O bom começo de Haddad

Pacote de medidas ajuda a segurar subida da dívida em 2023. Para obter condições sustentáveis, é preciso esperar novos anúncios

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad Foto: Adriano Machado/Reuters

Estadão

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou suas primeiras medidas. O pacote poderá ter efeito relevante nas receitas e amenizar o déficit das contas públicas projetado para 2023. As despesas devem ganhar maior atenção com o início do trabalho das novas equipes.

O pacote contempla R$ 70 bilhões em medidas relacionadas à litigiosidade e às relações entre Fisco e contribuintes. A ideia é ampliar a arrecadação por meio de novos incentivos ao pagamento de tributos atrasados. Mais: R$ 23 bilhões em apropriação dos recursos do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); R$ 4,4 bilhões em tributação de receitas financeiras das empresas; R$ 36 bilhões em reestimativas das projeções de arrecadação da Lei Orçamentária Anual; e R$ 30 bilhões da correção no método de retirada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base do PIS/Cofins. A reoneração dos combustíveis poderá render outros R$ 28,8 bilhões.

Tem-se aí um efeito de R$ 192,2 bilhões. O déficit primário projetado para o ano é de R$ 233,9 bilhões, já incluídos os R$ 168 bilhões por fora da meta de primário e do teto de gastos autorizados pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Nesse caso, o déficit poderia ficar em R$ 41,7 bilhões.

Do lado dos gastos, falou-se no contingenciamento orçamentário e na revisão de contratos de compras do governo federal (R$ 50 bilhões). Assim, o déficit poderia transmutar-se em superávit.

Em que pese o conjunto de ações do lado da receita ser positivo, dado seu potencial efeito fiscal relevante, parte das medidas pode estar superestimada. Minhas contas iniciais mostram que seria possível chegar a um efeito total de R$ 100 bilhões (e não de R$ 192,2 bilhões). Do lado dos gastos, o contingenciamento não é trivial, pois há pouca gordura nos chamados discricionários e há dificuldades legais para se promover o congelamento ordinário em contexto de teto de gastos e meta de resultado primário flexibilizados.

Ainda, quanto à revisão de todos os contratos da administração federal, a medida deve ser louvada. No entanto, o efeito poderia chegar a no máximo R$ 11 bilhões, com muito esmero, e não a R$ 25 bilhões. A revisão de contratos já foi adotada em outras ocasiões. Assim, com um pacote efetivo de R$ 111 bilhões, o déficit poderia encerrar 2023 em pouco mais de R$ 120 bilhões ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

A saber, há gastos não previstos nessa conta, a exemplo dos repasses que o governo federal precisará fazer aos Estados em função da bagunça deixada pelo governo anterior no ICMS de combustíveis.

O desafio é gigantesco. Vamos ter claro: para a dívida pública (de 74% do PIB) não crescer em 2023, caso o PIB cresça a 1%, com juros reais a 6%, seria preciso ter um superávit primário de mais de 3,5% do PIB. É evidente que a dívida crescerá em relação ao PIB e nada pode ser feito quanto a isso. Explico: seria como matar o paciente administrando doses cavalares de remédio. Na verdade, é preciso mostrar um horizonte de estabilização e segurar ao máximo a estocada inicial da dívida.

O pacote ajuda a segurar essa subida em 2023. Mas, para obter as condições de sustentabilidade, vamos precisar aguardar os novos anúncios, sobretudo na área de revisão de gastos e avaliação de políticas públicas. Nessa matéria, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, anunciou dois nomes de relevo: Daniel Couri, que foi meu colega na Instituição Fiscal Independente (IFI) e me sucedeu na diretoria-executiva; e Paulo Bijos, especialista em orçamento. Bijos comandará a Secretaria de Orçamento Federal e Couri será adjunto. A ministra da Gestão, Esther Dweck, anunciou Francisco Gaetani, que poderá fazer grandes coisas na área de pessoal.

Na Fazenda, a Secretaria-Executiva, conhecida por comandar o ministério “para dentro”, ficou a cargo de um craque, Gabriel Galípolo, excelente gestor. Há muito trabalho de reorganização e de rearranjo da casa, além de superar o grave imbróglio fiscal que apresentei acima.

RETORNO

Agradeço ao Estadão pelo convite para retornar a este espaço após a experiência incrível na Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo, a convite do governador Rodrigo Garcia. Temos, em São Paulo, uma burocracia permanente, a exemplo dos auditores fiscais e dos procuradores, que deve ser exaltada, além das demais carreiras e colaboradores com quem pude contar nesses quase nove meses de gestão. Agradeço a todos eles nominando meu chefe de gabinete, José Paulo Neves. Recebam minha admiração, respeito e amizade.

Lideramos o Estado nas discussões federativas e no grupo de conciliação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes; regulamentamos a devolução de créditos do ICMS; instituímos processo formal para os pedidos de benefícios fiscais e iniciamos mecânica de avaliação; criamos o Sistema de Custos para Educação e Desenvolvimento Social; dentre outras inovações. Deixamos um caixa recorde, de R$ 34 bilhões, a menor dívida da história e investimentos entre os mais altos desde 1995.

Inicio, agora, uma nova etapa, como economista-chefe e sócio da Warren Renascença. Voltarei a analisar a política fiscal e contarei com um economista de mão-cheia, Josué Pellegrini, já na terceira empreitada que enfrentamos juntos, incluindo a IFI e a Secretaria da Fazenda. Vamos a ela!

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