Bruxelas se orgulha de fornecer ajuda militar, mas Moscou pode vê-la como uma intervenção perigosa
Por Estadão
BRUXELAS – Os holandeses estão enviando lançadores de foguetes para defesa aérea. Os estonianos, mísseis antitanque Javelin. Os poloneses e os letões, mísseis terra-ar Stinger. Os tchecos, metralhadoras, rifles de precisão, pistolas e munição.
Mesmo países anteriormente neutros, como Suécia e Finlândia, estão enviando armas. E a Alemanha, há muito alérgica ao envio de armas para zonas de conflito, está enviando Stingers, bem como outros foguetes lançados pelo ombro.
Ao todo, cerca de 20 países – a maioria dos membros da Otan e da União Europeia, mas não todos – estão canalizando armas para a Ucrânia para combater invasores russos e armar uma insurgência, se a guerra chegar a esse ponto.
Ao mesmo tempo, a Otan está movendo equipamentos militares e até 22 mil soldados a mais para os Estados-membros que fazem fronteira com a Rússia e Belarus. A invasão russa da Ucrânia, maior ameaça à segurança europeia das últimas décadas, uniu os países do continente.
“A segurança e a defesa europeias evoluíram mais nos últimos seis dias do que nas últimas duas décadas”, afirmou Ursula von der Leyen, presidente do braço executivo da União Europeia, em discurso ao Parlamento Europeu nesta terça-feira. Bruxelas se moveu para “europeizar” os esforços dos Estados-membros e posicionar o bloco como um ator militar significativo.
Risco de uma guerra ampla
Mas se o armamento europeu continuará a chegar ao campo de batalha ucraniano a tempo de fazer alguma diferença, já não se sabe. Por mais orgulhosa que Bruxelas esteja de seu esforço, a estratégia corre o risco de encorajar uma guerra mais ampla e uma possível retaliação de Putin. A corrida de ajuda militar letal para a Ucrânia da Polônia, membro da Otan, visa, afinal, matar soldados russos.
Putin já vê a Otan comprometida em ameaçar ou mesmo destruir a Rússia por meio de seu apoio à Ucrânia, como ele repetiu em seus discursos recentes, mesmo após levantar o alerta nuclear de suas próprias forças para lembrar a Europa e os Estados Unidos dos riscos de uma interferência.
As guerras mundiais começaram por causa de conflitos menores, e a proximidade da guerra em relação aos aliados da Otan traz o perigo de atrair outras partes de maneiras inesperadas.
Compromisso com defesa da Otan
Jens Stoltenberg, o secretário-geral da Otan, voltou a falar sobre o assunto na terça-feira ao visitar uma base aérea polonesa. “A guerra de Putin afeta a todos nós e os aliados da Otan sempre estarão juntos para defender e proteger uns aos outros”, disse ele. “Nosso compromisso com o Artigo 5, nossa cláusula de defesa coletiva, é firme.”
“Não deve haver espaço para erros de cálculo ou mal-entendidos”, disse Stoltenberg na semana passada. “Faremos o que for preciso para defender cada centímetro do território da Otan.”
Mas por enquanto a luta está na Ucrânia, e embora a Otan e a União Europeia tenham deixado claro que seus soldados não lutariam contra a Rússia lá, seus Estados-membros estão ativamente engajados em ajudar os ucranianos a se defenderem.
Armas para Zelenski
O armamento ocidental tem entrado na Ucrânia em quantidades relativamente grandes, mas não reveladas, nos últimos dias. Se puder ser implantado rapidamente, terá impacto.
A velocidade é essencial à medida que a invasão russa da Ucrânia prossegue e enquanto a fronteira da Ucrânia com a Polônia permanece aberta. Tropas russas estão tentando cercar cidades e cortar a maior parte do exército ucraniano a leste do rio Dnieper, o que tornaria o reabastecimento muito mais difícil.
Embora 21 dos 27 países da União Europeia também sejam membros da Otan, o esforço para mover equipamentos e armas rapidamente para a Ucrânia da Polônia está sendo realizado de maneira individual.
Os franceses dizem que o pessoal militar da UE está tentando coordenar o empurrão. O Reino Unido e os Estados Unidos estão fazendo o mesmo, criando algo chamado Centro Internacional de Coordenação de Doadores. É duvidoso que Putin se deixe enganar pelo nome.
De fato, mesmo que nenhum soldado da Otan jamais cruze a Ucrânia, e mesmo que comboios de material sejam levados para a fronteira por pessoal não uniformizado ou terceirizados em caminhões simples, os suprimentos de armas europeus provavelmente serão vistos em Moscou como intervenção disfarçada da Otan.
Fornecer armas à Ucrânia para permitir uma resistência contra a Rússia é uma boa ideia, “mas conforme aumenta, você se pergunta como Putin responderá”, disse Malcolm Chalmers, vice-diretor do Royal United Services Institute, um instituto de pesquisa de defesa. “O que acontece se ele atacar do outro lado da fronteira? Perseguimos terroristas além das fronteiras, por que não ele?”
Do ponto de vista russo, veteranos militares da Otan que agora são contratados para ajudar e treinar ucranianos, disse Chalmers, “podem ser vistos por Moscou como o equivalente ocidental dos ‘homenzinhos verdes’”, como ficaram conhecidos os soldados russos sem insígnias que inicaram a anexação da Crimeia.
