Presidente do BC foi convidado a dar explicações sobre elevado patamar de juros na Comissão de Assuntos Econômicos
Folha de São Paulo
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta terça-feira (25), em audiência pública na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal, que o combate à inflação é o melhor instrumento social que existe e negou que o Brasil esteja afundando em recessão.
Aos parlamentares, o chefe da autarquia defendeu o regime de metas de inflação e a importância da autonomia do BC, explicou a mecânica da tomada de decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) e a influência das expectativas de inflação sobre a calibragem da taxa de juros.
“Nosso trabalho é fazer a inflação convergir para a meta com o mínimo de custo social”, afirmou. “Não é verdade que o Brasil está afundando em recessão sem fim. A gente está tentando fazer um trabalho de trazer a inflação para a meta, porque a inflação é um elemento muito corrosivo para os rendimentos dos mais carentes, e a gente precisa fazer isso da forma mais suave possível.”
Campos Neto foi convidado pelos parlamentares a comparecer no Congresso Nacional para dar explicações sobre a taxa básica de juros (Selic) –fixada desde agosto de 2022 em 13,75% ao ano.
O convite ao presidente do BC veio em reação às críticas diretas e recorrentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de integrantes do governo ao nível elevado de juros no país em meio a um cenário de desaceleração da atividade econômica e aumento da inadimplência —pagamentos em atraso há mais de 90 dias.
O requerimento foi aprovado em 14 de março, mas Campos Neto já tinha mostrado ao presidente da comissão, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), disposição de comparecer ao Senado.
Na audiência, ele disse ver o debate sobre os juros como “meritório” e negou que o BC seja culpado pelas mazelas do Brasil. O presidente da instituição afirmou também que a autoridade monetária está “no mesmo barco que o governo”, tentando achar soluções para os problemas do país.
Campos Neto disse aos senadores que não consegue estimar quando o Copom dará início aos cortes da taxa básica por ter direito a apenas um de nove votos do colegiado do BC, embora veja as condições caminhando na direção certa. De acordo com o chefe da autoridade monetária, o processo de redução de juros é técnico e leva tempo.
O presidente do BC disse que reduzir os juros “com canetada” teria como consequência a desvalorização da moeda e maior inflação. “Se a gente fizer uma queda de juros artificial, o que vai acontecer é que você vai estar passando uma mensagem de que a remuneração não está apropriada para seu risco. Se a remuneração não está apropriada para o seu risco, as pessoas vão investir em outro lugar. Então, a primeira coisa sentiria na moeda, o real iria se desvalorizar”, disse.
“O real se desvalorizando, gera um ciclo inflacionário, porque tem uma inflação que vem importada quando o real desvaloriza. Iria ter menos credibilidade na moeda e ia entrar em um processo de expectativa de inflação crescente, que ia contaminar os ajustes através da cadeia de inflação. No final das contas, ia terminar com a moeda mais desvalorizada e com uma inflação maior”, continuou.
Assim como em suas exposições mais recentes, Campos Neto reiterou a mensagem de que a inflação elevada é mais prejudicial para a sociedade do que o alto nível de juros, por aumentar a desigualdade e penalizar a população de mais baixa renda.
“Inflação é o imposto mais perverso que existe, que prejudica os pobres. É uma transferência de valor do dinheiro do governo, onde o dinheiro perde valor na mão das pessoas e ganha no emissor, que é o governo. De certa forma, a inflação até melhora a questão fiscal, mas ao custo de desigualdade e de uma piora na qualidade do consumo”, afirmou.
O chefe da autoridade monetária reforçou que a omissão do BC no combate à inflação teria sido muito mais custosa para a sociedade do que o aumento da Selic.
Senador Cid Gomes, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, registra dados de inflação e juros em quadro-negro ao falar sobre cenário no Brasil e nos EUA, durante audiência na qual participou o presidente do BC, Roberto Campos Neto – Pedro França/Agência Senado
Segundo Campos Neto, se o Copom tivesse atuado de forma política e evitado aumentar os juros no período eleitoral, a inflação deste ano seria próxima de 10% e, para obter as mesmas projeções atuais, o BC teria que elevar a taxa Selic para 18,75%.
Durante a sessão, o senador Cid Gomes (PDT-CE) associou Campos Neto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pediu a renúncia do presidente do BC, que tem mandato à frente da instituição até dezembro de 2024. “Pegue seu bonezinho e peça para sair”, disse.
O chefe da instituição também voltou a citar como antiexemplo os casos da Argentina, que enfrenta uma inflação desenfreada, e da Turquia, que baixou os juros e hoje tem de lidar com o aumento da pobreza.
“O combate à inflação é o melhor instrumento social que existe hoje, tem vários estudos que mostram isso”, disse. “No caso da Argentina, a pobreza aumentou 53% e hoje alcança quase 40% da população.”
Quanto à comunicação, Campos Neto destacou novamente que a autoridade monetária atua de forma técnica. “Em todas as atas [do Copom] desde 2019, toda vez que uma medida fiscal alterava a trajetória da dívida, o BC se expressou nas suas comunicações”, afirmou.
Segundo o chefe da autarquia, um dos fatores para os altos juros no Brasil é o fato de o governo brasileiro ter uma dívida bruta –que atingiu 73% do PIB (R$ 7,4 trilhões) em fevereiro– maior do que a média internacional. “Não é explosiva, mas é maior que a média”, disse.
O grande volume concedido no crédito direcionado, em boa parte com juros subsidiados, e o baixo nível de recuperação de crédito por parte das instituições financeiras devido à alta inadimplência dos tomadores de empréstimos são outros motivos citados por Campos Neto para explicar por que os juros são elevados no país.
O presidente do BC também foi chamado ao Senado para prestar informações sobre erro ocorrido na compilação de dados na série histórica do fluxo cambial –volume de dólares que entram e saem do país. Após a revisão, a autoridade monetária informou que o país registrou em 2022 saída de US$ 3,233 bilhões, em vez de entrada de US$ 9,574 bilhões.
De acordo com Campos Neto, o erro foi reajustado, não houve negligência por parte dos funcionários do BC e os procedimentos foram aprimorados para que o problema não volte a se repetir. “Quando a gente corrigiu, teve pouco efeito nos mercados”.