A decisão é uma vitória provisória para 19 Estados liderados principalmente por republicanos que buscam manter a regra chamada de Título 42
Estadão
WASHINGTON – A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu nesta terça-feira, 27, manter em vigor uma medida adotada em 2020 durante o governo de Donald Trump por causa da pandemia de covid-19 que permite barrar a entrada de centenas de milhares de migrantes que tentam entrar no país. A decisão ocorre em meio a recordes de migrantes detidos na fronteira com o México, muitos que caminharam a pé desde a América do Sul.
A sentença, adotada por cinco votos a quatro, defere, ao menos temporariamente, uma petição de 19 Estados que alegaram que ficariam sobrecarregados com a chegada de migrantes caso a norma do chamado Título 42 fosse suspensa e a fronteira fosse aberta. A medida permite que até mesmo migrantes que poderiam se qualificar para asilo sejam rapidamente expulsos da fronteira. Estão previstas raras exceções para determinadas nacionalidades, como os ucranianos desde a invasão de seu país pela Rússia, ou para menores desacompanhados.
O tribunal disse que ouviria os argumentos do caso em uma sessão em fevereiro e que a suspensão permaneceria em vigor até que proferisse sua decisão.
A medida, chamada de Título 42 em referência a uma lei de saúde pública de 1944, foi estabelecida pelo então presidente Donald Trump no início da pandemia. Sob as restrições, as autoridades expulsaram requerentes de asilo dentro dos Estados Unidos 2,5 milhões de vezes e rejeitaram a maioria das pessoas que solicitaram asilo na fronteira com o objetivo de impedir a propagação da covid-19 no país.
Os defensores da imigração entraram com um processo para acabar com a política, dizendo que vai contra as obrigações americanas e internacionais de pessoas que fogem para os EUA para escapar da perseguição. Eles também argumentaram que a política está desatualizada à medida que os tratamentos para o coronavírus melhoram.
Os Estados, por outro lado argumentam que o cancelamento da política da era pandêmica causará um enorme desastre na fronteira e os migrantes adicionais aumentarão os custos com aplicação da lei, educação e saúde. Eles também dizem que tiveram que intervir depois que o governo federal não pressionou para manter o Título 42 em vigor. O caso foi até a Suprema Corte dos EUA, que na semana passada ordenou uma suspensão temporária mantendo o Título 42 em vigor para que pudesse estudar minuciosamente os argumentos de cada lado.
A decisão de hoje fala especificamente que a Suprema Corte revisará a questão de saber se os Estados têm o direito de intervir na luta legal sobre o Título 42. Tanto o governo federal quanto os defensores da imigração argumentaram que os Estados esperaram muito para intervir e até mesmo se não tivessem esperado tanto, não teriam legitimidade para intervir.
Crise migratória
A decisão da Suprema Corte ocorre quando milhares de migrantes se reuniram no lado mexicano da fronteira, lotando abrigos e preocupando advogados que lutam para descobrir como cuidar deles. “Estamos profundamente desapontados por todos os desesperados requerentes de asilo que continuarão a sofrer por causa do Título 42, mas continuaremos lutando para acabar com a política”, disse Lee Gelernt, advogado da American Civil Liberties Union, que vinha argumentando para acabar com o uso do Título 42.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse que o governo de Joe Biden irá cumprir a ordem e se preparar para a revisão do Tribunal. “Ao mesmo tempo, estamos avançando em nossos preparativos para administrar a fronteira de maneira segura, ordenada e humana quando o Título 42 eventualmente for suspenso e continuaremos expandindo os caminhos legais para a imigração”, acrescentou Jean-Pierre. “O Título 42 é uma medida de saúde pública, não uma medida de imposição da imigração, e não deve ser prorrogado indefinidamente.”
Em uma dissidência, os juízes Neil Gorsuch e Ketanji Brown Jackson disseram que mesmo que o tribunal concluísse que os Estados têm o direito de intervir e o Título 42 fosse legalmente adotado “a emergência em que essas ordens foram baseadas há muito expirou .”
Com o Título 42 em vigor, na maioria dos casos, os migrantes foram devolvidos ao México ou a seus países de origem. Na prática, no entanto, muitos migrantes foram autorizados a permanecer no país até que enfrentem processos de remoção por causa de isenções humanitárias ou porque alguns são de países que têm relações diplomáticas tensas com os Estados Unidos, como Venezuela.
A proibição foi aplicada de forma desigual por nacionalidade, caindo principalmente sobre migrantes da Guatemala, Honduras e El Salvador – além dos mexicanos – porque o México permite que eles retornem dos Estados Unidos. No mês passado, o México começou a aceitar venezuelanos expulsos dos Estados Unidos sob o Título 42, causando uma queda acentuada no número de venezuelanos que buscam asilo na fronteira com os EUA.
Os defensores dos direitos humanos há muito criticam a regra de saúde pública por dar aos funcionários da fronteira a autoridade para expulsar rapidamente os migrantes sem qualquer tipo de processo legal ou oportunidade de buscar refúgio contra a perseguição. Eles também argumentaram que a política não traz benefícios para a saúde pública.
Embora as administrações de Trump e Biden argumentem que a ordem é de saúde pública e não de imposição da imigração, ela se tornou uma força crítica no gerenciamento de um número alto de travessias ilegais na fronteira sudoeste. Outras opções de execução levam muito mais tempo, principalmente quando os migrantes declaram que têm medo de retornar ao país de onde fugiram.
O que acontece se o Título 42 cair
Se desaparecer, os requerentes de asilo serão entrevistados por oficiais de asilo que determinarão se eles têm um “medo crível” de serem perseguidos em seus países de origem. Se for descoberto que eles enfrentam uma ameaça crível, eles podem permanecer nos EUA até que uma determinação final seja feita.
Isso pode levar anos. Embora alguns sejam detidos durante o processo de asilo, a grande maioria é libertada nos Estados Unidos com notificações para comparecer ao tribunal de imigração ou se apresentar às autoridades de imigração.
O Departamento de Segurança Interna disse em um memorando descrevendo seus preparativos para o fim do uso do Título 42 que o sistema atual não foi projetado “para lidar com o volume atual de migração nem com o volume crescente que esperamos nas próximas semanas e meses”.
A pasta disse que está se preparando para um possível aumento reprimindo as redes de contrabando, acelerando a remoção daqueles que têm pouca base para permanecer nos EUA e trabalhando com parceiros internacionais para conter a migração. Também diz que está buscando mais dinheiro do Congresso. Enquanto isso, com a queda das temperaturas na semana passada, milhares de migrantes se reuniram no lado mexicano da fronteira esperando para ver o que aconteceria se e quando o uso do Título 42 terminasse.
Espera-se que os republicanos, que controlarão a Câmara em Janeiro, façam da imigração uma questão importante. Já houve pedidos de impeachment do secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas.
Alguns democratas também expressaram preocupação com o que acontecerá quando o Título 42 acabar. Em uma carta a Biden esta semana, o senador Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e o deputado Henry Cuellar, do Texas, juntaram-se a dois republicanos do Texas – o senador John Cornyn e o deputado Tony Gonzales – pedindo a Biden que mantivesse o Título 42 em vigor, dizendo que havia uma crise na fronteira sul e que o Departamento de Segurança Interna não havia apresentado um plano para manter o controle ali./AFP, AP e NYT