Depois, há sempre a possibilidade de aeronaves russas entrarem no espaço aéreo da Otan enquanto tentam interditar comboios ou perseguir aviões ucranianos. Algo semelhante aconteceu na única vez em que um país da Otan derrubou um caça russo Su-24, perto da fronteira turco-síria, em 2015.
Mais suprimentos de mísseis terra-ar como Stingers e armas antitanque como o Javelin são cruciais, assim como equipamentos de comunicação seguros, para que o governo ucraniano possa continuar em contato com seus militares e seu povo se os russos derrubarem a internet, disse Douglas Lute, ex-tenente-general e embaixador americano na Otan.
“Em território da Otan, deveríamos ser o Paquistão”, disse ele, estocando material na Polônia e organizando linhas de abastecimento para os ucranianos enquanto o Paquistão abastecia o Talibã no Afeganistão.
O fundo europeu usado para comprar armas letais é chamado de Fundo Europeu para a Paz.
O fundo tem dois anos e visa, pelo menos, a prevenir conflitos e fortalecer a segurança internacional. Tem um teto financeiro de 5,7 bilhões de euros — cerca de US$ 6,4 bilhões — para um orçamento de sete anos (2021 a 2027). Se a Ucrânia precisar de mais dinheiro, a UE disse, ele pode ser fornecido.
De acordo com a Otan, Bélgica, Canadá, República Checa, Estônia, França, Alemanha, Grécia, Letônia, Lituânia, Holanda, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Reino Unido e Estados Unidos já enviaram ou estão se preparando para enviar entregas significativas de equipamento militar para a Ucrânia, bem como milhões de dólares, enquanto outros Estado- membros estão fornecendo ajuda humanitária e acolhendo refugiados.
Em 25 de fevereiro, um dia após a Rússia atacar a Ucrânia, a Casa Branca aprovou um pacote de armas e equipamentos de US$ 350 milhões, incluindo Javelins e Stingers. Autoridades do Pentágono disseram que as remessas começaram a fluir para a Polônia e a Romênia, de onde o material foi enviado por terra através do oeste da Ucrânia.
O primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, prometeu à Ucrânia fornecer dezenas de milhares de projéteis e munição de artilharia, mísseis antiaéreos, morteiros leves, drones de reconhecimento e outras armas de reconhecimento. Polônia, Hungria e Moldávia também estão recebendo milhares de ucranianos que fogem da guerra.
A Suécia, que não é membro da Otan, anunciou que enviaria à Ucrânia 5 mil armas antitanque, 5 mil capacetes, 5 mil itens de armadura e 135 mil rações, além de cerca de US$ 52 milhões para os militares ucranianos. A Finlândia, da mesma forma, disse que entregará 2.500 rifles de assalto e 150 mil cartuchos de munição, 1.500 armas antitanque e 70 mil rações.
Mas a Otan também agiu para reforçar fortemente sua dissuasão nos Estados-membros em seu flanco leste, para garantir que a Rússia não teste o compromisso da Otan com a defesa coletiva.
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Tropas no Leste
Somente os Estados Unidos enviaram 15 mil soldados extras para a Europa – 5 mil para a Polônia, mil para a Romênia e mil para os Estados Bálticos – enquanto comprometem outros 12 mil soldados, se necessário, para a Força de Resposta da Otan, sendo usados em defesa coletiva pela primeira vez.
Washington também enviou mais caças e helicópteros de ataque para a Romênia, Polônia e Estados Bálticos.
Em outros exemplos do rápido esforço da Otan para reforçar suas fronteiras orientais, a França enviou sua primeira tranche de tropas para a Romênia na segunda-feira, para liderar um novo batalhão da aliança na região, e forneceu caças Rafale para a Polônia.
A Alemanha, que já lidera um batalhão da Otan na Lituânia, enviou mais 350 soldados e obuses para lá, seis caças para a Romênia, algumas tropas para a Eslováquia e mais dois navios para as patrulhas marítimas da Otan. Berlim também disse que enviaria uma bateria de mísseis Patriot e 300 soldados para operá-la no flanco leste da Otan, mas não especificou onde.
O Reino Unido, nação líder do batalhão da Otan na Estônia, enviou outros 850 soldados e mais tanques Challenger para lá, além de mais 350 soldados para a Polônia. Também colocou outros mil de prontidão para ajudar os refugiados e enviou outros quatro caças para Chipre, enquanto envia dois navios para o Mediterrâneo oriental.
O Canadá enviou cerca de 1.200 soldados, artilharia e unidades de guerra eletrônica para a Letônia, bem como outra fragata e aeronave de reconhecimento, enquanto colocava 3.400 soldados de prontidão para a Força de Resposta.
A Itália enviou oito caças para a Romênia e colocou 3.400 soldados de prontidão, enquanto os holandeses enviaram 100 soldados para a Lituânia e 125 para a Romênia e designaram oito caças para tarefas da Otan.
A Dinamarca está enviando uma fragata para o Mar Báltico e enviará 200 soldados e quatro caças para a Lituânia, além de alguns para a Polônia, para apoiar a missão de policiamento aéreo da Otan, enquanto a Espanha enviou quatro caças para a Bulgária e navios para patrulhas marítimas.
Esta não é uma lista completa, mas dá uma indicação da seriedade com que a Otan está enfrentando a ameaça de uma nova agressão russa ou de um transbordamento da guerra para seu território.