Novo governo dá sinais ruins quanto ao desequilíbrio fiscal que herdou
Estadão
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, agora Emenda Constitucional 126/22, provocou discussões frenéticas. O lamentável é que esses debates foram marcados por total desprezo à acurácia dos números fiscais, resultando em diagnósticos errados.
Alguns políticos e analistas, em geral guiados por ideologias, não por análises sérias, argumentam que o atual governo federal entregará as contas públicas em ordem, encerrando o corrente ano com um superávit primário de R$ 34 bilhões, o primeiro número positivo desde 2013. E o discurso segue sustentando que a PEC destruirá todo o trabalho realizado, acabando com o teto de gastos e levando a um déficit primário de R$ 231 bilhões, mais de 2,5% do PIB, em 2023. Na verdade, quando as receitas forem reestimadas corretamente, o déficit de 2023 deverá ser de R$ 120 bilhões (1,1% do PIB). Ainda assim, o ajuste fiscal necessário é enorme. Para estabilizar a relação dívida líquida/PIB, em meu cenário básico seriam precisos superávits primários anuais de 1,5% do PIB.
Já foi bem demonstrado que não se pode tomar a valor de face os resultados fiscais de 2022, em virtude da atipicidade de várias receitas e da compressão insustentável de despesas essenciais. Aqui limito-me a chamar a atenção apenas para dois dados.
Primeiro, se supormos que os pacotes de bondades de Bolsonaro, sejam na forma de desonerações fiscais ou de aumento de gastos, independentemente de seus méritos, concedidos ao longo de 2022, fossem anualizados, ou seja, tivessem vigorado desde o início do ano, veremos que o superávit de R$ 34 bilhões (0,4% do PIB) se converte em déficit de R$ 31 bilhões (-0,3% do PIB), uma piora de 0,7% do PIB, ou seja, R$ 65 bilhões, que poderá se refletir no Orçamento de 2023. A conta é simples: R$ 28 bilhões a menos de receitas do PIS/Cofins/Cide/IPI e R$ 37 bilhões a mais de despesas para o Auxílio Brasil, para as bolsas caminhoneiro e taxista e para complementação do vale-gás, estas três últimas se forem renovadas.
O segundo ponto refere-se à composição da receita bruta da União, em 2022. Se construirmos uma série excluindo as receitas provenientes do setor extrativo mineral (que são voláteis) e de concessões e permissões (que não são recorrentes), a receita remanescente, que possui caráter mais estrutural, seria de 19,7%, inferior à média de 20% do período 2015-2019. Esse exercício levanta sérias dúvidas quanto à sustentabilidade dos recentes aumentos da arrecadação.
Já o novo governo também dá sinais ruins quanto à sua disposição para resolver o desequilíbrio fiscal que herdou. As preocupações têm se concentrado em obter autorização legislativa para aumentar despesas, sem qualquer indicação de como pretende financiá-las. Até agora, nenhuma palavra sobre a reversão das renúncias eleitoreiras de receitas, que chegam a 1,7% do PIB, quando se levam em conta União, Estados e municípios.