Criador da Tropicália, inovador, corajoso, baiano amadureceu sem perder o gosto pela luta
Por Estadão
Neste domingo, 7, Caetano Veloso completa 80 anos de idade – um dos seus grandes parceiros, Gilberto Gil, chegou à mesma marca, há pouco. Dono de uma trajetória de sucesso na música – ele também atuou no cinema e ganhou destaque na literatura com seu livro Verdade Tropical –, Caetano nunca se furtou a se posicionar sobre diversos assuntos e temas essenciais para a arte e política brasileiras.
Por isso, é natural que se possa traçar seu perfil por meio do que ele escreveu ou disse desde que despontou para o sucesso, na segunda metade dos anos 1960, quando sacudiu a música popular brasileira com a Tropicália. E, nesse caso, suas controvérsias e provocações deixam tudo ainda mais peculiar.
O Estadão reuniu 80 frases, de e sobre Caetano, retiradas de entrevistas, declarações e trechos de músicas que tentam definir a personalidade do artista:
“Tudo que tocava no rádio Caetano aprendia. Era uma coisa horrível”
Dona Canô, mãe de Caetano, em entrevista a Georges Gachot (2003)
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“Eu tinha certeza absoluta que Caetano seria um artista extraordinário. Desde pequeno ele dava sinais disso”
Maria Bethânia, no programa Sarau (2012)
“A arte é uma inutilidade. É uma compulsão por criar objetos inúteis”
Em entrevista do programa Sangue Latino (2018)
“Música é bom e eu gostaria de ter mais talento. Só para aumentar o prazer”
Em entrevista ao Estadão (2016)
“Vida que não é menos minha do que da canção”
Na letra de Minha Voz, Minha Vida (1982)
“Nós não teríamos feito o Tropicalismo no Rio de Janeiro”
Em entrevista a Marília Gabriela (1998)
“São Paulo é como o mundo todo”
Na letra de Vaca Profana (1984)
“O mundo, como experiência humana em coletividade, se tornou uma coisa cada vez mais dividida. As pessoas se especializam e ninguém entende de tudo, ninguém possui o mundo”
Em entrevista a Zuza Homem de Mello, em 1967
“A Tropicália foi simplesmente um esforço no sentido de defender o que era essencial na Bossa Nova”
Em entrevista a Ana de Oliveira, no site Tropicália (sem data)
“João Gilberto falou. E no meu coco ficou”
Na letra de Meu Coco (2021)
“E melhor que o silêncio só João”
Na letra de Pra Ninguém (1997)
“O senso de participação de Veloso torna Alegria, Alegria, de repente, numa canção de consciência de toda uma classe média urbana latino-americana”
Gilberto Gil, em entrevista ao Jornal da Tarde (1967)
“Caetano e Gil nos mostraram um lado mais abrangente, a América do Sul”
Arnaldo Baptista, ex- Mutantes, em entrevista a Ana de Oliveira, no site Tropicália (sem data)
“Caetano Veloso e Gilberto Gil, com Alegria, Alegria e Domingo no Parque, se propuseram, oswaldianamente, deglutir o que há de novo nesses movimentos de massa e de juventude”
Oswaldo de Campos, em texto no Estadão (1967)
“Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém”
Após ser vaiado no Festival Internacional da Canção em 1968
“Eu me dou bem com esse pessoal (jovem) também porque sou um adolescente crônico”
Em entrevista ao Estadão (1980)
“Eu tenho por ele (Caetano) uma admiração e um respeito que quase vocês têm, de um gênio. A pessoa mais importante de minha geração”
Elis Regina, no disco Elis, Miele & Bôscoli (1970)
“Eu amo Caetano Veloso e acho ele assim, uma coisa maravilhosa. Nota dez!”
Aracy de Almeida, no programa Quem tem medo da verdade (anos 1960).
“Eu sou um bom sujeito”
Em entrevista ao Pasquim (1971)
“Conviver com Caetano era assim de prazer e de pavor. Era bom, muito bom”
Tom Zé, no livro Tropicalista Lenta Luta (2003)
“Caetano como cantor seria gongado, pô!”
