Assolada por ‘merchans’ constantes, ‘Vale Tudo’ vira ‘Vende Tudo’

Ao contrário da novela das nove, ‘Guerreiros do Sol’ é um oásis sem publicidade no streaming

Reprodução/Globo
Malu Galli e Debora Bloch como Celina e Odete em cena de ‘Vale Tudo’ – Reprodução/Globo

Novela fechada e novela aberta viraram dois universos paralelos. De um lado, “Guerreiros do Sol”, gravada em 2023, ambientada nos anos 1930 e sem nenhum “merchan” para ofuscar o brilho da história. De outro, “Vale Tudo”, que virou “Vende Tudo”: 76 merchans em 80 capítulos, cenas puxadas como a da Coca-Cola no elevador da TCA e até a milionária Odete Roitman, que não precisa trabalhar de vendedora, empurrando sérum do Boticário pra cima do espectador.

Como diria o saudoso João Ubaldo Ribeiro, a novela fechada está para a donzela pura assim como a novela aberta está para a mulher da vida (ou o garoto de programa, para mantermos a paridade de gênero): dificilmente pode recusar cliente. A emissora não tem do que reclamar: segundo meu colega Gabriel Vaquer, a Globo já arrecadou R$ 200 milhões com os merchans de “Vale Tudo”, o que faz até esquecer a audiência insatisfatória da novela.

Os “merchans” parecem inofensivos, mas vão fazendo estragos nos personagens. Tia Celina teve o namoro arruinado por uma trama recente da irmã Odete –mas nada como um bom skincare em família para promover o perdão entre elas. Odete desprezou o produto tupiniquim do Boticário, mas no intervalo Debora Bloch apareceu pedindo para separarmos a atriz da personagem e recomendando o produto. Então tá.

O curioso é que, mesmo na seara das novelas abertas, que vão sendo escritas enquanto a obra está no ar, adaptando-se ao gosto do freguês (e agora também do patrocinador), é apenas a novela das nove que concentra as ações comerciais, de uma forma que anda quebrando a três por dois o pacto da ficção que o espectador precisa manter para se conectar à história. “Dona de Mim”, a novela das sete, que também se passa no Rio dos dias de hoje, não é infestada por “merchans” da mesma forma.

O horário das seis, curiosamente, emendou duas novelas de época, o que complica muito a venda de merchans –a não ser talvez para alguma marca muito antiga no Brasil, que poderia querer ressaltar como já era forte nos anos 40 de “Êta Mundo Melhor” ou nos anos 50 de “Garota do Momento”.

O mesmo ocorre com “Guerreiros do Sol”, ambientada nos anos 30, que dificilmente teria um “merchan” de sandálias de couro ou carne bovina há quase um século. Tanto a produção da novela como a exibição inviabilizam a ação comercial.

Gravada dois anos antes de ir ao ar, a novela foi lançada no Globoplay e não na TV aberta. A audiência do streaming ainda não é auferida por institutos independentes, e com certeza é de um volume menor que na TV aberta. Quem ganha é o espectador, que pode ver a história de amor de Rosa e Josué em paz.

É curioso notar que, para a Globo, “Vale Tudo” virou um produto que segue a mesma lógica do Big Brother Brasil, um programa que há anos patina na audiência, mas que faz tanto sucesso com as marcas que garante a eternidade do reality. Talvez esse seja mesmo o novo normal do que é considerado um sucesso na TV aberta.

Só me resta ficar feliz pelos atores de “Vale Tudo”, que devem estar embolsando grossas quantias para engordar o salário. Eles estão fazendo companhia a Fernanda Torres e Selton Mello, presenças constantes nos intervalos depois do sucesso de “Ainda Estou Aqui”. Como na carreira artística nunca se sabe o dia de amanhã, nunca é demais contar com esses pés-de-meia que caem do céu.

F5

Compartilhe esta notícia!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese