Aliados veem Bolsonaro acuado e com discurso golpista para mobilizar base após aliança com centrão

Presidente ignorou apelos por moderação e voltou a atacar eleições; 11 partidos pedem que TSE interpele mandatário

“O centrão é um nome pejorativo. Eu sou do centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB, fui do então PFL. No passado, integrei siglas que foram extintas, como PRB, PPB. O PP, lá atrás, foi extinto. Depois, nasceu novamente da fusão do PDS com o PPB, se não me engano”, afirmou Bolsonaro em entrevista em julho deste ano.. Adriano Machado – 29.jun.21/Reuters/

Por Folhapress

Aliados de Jair Bolsonaro avaliam a renovação do discurso golpista do presidente como uma tentativa de manter sua base radical mobilizada diante de uma sucessão de acontecimentos que têm desgastado o governo ou colocado em xeque o discurso com o qual se elegeu em 2018.

Durante visita a Presidente Prudente (SP) neste sábado (31), o mandatário voltou a investir contra o sistema eleitoral do país. De um palanque, ele disse que a democracia só existe com eleições limpas e que não aceitará uma “farsa”.

“Queremos eleições, votar, mas não aceitaremos uma farsa como querem nos impor. O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde. Jamais temerei alguns homens aqui no Brasil que querem impor sua vontade”, disse o presidente, após participar de motociata na cidade do interior paulista.

A fala de Bolsonaro ocorre dois dias depois de ele ter promovido o mais duro ataque contra as urnas eletrônicas, numa live de duas horas também veiculada na rede de televisão pública do governo.

Nos bastidores, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) classificaram como “patética” a live. Na transmissão, o presidente trouxe teorias sobre a vulnerabilidade das urnas que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente. Ele também admitiu não ter provas de suas acusações.

Após as reações geradas pela live, líderes e dirigentes de partidos do centrão fizeram um apelo para que Bolsonaro moderasse o tom em relação à existência de fraude nas urnas eletrônicas e sua defesa do voto impresso —que ele diz ser “auditável” e “democrático”. Eles avaliam que o presidente precisa se afastar da pecha de radical.

O centrão é composto por legendas como PP, PL, PTB, Republicanos e Avante. Juntos, somam cerca de 200 deputados e garantem a sustentação de Bolsonaro no Congresso.

Embora tenha se comprometido, inclusive com o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a baixar a fervura da crise, Bolsonaro manteve o discurso radicalizado neste sábado.

Interlocutores disseram à Folha, sob condição de anonimato, que Bolsonaro não tem condições políticas atualmente de abandonar a pauta do voto impresso e de deixar de levantar suspeitas sobre a eleição do ano que vem.

Isso porque esses temas se converteram, segundo esses interlocutores, no novo combustível para manter a base bolsonarista coesa.

O presidente costuma atuar para preservar seu colchão de apoio na população em momentos de dificuldade.

Auxiliares dizem que o presidente se sente acuado pela perda de popularidade, pelo avanço das investigações da CPI da Covid no Senado e pelas dificuldades de encontrar um partido político para disputar a reeleição em 2022.

Na mais recente pesquisa Datafolha sobre o cenário do ano que vem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliou a vantagem nas intenções de voto e cravou 58% a 31% no segundo turno.

O embarque de Ciro Nogueira, um dos principais líderes do centrão, na Casa Civil traz benefícios e prejuízos para Bolsonaro, segundo aliados.

De um lado, consolida seu apoio político no Congresso e afasta o fantasma de um processo de impeachment. Por outro, corrói o discurso eleitoral contra a velha política que marcou a campanha bolsonarista em 2018.

Neste sábado, 11 partidos protocolaram um requerimento para que o TSE interpele Bolsonaro, conforme antecipou a coluna Mônica Bergamo.

Eles querem que o presidente preste esclarecimentos sobre as acusações que fez na live de quinta contra as urnas eletrônicas.

Os partidos argumentam que “o ato configurou um verdadeiro constrangimento às instituições democráticas e ao Estado de Direito”.

O requerimento foi assinado por PT, PSDB, MDB, PDT, PSOL, Rede, Solidariedade, Cidadania, PV, PSTU e PC do B.

Aliados de Bolsonaro também se dizem preocupados com os efeitos da escalada da crise institucional sobre a votação, no Senado, da indicação de André Mendonça para uma vaga no Supremo.

Candidato “terrivelmente evangélico” para um assento na corte, o atual advogado-geral da União já encontra resistências na Casa.

Se Bolsonaro insistir em declarações golpistas, o receio entre assessores é que a oposição a Mendonça aumente entre parlamentares, sob o argumento de que não podem chancelá-lo em meio aos ataques do presidente às instituições democráticas.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), minimiza as declarações de Bolsonaro e afirma que o presidente está apenas defendendo uma pauta legítima.

“Não é uma discussão isolada. Por enquanto o presidente está defendendo um projeto que está em tramitação no Congresso; e isso é legítimo”, diz, referindo-se a uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o voto impresso que tramita na Câmara dos Deputados.

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