portugal convocou para a imunização, nos últimos dias, cerca de 7 mil imigrantes nesta situação.

Foram os primeiros de um grupo de aproximadamente 30 mil pessoas que se inscreveram em uma plataforma especial do governo, lançada em março, para quem não possui o chamado número de utente: o código de identificação dos cidadãos no Sistema Nacional de Saúde, o SUS português.

A ausência do número de utente tem sido o principal gargalo no acesso de imigrantes às vacinas e ao pleno uso do sistema de saúde pública.

Enquanto quem tem a inscrição no SNS pode realizar um autoagendamento para a vacina ou, em alguns casos, ir diretamente até o centro de vacinação, quem se inscreve pela plataforma especial precisa aguardar o contato das autoridades de saúde.

Para pelo menos 23 mil pessoas inscritas, isso ainda não aconteceu.

Prestes a completar 91 anos e em situação regularizada em Portugal, a brasileira Julia Jannibelli estava nesta situação.

Na manhã desta segunda-feira (5), ela teve o acesso ao imunizante novamente negado, após mais de uma hora de espera (e muitos documentos apresentados) em um centro de vacinação da região de Cascais.

Após muita insistência da família junto às autoridades, a idosa finalmente conseguiu agendar a vacinação.

Ivy Borges, neta da aposentada, diz ter levado a avó, no último um mês e meio, a diversas unidades de saúde e centros de vacinação, sempre em vão.

“Eu moro em Portugal há quase dez anos. A minha mãe veio para cá em outubro do ano passado e trouxe a minha avó. A minha mãe é cidadã italiana, assim como eu, e fez o processo de reagrupamento familiar dela. Só que a entrevista no SEF [ órgão de imigração] foi apenas dois dias antes do último lockdown. Faltou um documento e o processo só foi terminado depois que o SEF reabriu. Minha avó está regularizada, tem os documentos certinhos, mas o cartão da autorização de residência ainda não chegou”, explica.

“Aí começou o jogo de empurra. Eu ia ao centro de saúde e falavam que tinha de ir ao centro de vacinação. No centro de vacinação, diziam que era no centro de saúde. Isso já tem quase um mês: toda semana a gente leva ela a algum lugar”, descreve.

“Mandaram a gente preencher aquele cadastro na internet [para quem não tem número de utente]. Eu já preenchi aquilo acho que umas 15 vezes e até agora, nada”, completa.

A emissão do número de utente fica a cargo dos centros de saúde locais, que verificam os documentos dos estrangeiros e atribuem o respectivo código a cada um.

Não existe um procedimento uniformizado para esse processo, e a concessão da inscrição acaba variando entre as unidades, jogando muitos imigrantes em um labirinto burocrático: eles têm direito a receber o imunizante, mas não conseguem realizar o agendamento prévio, etapa obrigatória na maioria dos casos em Portugal.

É o que acontece com o estudante gaúcho Wagner Cardoso, 31. Ele e a namorada se mudaram para Lisboa, em setembro de 2020, para um mestrado na capital portuguesa.

Mesmo com a autorização de residência e os documentos em dia, eles não conseguem o número de utente.

“Eu já fui até lá, já liguei, já mandei e-mail. Estou há meses sem uma resposta”, diz.

“Eu estou cada vez mais apreensivo. A gente não sabe se o vírus, através dessas mutações, está ficando mais perigoso para pessoas mais jovens. A minha namorada perdeu uma pessoa de 28 anos pela doença. Estamos ficando cada vez mais em casa. Estamos preocupados com essa onda de infecções em Lisboa”, diz.

A situação, que já é complicada para quem tem a documentação regularizada, é ainda mais problemática para quem está irregular ou em processo de regularização.

No começo da pandemia, o país promoveu uma regularização temporária dos estrangeiros com pedidos pendentes junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. A medida, de caráter humanitário, foi tomada justamente para garantir acesso aos cuidados de saúde e à vacina nas mesmas condições de um cidadão português.

Em torno de 223 mil estrangeiros foram beneficiados —os dados por país ainda não foram divulgados, mas os brasileiros foram a nacionalidade mais impactada.

Pelas regras definidas, todas essas pessoas passaram a ter direito à inscrição no sistema de saúde. Muitos estrangeiros relatam, no entanto, uma série de empecilhos nas unidades de saúde.

As queixas nas associações de apoio a imigrantes também dispararam.

Em nota, o ministério da Presidência afirmou que o país trabalha para garantir o acesso de todos à vacina.

“Estamos atualmente a trabalhar para garantir o contato pelas autoridades de saúde a todos os cidadãos que se inscreveram na plataforma, tendo em vista o agendamento célere da sua vacinação e a atribuição do número de utente provisório nos casos em que se afigure necessário.”

“Neste sentido, a plataforma constitui-se como um recurso suplementar e que não substitui os processos já existentes para a atribuição do número de utente do serviço nacional de saúde, nomeadamente através do pedido nos centros de saúde”, completa.

Segundo a pasta, foram emitidos mais de 56 mil números de utente para estrangeiros em 2020 e outros 33 mil em 2021.

Até agora, cerca de 57,8% da população de Portugal já recebeu ao menos uma dose do imunizante, e 35,11% tem a vacinação completa.

Até a semana passada, já haviam sido vacinados 135 mil cidadãos estrangeiros, de 195 nacionalidades. Cerca de 49 mil brasileiros já foram vacinados no país.

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