Artista estreou em São Paulo a versão completa da turnê ‘O Conto dos dois mundos’ e falou com o Estadão sobre abrir o coração na arte, sucesso e como é colocada em um ‘pedestal que nem existe’
Estadão
Depois de uma prévia no palco do Rock In Rio, Luísa Sonza estreou no último sábado, 18, o primeiro show completo da turnê O Conto dos Dois Mundos, um espetáculo ambicioso que dura mais de duas horas e transita por diferentes facetas da artista e fases de sua carreira. “O pop permite que eu mostre a minha versatilidade. Eu não consigo ser só uma, sou várias o tempo todo e, se eu me prendesse em uma só, seria pouco”, explica Luísa em entrevista ao Estadão, logo após o fim do espetáculo.
O caleidoscópio de possibilidades da cultura pop transparece ao longo do show, apoiado pela estrutura de escadas e rampas que se remontam no palco e pelas imagens do telão. Se a primeira seção do espetáculo segue uma sequência de coreografias (incluindo a ralação de joelho pela qual é conhecida) e músicas empoderadas sobre sexo, sucesso e dinheiro, no momento seguinte Luísa já abre o coração com baladas como Penhasco, Olhos Castanhos e sua parceria com Marília Mendonça, Melhor sozinha.
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“Assumir o empoderamento é mais difícil. Eu tiro isso não sei nem de onde, porque sou uma pessoa extremamente vulnerável”, revela a artista. “Acho inclusive que meu empoderamento vem de ser uma pessoa extremamente vulnerável. Eu trabalho isso muito no meu dia a dia. Eu sou água, né? Então, estou sempre em uma tempestade. Gosto de viver nesse caos. Transformo essa tempestade sempre em tsunami, senão me afogo nela.”
Essa vulnerabilidade apareceu em mais de um momento da noite e não só nas baladas autorais ou na releitura de Sozinho, imortalizada por Caetano Veloso e interpretada apenas em voz e violão. Quase todas as vezes que parava para conversar com o público, Luísa aparecia no telão com os olhos marejados e a voz embargava, muito em partes pela exaustão física e emocional do último dia.
Quando faltavam apenas 15 horas para Luísa Sonza subir ao palco do espaço Arca, na Vila Leopoldina, o voo que levaria a artista de Las Vegas a São Paulo foi cancelado. Segundo o que ela mesma relatou no palco e em um vídeo de introdução exibido no espaço, um segundo avião também teria dado pane no sistema elétrico e suas malas teriam sido extraviadas.
A saída foi ligar às 4h da manhã para Pedro Sampaio, previsto para encerrar a noite, e pedir que adiantasse sua apresentação. Assim, ele se apresentou logo após o set de Kiara Felippe, uma DJ trans e negra que segurou a ansiedade do público com uma seleção de músicas pop, funk e hip-hop.
Para conter a ansiedade, os fãs ainda podiam curtir as várias instalações espalhadas por contêineres aludindo aos clipes de Luísa, assistidos milhões de vezes na internet e na TV. Dentre as atrações mais disputadas, um escorregador que saía da boca da artista como a capa de Cachorrinhas e a banca de tatuagem do clipe de Fugitivos.
Mesmo com os imprevistos, Luísa começou o show logo após as 22h. “Eu não vou fazer aqui o arroz com farofa que eu sei que vai vender, que eu vou conseguir tudo que eu preciso. Eu quero fazer um pouquinho a mais, pra vocês saberem que não é pelo dinheiro, pela fama, por nada. É por entregar alguma coisa a mais, sempre, pra vocês”, disse a artista em um dos momentos de emoção no palco.
Questionada sobre como mantém o equilíbrio entre abrir-se para os fãs e manter uma parte da vida para si mesma, ela responde: “A real é que é completamente desestabilizado”, ri. “Mas na hora de ir para o racional, entendo que para ser uma artista minimamente entendida você tem que separar as coisas”, diz, acrescentando que por ter começado a carreira cantando em bandas de casamento, não sente que tem uma “raiz muito definida”.
“Minhas músicas são um pouco de tudo. Não é aquela coisa ‘vim do forró’ ou ‘vim do funk’. Acho que o pop é o que me traduz, porque na verdade ele não é um estilo de música, é uma cultura. Assim, consigo me usar de várias formas”, explica.
Não à toa, uma das seções do show começa com uma citação de Madonna exibida no telão: “Pobre é o homem cujo prazer depende da aprovação dos outros”. No palco, Luísa rebola, brinca, se diverte ao sensualizar com o rapper Xamã, que fez participação especial na estreia da turnê, deita no chão enquanto toca guitarra e, sim, chora, aparentemente sem se preocupar com o que vão dizer ou achar.
“Tenho me tornado uma pessoa um pouco mais madura. Estou em um momento em que estou me redescobrindo e passando por várias mudanças na minha vida. Desde que fiz 24 anos, tenho me sentido mais adulta e também de saco cheio de muita coisa que antes eu achava que precisava”, ela conta no camarim.
A citação de Madonna exibida no show faz ainda mais sentido quando Luísa conta que, das coisas que deixou para trás, talvez a mais importante seja a necessidade constante que sentia de aprovação alheia. “Quando você passa a ter sucesso ou visibilidade por um certo tempo, você enxerga que estar no topo ou no início (da carreira) não muda muito o que você é e as suas inseguranças”, explica.
“Só muda mesmo que você vê o mundo mais irreal, porque as pessoas passam a não ser reais com você e a te colocar em um pedestal que não existe – ao mesmo tempo em que podem te colocar no lixo a qualquer momento e tirar totalmente a sua humanidade”, desabafa.
O disco Doce 22, seu maior sucesso até aqui e indicado ao último Grammy Latino, é o ponto central do show, que tira seu nome da música O Conto dos Dois Mundos. Nela, Luísa assume a saudade da cidade natal Tuparendi, no interior do Rio Grande do Sul, e fala sobre sua inadequação com a cidade grande, a indústria musical e o cansaço com “toda essa hipocrisia”. Um sentimento que, pelo que ela diz, foi superado aos trancos e barrancos, mas foi.
“Quando entendi que tudo isso é um grande show e não a realidade da vida, tenho me tornado uma pessoa mais serena, mais calma e menos afobada”, confessa. “Hoje, eu quero mais é dormir um pouco, curtir minhas cachorras, minha casa e uma praia de preferência.”