Bolsonaro ignora apelo do centrão, volta a ameaçar eleições e diz que ‘não aceitará farsa’

Presidente novamente desrespeitou protocolos sanitários em motociata no interior de SP e fez live com problemas técnicos

Bolsonaro discursa para apoiadores após motociata em Presidente Prudente (SP) neste sábado (31.jul.2021). Reprodução

Por Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou apelos de líderes e dirigentes de partidos do centrão que dão sustentação ao seu governo e voltou a atacar o sistema eleitoral durante manifestação a seu favor em Presidente Prudente (SP) neste sábado (31).

Em transmissão ao vivo na quinta-feira (29), Bolsonaro havia feito o mais duro ataque contra as urnas eletrônicas, sem, entretanto, apresentar qualquer prova das supostas fraudes nas eleições que denuncia há três anos. Ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal) reagiram nos bastidores, classificando a live como patética, e aliados do centrão apelaram ao presidente para que moderasse o tom.

O mandatário se comprometeu com congressistas e ministros, inclusive Ciro Nogueira, líder do centrão recém-nomeado chefe da Casa Civil, a moderar o discurso. Não foi o que ocorreu neste sábado, porém.

Bolsonaro afirmou em palanque que a democracia só existe com eleições limpas e que não aceitará uma “farsa”.

“Queremos eleições, votar, mas não aceitaremos uma farsa como querem nos impor. O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde. Jamais temerei alguns homens aqui no Brasil que querem impor sua vontade”, disse.

O discurso de Bolsonaro foi transmitido ao vivo em suas redes sociais, mas a transmissão enfrentou problemas técnicos e caiu diversas vezes, gerando reações negativas entre os seguidores do presidente. Procurado para comentar as falhas na transmissão, o Facebook não se manifestou.

A motociata em Presidente Prudente foi a sexta promovida pelo presidente, que voltou a ignorar protocolos sanitários, gerar aglomerações e cumprimentar apoiadores sem máscara. Acompanharam o chefe do Executivo os ministros Marcelo Queiroga (Saúde), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

O Governo de São Paulo informou que autuou Bolsonaro pela terceira vez neste sábado pelo não uso da máscara. Também foram autuados Tarcísio, Heleno e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

A multa pelo descumprimento da legislação que determina o uso da proteção facial em espaços públicos é de R$ 552. Como Bolsonaro, Tarcísio e Zambelli são reincidentes, eles poderão ser multados em até R$ 290,9 mil. Segundo o governo estadual, os autos serão enviados via Correios para cada um.

As cinco motociatas anteriores foram realizadas entre maio e julho, em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Chapecó (SC) e Porto Alegre. O presidente anunciou que a próxima será em Florianópolis, no dia 7 de agosto.

Segundo resposta obtida pela Folha via Lei de Acesso à Informação, somente a motociata realizada no Rio, em maio, custou ao menos R$ 231 mil aos cofres públicos, somando os gastos com o cartão corporativo, transporte terrestre, passagens, telefonia e diárias.

Na soma, não estão inclusos os custos do governo do Rio com reforço no policiamento, que não foram divulgados. Na motociata da capital paulista, esses gastos chegaram a R$ 1,2 milhão com a participação de 1.433 policiais, cinco aeronaves, dez drones e aproximadamente 600 viaturas, informou a Secretaria de Segurança Pública do estado.

Em Presidente Prudente, ainda segundo a secretaria, esses custos foram superiores a R$ 300 mil. O efetivo foi reforçado com 450 policiais militares, drones e um helicóptero.

Para a passagem de Bolsonaro em Presidente Prudente, foi bloqueado o acesso das principais rodovias que vão para o norte do Paraná, para a divisa de Mato Grosso do Sul, para a capital paulista e para o norte do estado de São Paulo.

Além de apoiar o presidente, segundo os organizadores, a motociata teve como objetivo fortalecer o movimento “Brasil livre e a favor do voto auditável”. Atos em defesa dessa bandeira estão marcados para este domingo (1º) em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e outras cidades.

Bolsonaro chegou ao aeroporto por volta das 8h30, percorreu estradas que circundam o local e seguiu para o parque do Povo, principal parque de Presidente Prudente. Ele foi à cidade para formalizar o credenciamento do Hospital de Esperança, antigo Hospital Regional do Câncer de Presidente Prudente, junto ao SUS.

Ao discursar no hospital, Bolsonaro afirmou que sempre diz para Queiroga que “pode ser que apareça algum problema no ministério dele”.

“Afinal de contas, o orçamento diário dele são [sic] de R$ 550 milhões de reais. Não é facil coordenar, fiscalizar e executar esse recurso. Se aparecer algum problema, eu e Queiroga seremos os primeiros a colaborar com as investigações e chegar na responsabilização dos possíveis culpados.”

Em junho, a Folha revelou o teor do depoimento sigiloso do servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, no qual relatou pressão “atípica” para liberar a importação da vacina indiana Covaxin.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI da Covid no Senado. A comissão suspeita do contrato por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que a vacina ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e por prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

A Folha também revelou denúncia do policial militar Luiz Paulo Dominghetti, representante da empresa Davati Medical Supply, que afirma ter recebido de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, pedido de propina de US$ 1 por dose da vacina da AstraZeneca.

Além da motociata, a agenda extraoficial de Bolsonaro previa um megachurrasco com 2.000 pessoas no centro de exposições de Presidente Prudente.

A pedido do Ministério Público, o evento foi cancelado pela Justiça, que alegou que uma cerimônia deste tamanho só poderia estar inserida na categoria dos eventos-teste anunciados pelo governo paulista em meio à pandemia.

A prefeitura afirmou que o evento era encabeçado pela UDR (União Democrática Ruralista), uma associação civil que despontou em defesa dos ruralistas em meados dos anos 1980, quando o oeste paulista se tornava epicentro de conflitos fundiários, com a presença do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na região.

A organização já foi presidida por Luiz Antonio Nabhan Garcia, líder ruralista local e hoje secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura do governo federal e aliado próximo do presidente. Desde a corrida presidencial de 2018, Nabhan Garcia é ainda um dos principais fiadores de Bolsonaro entre parte do setor do agronegócio no país.

Na CPMI da Terra, concluída em 2005, Nabhan Garcia foi acusado de estar associado a milícias armadas no campo em defesa de fazendeiros na região de Presidente Prudente. À época, o agora secretário de Bolsonaro responsável pela reforma agrária e demarcação de terras indígenas negou as acusações e não foi indiciado.

Irmão dele, Maurício Nabhan Garcia chefia hoje a Secretaria de Agricultura e Abastecimento em Presidente Prudente, pasta criada pelo atual prefeito prudentino, que, apesar de estar filiado a um partido que faz oposição a Bolsonaro a nível nacional, se mostra alinhado ao presidente.

Desde a eleições municipais de 2020, quando garantiu seu primeiro mandato à frente da prefeitura, Ed Thomas (PSB) mantém elogios públicos e fotos com Bolsonaro nas redes sociais. A cidade elegeu o presidente com 78% dos votos válidos no segundo turno das eleições de 2018.

Nesse sábado, o prefeito publicou uma nova imagem com Bolsonaro, afirmando que sua visita é uma “oportunidade para manifestar gratidão pelo credenciamento do Hospital de Esperança junto ao SUS”.

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