Quem quer emperrar a reforma dos impostos?

Prefeitos, alguns governadores e muitas empresas querem manter situação atual ou privilégios

Coletiva de imprensa após reunião para discutir arcabouço fiscal e reforma tributária, na Residência Oficial do Senado . Na imagem, Fernando Haddad, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. – Gabriela Biló – 23.mai.2023/Folhapress

Folha de São Paulo 

A votação da reforma tributária encrencou nos últimos dias porque pelo menos dez governadores querem mudar a maneira pela qual será distribuída a receita do novo imposto estadual unificado sobre o consumo de quaisquer bens e serviços. Isto é, o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, que vai substituir ICMS e ISS.

Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) lideram a pressão. A dúvida é saber se o problema é mesmo esse, o método de repartição, ou se querem adiar ou derrubar a reforma. Caiado, aliás, não quer mudança estadual alguma.

Lobbies empresariais marcam parlamentares corpo a corpo e agradecem a oportunidade de ter mais tempo para cavar um favor ou até derrubar a reforma, como também o querem associações de prefeitos.

Nas audiências públicas sobre o assunto, no Congresso, montes de representantes empresariais disseram que eram “a favor da reforma”, desde que o caso deles fosse tratado de modo especial. Parecia piada.

Sim, setores que pagam menos vão pagar mais. Esse é um objetivo da reforma. De resto, dada a mixórdia que é o sistema tributário, é rara a empresa que sabe com precisão quanto está pagando (pois paga imposto embutido em insumos que consome, sem saber bem quanto e não tem crédito, compensação).

Por ora, está em jogo a aprovação dos princípios essenciais da reforma: um só modelo nacional de imposto sobre consumo, sobre valor agregado, não cumulativo, com alíquotas uniformes ou quase, com poucas exceções, fim de benefícios locais para setores econômicos (fim da guerra fiscal).

Ainda haverá definição grande e importante na lei complementar de 2024 que vai regulamentar a mudança, a começar pelo tamanho das alíquotas. Daí também o motivo de receios.

A arrecadação e a distribuição do IBS ficariam a cargo de um Conselho Federativo, constituído por estados, grande novidade na Constituição e na federação brasileira. A reforma tributária define regras que vão pautar os procedimentos do Conselho, de repartição de receita entre estados e municípios, e de transição para o sistema novo, que vai levar décadas.

São Paulo quer que cada estado continue a cuidar da arrecadação e, dadas as novas regras, repassem o que devem a outras unidades da federação. Isso complica o sistema, dificulta a compensação (créditos) de impostos para empresas e, no limite, pode resultar em calotes.

Mas certos estados temem levar um golpe também —ao menos é o que dizem dois secretários de Fazenda. Por quê? O Conselho vai regular assuntos infralegais, tomar decisões coletivas sobre querelas e poderá propor leis para tratar de tributação. Esses estados acham que podem ser criadas regras que os prejudiquem e que “tirem sua autonomia”. Mais não explicam.

Um objetivo central da reforma tributária é mesmo tirar a autonomia de estados e prefeituras de concederem favores a empresas, de financiar negócios via impostos e de criar regras confusas. Tudo isso cria ineficiências econômicas.

Uma decisão de investimento produtivo não é fundamentada no princípio do maior retorno se leva em conta o tamanho da isenção especial de imposto que vai ganhar ou se é baseada em tentativas de driblar as loucuras da lei a fim de pagar menos tributos.

O quanto possível, os impostos devem ser uniformes, não importa o setor, e não podem prejudicar o cálculo da decisão produtiva mais rentável, em termos econômicos.

A reforma é fundamental para o país. Um espanto, tem o apoio de tributaristas, empresários, economistas e ex-altos funcionários públicos, da esquerda à direita, a elite civilizada, que assinaram uma carta em defesa da mudança, uma conjunção rara de se ver. Quem não assina? Quem quer manter o seu caso especial e bolsonaristas.

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