Brasil faz 40 anos de Antártida e se prepara para ocupar nova estação de pesquisa

Pesquisadores brasileiros se preparam para ocupar a nova Estação Comandante Ferraz

A estação de pesquisa brasileira Comandante Ferraz, na Antartica, quando estava esta em fase final de construção em 2019. Foto: Clayton de Souza/Estadão (20/02/2019)

Por Estadão

Um dos mais bem-sucedidos projetos científicos do Brasil completa 40 anos. O Programa Antártico Brasileiro, o Proantar, começou seus trabalhos no continente gelado em janeiro de 1982, quando os primeiros cientistas brasileiros desembarcaram por lá. A próxima temporada de pesquisa marcará também a ocupação definitiva da nova estação brasileira. Ela ficou pronta poucos meses antes do início da pandemia de covid-19. A presença brasileira na Antártida é também estratégica do ponto de vista geopolítico. O País faz parte do grupo de 29 nações com estações científicas no continente. Por isso, tem poder de voto e de veto sobre os rumos da exploração da região. O Tratado Antártico impede que nações reivindiquem o território. Também garante um regime de cooperação internacional voltado, basicamente, para a pesquisa científica.

A presença de militares na estação é constante. Sempre há um grupo de aproximadamente 15 pessoas, garantindo a manutenção da infraestrutura e da logística. Além disso, dois navios apoiam o trabalho científico no continente: o Ary Rongel e o Almirante Maximiano.

Com 14,2 milhões de quilômetros quadrados (aproximadamente o dobro do território brasileiro) quase inteiramente cobertos por uma espessa camada de gelo durante todo o ano, a Antártida é o principal regulador térmico do planeta. Sua gigantesca massa de gelo controla circulações atmosféricas e correntes oceânicas. Afeta diretamente o clima e as condições de vida em todo o planeta. No continente, está a maior reserva de gelo (90%) e água doce (70%) do mundo. Há ainda recursos minerais e energéticos incalculáveis.

A aproximadamente 3.200 quilômetros de distância da Antártida, o Brasil é o sétimo país do mundo em proximidade com o continente. Ou seja, estudar e compreender os fenômenos naturais do continente é uma questão de sobrevivência para o País, sobretudo em tempos de aquecimento global. “As correntes marinhas que vêm da Antártida para o Brasil garantem a qualidade da água que permite o desenvolvimento dos peixes da nossa costa”, exemplifica o coordenador científico da estação, Paulo Câmara, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo o pesquisador, a massa de ar frio e seco da Antártida que sobe para a América do Sul influencia o regime de chuvas quando se encontra com a massa de ar quente e úmido vinda da Amazônia. “O equilíbrio desse fluxo, em que ora uma massa predomina sobre a outra, garante os períodos alternados de seca e chuva, essenciais para a agricultura brasileira”, explica ele.

O aumento das temperaturas médias no planeta pode também gerar problemas graves para o Brasil, dada a proximidade com a Antártida. “Existem plataformas de gelo na Antártida do tamanho de Pernambuco”, lembra o pesquisador Luiz Rosa, da UFMG. Ele estuda fungos que só existem no continente gelado. “Se essas plataformas derreterem, as cidades litorâneas do Brasil, sobretudo do Sul e do Sudeste, vão ser tremendamente afetadas.”

Reserva

Além disso, como lembra o especialista, o avanço acelerado das mudanças climáticas e a escassez de recursos naturais do planeta vão tornar a Antártida cada vez mais crucial para todo o mundo. O continente é uma espécie de último reduto dos recursos naturais da Terra, uma reserva para toda a humanidade.

Ilha Deception no arquipélago das Shetland do Sul, na Antártida, situada ao noroeste da península Antartica. Foto: Clayton de Souza/Estadão (20/02/2019)

Câmara e Rosa estiveram na estação no fim do ano passado. Estavam no primeiro grupo de cientistas brasileiros que foram à Antártida depois de praticamente dois anos de pandemia. Essa suspensão das pesquisas in loco afetou praticamente todos os países que atuam no continente gelado. E adiou a inauguração dos modernos laboratórios da nova Estação Comandante Ferraz.

