Bolsa Família exclui maioria dos beneficiários sem transição gradual, afirma Banco Mundial

Regras do programa social permitem adiar saída mesmo com maior renda, mas só 7% usam mecanismo, mostra pesquisa

“Pedimos o [benefício] do Bolsa Família há 9 meses. Toda vez que vou lá [no Centro de Referência de Assistência Social] me falam para esperar”, conta Ivanete. . Junior Foicinha/Folhapress/FRILA
Por Folhapress

Fábio Pupo

BRASÍLIA

A maioria dos beneficiários excluídos do Bolsa Família deixa de passar pela regra que permite uma saída gradual do programa social.

A interrupção abrupta dos pagamentos gera instabilidade financeira para aqueles que tentam se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes de forma informal e com uma série de dificuldades.

As conclusões são de um estudo do Banco Mundial sobre a chamada “regra de permanência”, cujo objetivo é assegurar uma transição segura do beneficiário do Bolsa Família para o mercado de trabalho.

A norma permite atualmente que a família continue a receber recursos por mais dois anos quando declarar ter conquistado um aumento de renda além do teto do programa (hoje, em R$ 178 mensais por pessoa) —desde que a renda fique abaixo de R$ 550 mensais por pessoa (meio salário mínimo).

O Banco Mundial constatou que somente 7% dos beneficiários deixam o Bolsa Família após passar pela regra, considerando os 12 meses terminados em fevereiro de 2020.

Em vez disso, 51% das saídas ocorreram depois que o governo cruzou informações e constatou haver uma elevação de renda acima do limite.

Quando são eliminadas pelo cruzamento de dados do governo, as famílias não podem mais pedir para entrar na regra de permanência. Esse impedimento tem como objetivo incentivar declarações verdadeiras por parte dos beneficiários.

O Banco Mundial enumera diferentes possíveis fatores para as famílias deixarem de atualizar as informações —e, portanto, perderem o direito à permanência. Uma das hipóteses é o próprio desconhecimento da regra.

Outra, relacionada à primeira, é o medo de que informar uma renda maior vá justamente acabar com os pagamentos. Também é possível que os benefícios sejam cortados sem que haja tempo de a família fazer a atualização.

Além disso, a regra hoje exige que o beneficiário faça a atualização pessoalmente no Cras (Centro de Referência de Assistência Social). Isso, em algumas áreas, demanda um deslocamento nem sempre fácil, além da possibilidade de filas e listas de espera.

Os pesquisadores sugerem mudanças para aprimorar a regra de permanência, vista como algo que gera efeito positivo.

“O incentivo de investir em capital humano incluído nos benefícios variáveis melhora as chances de integração no mercado de trabalho e maiores ganhos de crianças quando elas se tornam adultas”, afirmam os pesquisadores.

Uma das principais sugestões é que as famílias sejam automaticamente incluídas na regra de permanência, em vez de serem excluídas do Bolsa Família, quando tiverem aumento de renda.

Outra é promover melhor conscientização entre os usuários sobre a regra de permanência.

A instituição também recomenda que haja mais esclarecimento sobre como obter outra fonte de renda e que isso não é um mau negócio para o beneficiário.

O Banco Mundial diz que o incentivo para sair do Bolsa Família e obter recursos com o trabalho é muito superior ao observado em programas internacionais semelhantes —principalmente por causa do baixo valor pago pelo programa social.

A instituição também propõe uma maior atuação do governo sobre as famílias que entraram na regra de permanência, buscando estimular a formalização dos trabalhadores e incentivar a inclusão financeira, com fomento ao crédito, por exemplo.

O Banco Mundial ressalta a importância da existência da regra após constatar que a maioria dos beneficiários que melhoram a renda obtém esses recursos do emprego informal —66% eram autônomos.

O trabalho autônomo está associado a uma maior instabilidade em condições já não favoráveis, com dificuldades como custos com transporte e creche para os filhos.

Na visão dos pesquisadores, a alta volatilidade de renda decorrente da baixa qualidade do trabalho reforça a necessidade do amparo do programa para uma transição segura para a saída.

“Esse fato destaca a centralidade da regra como uma ferramenta para estabilizar a renda de autônomos, bem como a necessidade de incluir instrumentos adicionais que possam reforçar os ganhos e reduzir a volatilidade de renda desse grupo crítico”, afirma o levantamento liderado por Matteo Morgandi, economista-sênior do Banco Mundial.

Os pesquisadores recomendam ao governo que a regra seja mantida mesmo com as mudanças do Bolsa Família e sua transformação no Auxílio Brasil.

A regra será mantida, mas de forma mais restrita.

Conforme mostrou a Folha, a medida provisória que cria o Auxílio Brasil muda o limite de até meio salário mínimo (R$ 550) por membro para 2,5 vezes o critério da faixa de pobreza (hoje, o equivalente a R$ 445).

A mudança é defendida pelo Banco Mundial, como forma de atrelar o teto a um indexador ligado às regras do programa —e não de um fator externo, como o salário mínimo.

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