Agnaldo Timóteo, em entrevista ao Pasquim (1972)
“Eu sempre cantei muito bem dentro de casa. Eu cantava um pouco mal profissionalmente, no início da minha carreira. Mas hoje em dia eu canto bem em qualquer lugar”
No programa Vox Populi (1978)
“Quiçá um dia a fúria desse front. Virá lapidar o sonho até gerar o som. Como querer Caetanear o que há de bom”
Djavan, na letra de Sina (1982)
“De vez em quando até me esforço para falar mal de alguma coisa para poder agradar um pouco mais as pessoas”
Em entrevista a Paulo de Tarso (anos 1980)
“Satisfaço algumas pessoas, frusto outras, surpreendo algumas”
Em entrevista ao Estadão (1981)
“Parece que tudo aquilo que crio ou possa criar será imediatamente aceito pelas pessoas. Isso me deixa intranquilo”
Em entrevista ao Estadão (1982)
“Sobre a minha música, sobre minha poesia, por mais que eu fale delas, por mais que eu explique, não vou conseguir ir além da explicação que é o momento em que eu canto”
Em entrevista ao Estadão (1986)
“Em Caetano descobri uma inteligência invulgar, e falava suavemente coisas que, de imediato, eu não entendia, por serem demasiadamente originais e sofisticadas para meu universo de reflexões da época”
André Midani, no livro Música, Ídolos e Poder (2008)
“Caetano desconcerta a gente”
Chico Buarque no programa Vox Populi (1979)
“Fan-Club na mídia tem. Tem ficha na polícia, tem. Pecha de gênio. Dendê no milênio”
Rita Lee na música Homem Vinho (1997)
“Eu não sou um popstar verdadeiro nem um intelectual verdadeiro, por isso posso dizer que sou um popstar intelectual”.
Em entrevista à jornalista Violeta Weinschelbaum (1998)
“A minha música é a de quem ouve rádio, de quem gosta de música popular comercial. Eu faço canções e gosto disso”
Em entrevista ao Estadão (1984)
“Eu faço sonho e amor até mais tarde, e tenho muito sono de manhã”
Na letra de Samba e amor (1975)
“Caetano acaba sempre refletindo com profundidade – em sua música – sobre o seu tempo, seu país, as idiossincrasias de uma vasta camada atuante da população”
Zuza Homem de Mello no livro Música com Z (2014)
“Não compreendo como um jovem como Caetano Veloso se põe a estimular o povo brasileiro a tomar Coca-Cola nem momento em que 200 mil jovens americanos se dispõem às últimas consequências para protestar contra a guerra do Vietnã”
Geraldo Vandré, em 1967
“Gosto da superficialidade e sou profundo. Mas acho meio tedioso o compromisso com o profundo”
Em entrevista ao Estadão (1981)
“E quero me dedicar a criar confusões de prosódias. E uma profusão de paródias”
Na letra de Língua (1984)
“Jorge Mautner é meu mestre”
Em entrevista do Programa do Bial (2020)
“É maluquice um brasileiro dizer que o português é difícil se ele o fala desde os dois anos de idade”
No livro Verdade Tropical (2017)
“Cuspo chicletes do ódio no esgoto exposto do Leblon. Mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon. Eu sei o que é bom”
Na letra de Fora de Ordem (1993)
“Não faço o número do macho”
Em entrevista no Programa do Bial (2020)
“Hoje penso, com mais coragem, que o certo mesmo é dizer que não sou bi, nem hétero, nem homo”
No livro Verdade Tropical (2017)
“Deixa eu dançar, pro meu corpo ficar Odara”
Na letra de Odara (1977)
“O país faliu, mas a música continua. É chocante”
Na coletiva de lançamento do seu disco Uns (1984)
“Hoje me dói muito ver que algumas pessoas vão à rua pedindo a volta do AI-5”
Em audiência pública na Organização dos Estados Americanos (OEA). (2021)
“Eu sempre vi o Brasil como possibilidade de liderança de salvação do planeta Terra”
Em depoimento ao Mídia Ninja (2021)
“Subversivo e desvirilizante é uma combinação que tem a ver comigo. Eu sou essa pessoa”
No documentário Narciso em Férias (2020)
“Exalta os sistemas socialistas…não. Nunca exaltei! Nem quando tinha 15, nem 17, nem 23, nem 34 (anos). Nunca exaltei. Sempre odiei”
No documentário Narciso em Férias (2020)
“Hoje eu tendo a respeitá-los pelos menos (os Estados socialistas)”
No Programa do Bial (2020)
“E a revolução, que também tocou meu coração. Cuba seja aqui”
Na letra de Quero Ir à Cuba (1983)
“A luta pela superação da opressão de classe e da humilhação colonialista/imperialista nunca me abandonou”
No livro Verdade Tropical (2017)
“O governo que temos agora não tem paralelo com a ditadura, tem saudade dela, paixão pela deformação do poder público”
Em entrevista do portal Metrópoles (2022)
“Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica. Que sempre precisará de ridículos tiranos”
Na letra de Podres Poderes (1984)
“A criação artística não pode ficar a serviço de qualquer ideologia”
Em entrevista ao Programa Roda Viva (2021)
“Eu sou otimista por determinação. Eu decidi ser otimista”
Em entrevista ao Programa do Jô (2000)
“A tua presença é negra, é negra, é negra”
Na letra de A tua presença (1975)
“Sou pardo e não tardo a sentir-me crescer o pretume”
Na letra de Pardo (2019)
“Não vejo qual o problema de mulato (termo), meu pai era mulato, a pessoa que eu mais adorava e respeitava”
No programa Roda Viva (2021)
“Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”
Na letra de Gente (1977)
“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos. Surpreenderá a todos não por ser exótico. Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto. Quando terá sido o óbvio”
Na letra de Um Índio (1975)
“Nós queremos bacalhau. A gente quer sardinha. O homem do pau-brasil. O homem da Paulinha”
Adriana Calcanhoto na música Vamos Comer Caetano (1998)
“Sou triste, quase um bicho triste”
Na letra de Mãe (1978)
“Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada”
Na letra de Vaca Profana (1984)
“Quem é ateu e viu milagres como eu”
Na letra de Milagres do Povo (1985)
“Venho de uma família muito religiosa, mas sempre achei muita graça em humor blasfemo”
Em entrevista ao Estadão (2020)
“O carnaval é invenção do diabo que Deus abençoou”
Na letra de Deus e o diabo (1977)
“Gosto de televisão mais do que jornal. Gosto mais de revista do que de jornal. Mais de rádio do que de jornal. Mas jornal eu também acho legal, natural”
Em entrevista ao programa Vox Populi (1978)
“Não tenho medo do New York Times. Banana nenhuma. Não devo nada. Não pedi nada a você, canalha!”
