A maior urgência é desarmar a bomba de tempo das trajetórias das dívidas privada e pública. Assim o País pode voltar à rota de ser o ‘país do futuro’
Estadão
Stefan Zweig, em Brasil, um país do futuro, de 1941, escreveu: “Mas faz parte das especificidades do desenvolvimento brasileiro que este país das possibilidades ilimitadas sempre consiga ultrapassar cada uma de suas crises por uma transformação súbita”. É fato, o futuro chegou aqui algumas vezes. Foi-se. Mas pode voltar.
Um exemplo ocorreu na década de 1930. A quebra da bolsa norte-americana derrubou o PIB de quase todos os países. Osvaldo de Sousa Aranha, ao invés de insistir em mais do mesmo, fez uma transformação súbita, com a queima de estoques de café, reformas e a formação de algumas indústrias. Já em 1932 o PIB cresceu 4,3% e, nos anos seguintes, 8,9%, 9,2%, 4,0% e 12,1%, em sequência.
Há mais exemplos. Um é JK, com o plano de metas, no período de 1956 a 1960, que fez o PIB expandir 47,5%, uma média de 8,1% ao ano. Outro é com Delfim Netto como ministro da Fazenda, que observou uma expansão de 85,7% em seis anos, uma média de 10,9% ao ano. Transformações súbitas trouxeram o Brasil do futuro para o presente. A China e a Índia são exemplos de como transformações são potentes.
O potencial do Brasil é fato. É rico por natureza, tem um território continental, capacidade empresarial, mão de obra, energia própria, mercado interno de 215 milhões de habitantes e oportunidades de investimento. Tem o que é necessário para uma transformação súbita.
O foco atual está no teto dos gastos. A razão de ser do teto e de outras restrições fiscais é evitar que a dívida pública entre numa trajetória mais ascendente ainda. Considerando a necessidade de mais gastos impostergáveis com as classes de renda mais baixas, é imperativo um ajuste de rota para evitar que a trajetória se torne insustentável e se transforme num processo perverso que se realimenta.
É possível reverter o quadro, criando um círculo virtuoso, com alguns ajustes que só dependem do Poder Executivo. Para superar o impasse, o novo governo tem de usar a estratégia que vale para qualquer dívida, seja ela pessoal, empresarial ou governamental. É resolvida vendendo ativos, reduzindo juros e aumentando a renda. Seguem seis propostas nesse sentido.
Uma venda de ativos desnecessários e rápida é a de parte das reservas internacionais. Estão exageradamente elevadas – até o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez estimativas que mostram que estão muito acima do nível necessário. São financiadas com dívida pública (correspondem a 21% da dívida bruta). Seu custo de carregamento, diferença entre as taxas de juros interna e a internacional, é de 10% ao ano, cerca de R$ 180 bilhões.
O custo de carregamento também pode ser reduzido permitindo contas em dólar aqui, no Brasil. Os titulares dessas contas teriam direitos sobre os dólares nas reservas do Banco Central do Brasil. Dessa forma, o Banco Central manteria as reservas, repassaria o custo de carregamento ao setor privado, atrairia divisas de brasileiros no exterior e permitiria um hedge natural para empresas no País.
A taxa de juros neutra no Brasil é a mais alta do mundo. O motivo é o entulho inflacionário que faz com que a taxa de juros neutra seja muito elevada. A solução é remover esse entulho – leia-se acabar com a moeda remunerada e múltiplos indexadores. É algo que tinha de ter sido resolvido há 28 anos, no lançamento do Plano Real.
Aumentar o denominador da relação crédito/PIB pode ser obtido tirando parte do peso das dívidas financeiras e fiscais do setor não financeiro. São mais destrutivas do que a dívida pública. São 6,3 milhões de empresas e 68,4 milhões de cidadãos negativados, batendo recordes de inadimplência mês após mês. A receita de juros bancários corresponde a 7,6% do PIB. Só renegociar não resolve. A questão é estrutural. A solução é acabar com a tributação do crédito e a falta de regras de precificação e modernizar a política bancária.
Devem ser acrescentados 26,8 milhões de processos de execução fiscal, que também emperram o crescimento. Há um extrativismo fiscal com multas exageradas e correção de dívidas pela Selic (é o único país do mundo que corrige dívidas pela taxa de juros). Uma revisão dos critérios pode fazer muita diferença.
Deveria aplicar-se a regra mesma renda, mesma tributação. Enquanto a alíquota máxima do trabalho é de 27,5%, a de aplicações em juros é de 22,5% e há casos em que é de 0,0%. Há mais distorções. A estrutura atual é iníqua, deve e pode ser corrigida, com ganhos para o Fisco e a justiça social.
Há mais a ser feito, em ordem alfabética: burocracia, competitividade, concessões, corrupção, custo Brasil, educação, estatais, estrutura fiscal, gratuidades, inclusão, infraestrutura, inserção externa, Judiciário, leis trabalhistas, orçamento, privatizações, privilégios, produtividade, saúde, segurança, transparência e tributação.
Todavia, o mais urgente é desarmar a bomba de tempo das trajetórias das dívidas privada e pública. Pode ser feito rapidamente, com as propostas mencionadas aqui e com resultados no curtíssimo prazo. Dessa forma, o Brasil poderá voltar a estar na rota de ser o país do futuro.
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É ECONOMISTA
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