A estação original, inaugurada em 1984, pegou fogo em 2012. O incidente deixou dois militares mortos e 70% das instalações destruídas. Com um investimento de quase US$ 100 milhões, a nova estação é uma das mais modernas do mundo. Foi inaugurada no início de 2020, logo quando foi decretado o início da pandemia de covid-19.

Naquele ano, não houve pesquisa brasileira na Antártica. Mas um grupo de militares ficou na estação, e os cientistas envolvidos seguiram com suas pesquisas em suas respectivas universidades. Em 2021, alguns poucos cientistas estiveram na nova estação. Entre eles, estava Câmara. Ele vistoriou os novos laboratórios, já em antecipação à temporada deste ano. “Montamos os laboratórios em 2019, mas, infelizmente, veio a pandemia e, em 2020 não tivemos operação científica, apenas logística”, lembrou Rosa, do Instituto de Microbiologia da UFMG.

Estrutura

A nova estação ocupa uma área de 4,5 mil metros quadrados e tem capacidade para abrigar 64 pessoas. Os quartos, cada um com duas camas e um banheiro privativo, recebem militares e pesquisadores com muito mais conforto do que na estação anterior. Além disso, oferece acesso à internet 4G, sala de vídeo, áreas de reunião, academia de ginástica, ambulatório médico para emergências e 17 laboratórios de pesquisa de última geração.

A segurança foi uma das maiores preocupações na construção da nova estrutura. Ela é capaz de enfrentar abalos sísmicos, nevascas e ventos de até 200 quilômetros por hora. Também conta com modernas estruturas contra incêndios. Elas impedem que o fogo se espalhe rapidamente, como aconteceu na antiga estação.

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De acordo com especialistas, a nova estação está entre as mais modernas do continente, comparável apenas às duas bases americanas. “A gente tem uma Ferrari nas mãos”, comparou Rosa. “Só precisamos do combustível e dos recursos para dirigi-la.”

Entre as unidades de pesquisa já reativadas estão a estação meteorológica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o módulo VLF (Very Low Frequency), que realiza estudos sobre a propagação eletromagnética na parte mais alta da atmosfera terrestre, a ionosfera.

O navio oceanográfico Ary Rongel (na frente) e o navio oceonográfico Almirante Maximiano na baia do Almirantado. Foto: Clayton de Souza/Estadão (23/02/2019)

Para a temporada de pesquisas deste ano estão previstos 22 projetos, entre eles os de Rosa e Câmara. O pesquisador da UnB estuda como pode vir a ser a futura vegetação na Antártida à medida que as temperaturas globais aumentarem. “Nós extraímos DNA do ar para ver o que está presente na Antártida. E tem coisa para caramba. O ambiente não é tão prístino (antigo) como se imagina. Já encontramos partículas genéticas de maçã, banana, abóbora”, contou Câmara. “Por enquanto, essas espécies não florescem por lá por conta do gelo, mas o que pode acontecer no futuro?”

O cientista disse que imagina a Antártida, em cem anos, como um pampa, com vegetação gramínea. “Mas o continente está esquentando, o gelo está derretendo, em mais algumas centenas de anos, quem sabe, podemos ter até mesmo um pé de jaca por lá”, brinca.

Veterano das pesquisas na Antártida, o antropólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ, estuda a pré-história do continente gelado – que nem era tão gelado assim. O projeto Paleoantar descobriu, por exemplo, provas fósseis de uma vegetação exuberante no passado, bem como da presença de animais grandes, como plesiossauros e pterossauros, répteis marinhos e alados.

Posição Estratégica

“A gente sente que está sempre tendo de lutar por espaço”, criticou Kellner. “É preciso entender que é a presença da atividade científica na Antártida que garante a posição estratégica brasileira de tomar decisões sobre o continente. Essa atividade deveria ser mais valorizada. Precisamos ampliar a nossa presença científica, ir mais ao sul, expandir nosso horizonte.”

Pinguim local: as pesquisas brasileiras têm entre os focos os efeitos do aquecimento. Foto: Clayton de Souza/Estadão (20/02/2019)
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