Otto deverá ter um papel decisivo no equilíbrio das forças dentro da CPI, já que integra a chamada ala independente, cujos voto pesarão nos rumos dos trabalhos.
Por Estadão
Mais velho entre os integrantes da CPI da Covid, o senador Otto Alencar (PSD-BA) comandará a primeira sessão da comissão que vai sacramentar a escolha de Omar Aziz (PSD-AM) como presidente e Renan Calheiros (MDB-AL) como relator dos trabalhos.
Além de dar início ao que pode se transformar na maior investigação contra o governo de Jair Bolsonaro, Otto deverá ter um papel decisivo no equilíbrio das forças dentro da CPI, já que integra a chamada ala independente, cujos voto pesarão nos rumos dos trabalhos. Mesmo evitando fazer juízo prévio, o senador baiano não tem dúvida de apontar a gravidade dos erros cometidos pelo governo no combate à pandemia. Especialmente na indicação de medicamentos sem eficácia no tratamento da covid-19 e na demora para a compra de vacinas.
“Você sabe que todo o planejamento para comprar a vacina foi feito este ano. Devia ter sido feito no ano passado. Só quem planejou o ano passado foi o governador João Doria com a Sinovac”, diz Otto. “Tanto é que falharam todas as perspectivas feitas pelo governo de suprimento de vacina. Tudo o que foi planejado veio faltando 30, 40%. Tanto no mês de março, quanto no mês de abril. Foi tudo improvisado, tudo correndo. Tanto é que, de cada dez vacinas, 8,5 são da Coronavac. Se o Ministério da Saúde tivesse feito o que o Doria fez, já estávamos com vacina para ter imunizado 50% da população.”
Caberá ao senhor presidir a primeira sessão da CPI. O que o senhor espera dos trabalhos da comissão?
Eu acho que uma CPI como essa vai ser diferente de todas que já foram feitas. Porque vai funcionar no curso da doença, no curso da crise. Nunca é assim em CPI. CPI você sempre faz depois que os fatos acontecem. Essa não. Os fatos estão acontecendo e você vai ter de investigar.
E sob um clima emocional muito grande por causa do número de mortes…
Um clima emocional muito grande. E, além disso, vai ser uma CPI que deverá não ser só investigativa, mas também propositiva. Por exemplo, sei que o ministro novo da Saúde (Marcelo Queiroga) admitiu os protocolos que o mundo admitiu. Usar máscara, pedir para que se faça esse distanciamento físico das pessoas. Ele já admitiu isso. Ele admite a vacina. Ele chegou com os protocolos que o mundo adotou. Só quem ficou contra isso foi o presidente da República. E eu não sei por quê. Talvez por capricho. Certamente por conhecimento científico não foi, porque ele não é formado em medicina. A medicina não sabe como é a doença, imagina ele que nunca estudou? Eu não sei por que e baseado em que ele teve essa iniciativa a favor de hidroxicloroquina, anita, tratamento precoce, essas bobagens todas que aconteceram.
O senhor entende que a CPI deve começar ouvindo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga?
O ministro da Saúde precisa ir na CPI para dizer algumas coisas que estão acontecendo. O que está faltando, como é que ele recebeu a estrutura organizacional. Há uma série de cargos importantes lá, como secretário-executivo, diretor de compras de insumos e de imunizantes. Todos esses agentes de Estado que estavam por lá precisam ser ouvidos. E, certamente, isso vai merecer muito trabalho. E muita reunião justamente no curso de um momento muito difícil da vida nacional, de crise econômica grave e dos problemas todos que estamos vivendo. Com muitas pessoas comprometidas com subnutrição. Porque voltou a ter subnutrição. É uma CPI que não pode ser contaminada pela política.
O senhor acha que há esse risco?
Pode ser que queiram contaminar pela política por parte de algum setor do governo. Nós queremos fazer a CPI com isenção e total imparcialidade. Tanto que eu não faço juízo de valor e pré-julgamento de absolutamente ninguém. Eu quero ouvir. Especialmente os agentes de Estado que estão ou estavam à frente desse processo. Não é uma Comissão Parlamentar de Condenação. É de inquérito, de investigação.
Mas essa politização já não está sendo feita a partir do momento em que o governo se moveu para tentar barrar a CPI ou quando pediu para trocar seus integrantes, como parece que foi tentado até em relação ao senhor e ao senador Omar Aziz?
Eu não tive essa abordagem. De nenhum agente do governo. Tenho certeza que também o meu colega Omar Aziz não teve essa abordagem. A análise que faço é muito realista. Por exemplo, Renan e Omar têm apoio do líder do governo, que é Fernando Bezerra. Ele deu apoio a Omar e a Renan para presidir e relatar a CPI. Ele é o líder do governo no Senado Federal. Quem é o Renan no Senado? É o líder da maioria. Quais partidos formam a maioria? MDB e PP, que é da base governista. Você acha também que todos os senadores do MDB não foram ouvidos para a escolha do Renan? Ele teve unanimidade na escolha.
