As interações contidas com o público são uma mudança perceptível para o líder russo, antes em extrema reclusão desde a pandemia
Estadão
THE NEW YORK TIMES – Ele enfrentou uma multidão de fãs gritando no Daguestão. Ele pegou uma menininha no colo em Kronstadt. Ele posou lado a lado com sete irmãos jovens, apertando a mão de seu pai após um desfile naval.
O presidente Vladimir Putin, da Rússia, está saindo e interagindo com o povo russo, numa tentativa de demonstrar que seus anos de isolamento induzido pela pandemia acabaram e que seu apoio público continua forte, apesar da guerra na Ucrânia e de uma tentativa de motim fracassada contra seu governo.
O comportamento é uma mudança perceptível para o presidente russo, que cultivou reclusão extrema durante a pandemia, forçando os líderes visitantes a se sentarem na ponta oposta de mesas retangulares gigantes e exigindo que as pessoas ficassem em quarentena por até duas semanas para vê-lo.
O isolamento persistiu até bem depois que os políticos de outros lugares dispensaram tais precauções em meio ao recuo dos temores sobre a covid-19. E uma vez que a Rússia invadiu a Ucrânia, a distância de Putin contrastou fortemente com o presidente Volodmir Zelenski, da Ucrânia, que fazia visitas regulares a posições de linha de frente, cerimônias lotadas e quartos de hospital apertados.
Embora muitas precauções permaneçam em vigor, Putin está interagindo com as multidões em aparições orquestradas — retratando-se como alguém presente e no comando após a rebelião do grupo paramilitar Wagner sugerir que ele não era nem uma coisa, nem outra.
Putin sempre detestou a política populista, ridicularizando os beijos em bebês dos políticos americanos em campanha para cargos públicos como frívolos e vulgares. Mas o motim abortado em 24 de junho por Ievgeni Prigozhin, o magnata mercenário, parece ter mudado o cálculo para Putin.
Dias após a revolta, Putin viajou para Derbent, uma cidade na região do Daguestão, no Sul da Rússia, e apareceu diante de uma multidão gritando de alegria — um encontro animado que a Rússia não via em anos.
Seu porta-voz, Dmitri Peskov, disse mais tarde que Putin foi contra as “fortes recomendações de especialistas” e tomou uma “decisão firme” de interagir com a multidão, porque “ele não podia recusar essas pessoas e deixar de cumprimentá-las”.
Tatiana Stanovaia, membro sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, instituto de pesquisa especializado em assuntos relacionados à Rússia e à região da Eurásia, disse que a decisão de se misturar com a multidão foi quase certamente uma escolha pessoal de Putin — em parte destinada a enviar a mensagem à elite russa de que ele mantém a adoração do público da nação.
“O motim de Prigozhin, esse foi o golpe mais forte na legitimidade da liderança”, disse Stanovaia. “E de onde vem a legitimidade? Do povo. Portanto, o desejo de se lançar ao encontro do povo e sentir-se apoiado, é o tipo de necessidade que surge em meio a um motim.”
As aparições de Putin com multidões continuaram nos dias seguintes. Em 23 de julho, ele levou o presidente bielorrusso, Aleksandr Lukashenko, para Kronstadt, uma cidade em uma ilha fora de São Petersburgo conhecida por sua história de motins no início do século XX. Os dois líderes se misturaram com uma multidão do lado de fora de uma catedral, onde Putin ficou entre uma noiva e um noivo. Ele levantou uma menina sorridente com óculos de sol rosa na cabeça.
Dias depois, o presidente russo recebeu líderes africanos de alto nível em São Petersburgo, sua cidade natal. Se a cúpula, com sua lista limitada de chefes de Estado africanos, não conseguiu resolver o isolamento geopolítico da Rússia, pelo menos abordou as imagens duradouras do isolamento físico de Putin. Em uma maratona de sessões de fotos, reuniões e excursões, o líder russo teve talvez mais contato pessoal contínuo do que em qualquer momento desde antes da pandemia.
O líder russo cumprimentou os líderes africanos de todos os níveis, bem como suas esposas, hospedou um jantar de gala e entreteve alguns funcionários que ficaram para o tradicional desfile da Marinha da Rússia no Rio Neva. Ele retornou a Kronstadt acompanhado de oficiais de defesa russos e líderes africanos em um barco lotado.
Nos bastidores do desfile naval, ele cumprimentou a família Gorelov de Magadan, no extremo leste da Rússia. Os pais, um dia antes, haviam recebido a Ordem da Glória Paterna por criarem 10 filhos, como parte de um esforço contínuo do Estado russo para combater o declínio demográfico promovendo “famílias com múltiplas crianças”.
Nos últimos dias, ele tem alternado entre aparições que abordam a guerra e interações com multidões que parecem ser projetadas para comunicar normalidade e demonstrar que ele ainda conta amplamente com a lealdade da população, mesmo enquanto o conflito causa dificuldades contínuas que têm alimentado o descontentamento para muitos russos.
Na quarta-feira, ele apareceu diante de viúvas cujos maridos haviam morrido na guerra, acariciando a cabeça da jovem filha de um soldado falecido e dando tapinhas no ombro do garoto ao lado dela.
Pelos padrões da maioria dos políticos mundiais, os encontros de Putin com multidões ainda são limitados. Em comparação, Zelenski segue uma agenda repleta de interações públicas. Mas, pelos padrões recentes do líder russo, a mudança é perceptível.
Sam Greene, diretor de resiliência democrática no Centro de Análise de Políticas Europeias, em Washington, afirmou que Putin pode estar intensificando sua atividade pública antes da eleição presidencial em março do próximo ano. Será a quinta eleição do líder russo, embora ele ainda não tenha anunciado oficialmente sua candidatura.
Com um sistema que neutralizou concorrentes ao longo dos anos, Putin, sem dúvida, sairá vitorioso, mas o Kremlin ainda monitorará a participação e as margens de vitória, assim como a elite russa que Putin deve manter ao seu lado.
“Você tem todos esses oligarcas e pessoas em todo o sistema que são ricos, poderosos e inescrutáveis, e isso só é possível porque você tem alguém no palco mantendo o show acontecendo”, diz Greene. “Ele precisa comunicar à elite que não só ele é bom nisso, mas que não há nem sequer comparação”.