Em entrevista do Jô Soares Onze e Meia, respondendo a um crítico do jornal (1993)
“Você é burro, cara”
Em entrevista ao programa Vox Populi (1978), em frase que virou meme décadas depois
“Me chamam de vampiro, urubu, mas não faço outra coisa senão ser honesto comigo mesmo”
Em entrevista ao Estadão (2005)
“Eu não gosto de briga”
Em entrevista do Programa do Bial (2020)
“Venho acompanhando os sinais do envelhecimento, não só os aparentes, mas os internos, com curiosidade, com apreensão, e, às vezes, com certa alegria”
Em vídeo no seu perfil no Instagram (2022).
“A experiência humana pode enfrentar muita coisa que parece inelutável e na hora H continua a ser apenas a experiência humana”
Em entrevista do Estadão (2021)
“O vovô tá nervoso, o vovô, nervoso, teimoso, manhoso”
Na letra de Não Vou Deixar (2021)
“Eu sou muito velho para estar tomado pelo mundo das redes sociais”
Em entrevista do Estadão (2021)
“Tempo, tempo, tempo, tempo, entro num acordo contigo”
Na letra de Oração ao Tempo (1979)
“O melhor o tempo esconde. Longe, muito longe. Mas bem dentro aqui”
Na letra de Trilhos Urbanos (1979)
“Eu sou apenas um velho baiano. Um fulano, um Caetano, um mano qualquer”
Na letra de Branquinha (1989)
“Você sabe que sou digressivo, falo demais”
No programa Nelson Motta Entrevista Caetano Veloso, da Amazon Music (2021)
“Ou não”
Caetano. Sempre!
Um raro ser politicamente atuante de sua geração
A chegada aos 80 anos costuma ser o último fechamento dos períodos produtivos de um ser humano. Oitenta anos ainda guardam energia, criatividade, memória. Noventa, talvez não. Gil chegou muito bem e produzindo como um garoto, topando um giro pelo mundo com a família para virar série da Amazon e todas as homenagens prestadas pelo Google, pelos biógrafos e pelos fãs. Gil, Ney Matogrosso, Roberto Carlos e Caetano, todos, cada um a sua maneira, estão muito bem.
Caetano repassou recentemente os capítulos de sua traumática prisão seguida de exílio em Londres no ano de 1971 em um documentário chamado Narciso em Férias, que teve estreia no Festival de Veneza de 2020. Mais recentemente, o poeta Eucanaã Ferraz organizou um livro com todas as canções escritas por ele. Uma forma de biografar não sua vida, já feita de forma quase definitiva pelo próprio em Verdade Tropical, mas o seu pensamento. Ler poema atrás de poema é como testemunhar as transformações de sua escrita. Assim como sua música, ela também passa por fases e marcas que vão se modificando com o tempo, mas que sempre serão identificadas como de Caetano.
O tempo passou e o próprio Caetano mudou. Ele parece falar menos, trazer mais serenidade quando fala e chegar bem menos aos picos emocionais que marcavam suas entrevistas até o início dos anos 2000. É um intolerável aos erros de português assim como não suporta chiliques higienistas da classe média alta desde muito tempo. Em 1973, encarou os estudantes playboys que resolveram vaiar Odair José no festival Phono 73, no Anhembi. Em 1999, foi a vez de encarar as pessoas que vaiaram João Gilberto na estreia da então casa de shows Credicard Hall.
O Brasil envelhece mal perto de Caetano. Sua mulher e empresária, Paula Lavigne, não o deixa de fora de questões com que, acredita, o marido deva estar envolvido. Sensível sobretudo aos destratos ambientais, aos desmandos policiais, às desavenças autoritárias e, nominalmente, a Jair Bolsonaro, Caetano rompeu com as próprias tradições e, depois de se aproximar de Ciro Gomes por um tempo, decidiu declarar seu voto em Lula para 2022. Ao contrário de Ney, Roberto, Gil e Milton, e ao lado de um Chico muito calado, tornou-se o único compositor de massas político e atuante de sua geração.