A CPI pode propor mudanças legislativas para tentar padronizar ações futuras de combate a pandemias como essa?
Nunca tivemos nenhuma crise sanitária dessa extensão, com exceção da Gripe Espanhola, que matou até um presidente eleito, Rodrigues Alves. Mas está muito distante isso. Foi cem anos atrás. Na minha opinião, precisamos estabelecer alguma legislação que, nesses casos, em que se decretasse calamidade pública, o Ministério da Saúde possa, talvez, funcionar sob um comando tripartite ou com a participação de Estados e representações dos Municípios e do Judiciário, do Ministério Público. Uma coisa dessa natureza. Para que não aconteça de um presidente da República sozinho tomar decisões equivocadas, como tomou o presidente. Ou de estimular aglomeração, não usar máscara. Achar que não precisava vacina.
O senhor acredita que o presidente errou no seu comportamento em relação à pandemia?
No fim do ano passado, ele chegou a dizer que o vírus estava indo embora. Como se o vírus fosse pegar um avião para sair do Brasil. É uma coisa sem precedentes. Olhe bem, a medicina não conhece ainda as manifestações clínicas da doença. Não conhece. Ela tem uma variação clínica de uma pessoa para outra muito grande. Você pega um paciente idoso, que fica assintomático e pega um jovem que, em cinco dias, tem uma pneumonia virótica, tem uma micro trombo-embolia e morre de insuficiência respiratória. Você vê o Major Olímpio (senador que morreu de covid no mês passado). Ele esteve comigo no dia 25 de fevereiro na Comissão de Assuntos Econômicos. Fiz uma sessão extraordinária para ele poder aprovar um projeto de interesse da capital do Estado de São Paulo. Quando ele saiu, me abraçou. Ele estava com duas máscaras. Eu tenho a foto e pus até no Instagram. Aí, ele foi embora. Quando chegou em São Paulo, no outro dia, ele já estava com a doença. Ele já saiu do Senado doente. E outra coisa. O senador mais forte do Senado era o Major Olímpio. Você pegava no braço do cara parecia que era uma perna. E era novo. Se a medicina não conhece, se os infectologistas não conhecem, sanitaristas, médicos, ninguém conhece direito as manifestações clínicas, as variantes de um paciente para outro… quem vai conhecer é o presidente da República? O presidente Bolsonaro que não tem formação médica? É o Pazuello, que é um general de Exército, que disse que não conhecia o SUS? Isso é de uma falta de compreensão e de responsabilidade muito grande.
O ex-ministro general Eduardo Pazuello cuidou da Saúde durante o maior período da pandemia. Que justificativas o senhor espera que ele dê para a própria atuação?
Não sei o que ele vai dizer. Quando ele esteve antes no Senado, não conseguiu responder às perguntas. Inclusive, o questionamento mais forte feito a ele no Senado foi do Major Olímpio. Foi o mais consistente. Ele perguntou: o senhor me disse em agosto que não ia comprar vacina porque não ia ter demanda. O senhor botou no site do Ministério da Saúde a hidroxicloroquina como droga de escolha para tratar a doença e depois tirou do site. O senhor ainda acha que a hidroxicloroquina é a medicação que cura a doença? Foi a pergunta do Major Olímpio.
O senhor pretende repetir essa pergunta ao ex-ministro na CPI?
Provavelmente.
O senhor entende que há elementos para a responsabilização do presidente Bolsonaro e ou do general Pazuello?
Eu não posso me manifestar para não acharem que estou fazendo pré-julgamento. Tenho de ser isento e imparcial.
Mas o senhor concorda que está claro que houve problemas no Ministério da Saúde?
A gente tem de ver os processos, as licitações. Por que deixou de comprar vacina, por que comprou atrasado. Essas coisas todas. A CPI não pode ter um alvo. O Ministério da Saúde tem uma estrutura organizacional muito grande. Esse pessoal todo tem de ser ouvido.
A decisão sobre as vacinas e a compra de medicamentos podem ser os principais pontos de investigação da CPI?
Acho que sim. A vacina é a arma para combater o vírus. Você sabe que todo o planejamento para comprar a vacina foi feito esse ano. Devia ter sido feito no ano passado. Só quem planejou no ano passado foi o governador João Doria com a Sinovac. Tanto é que falharam todas as perspectivas do governo de suprimento de vacina. Tudo o que foi planejado, veio faltando 30, 40%. Tanto no mês de março quanto no mês de abril. Foi tudo improvisado, tudo feito correndo. Tanto é que, de cada dez vacinas, 8,5 são da Coronavac. Se o Ministério da Saúde tivesse feito o que o Doria fez, já estávamos com vacina para ter imunizado 50% da população.
O senhor acha que essa foi a maior falha do governo nesse processo todo?
Sem dúvida nenhuma. A falta de planejamento estratégico para ter vacina suficiente para imunizar o povo brasileiro.