Morre Pedro Paulo Rangel, um dos rostos mais conhecidos da televisão brasileira

Ator com vasta experiência também no teatro, ele estava internado no Rio de Janeiro por complicações de um enfisema pulmonar

Ator Pedro Paulo Rangel  Foto: Tasso Marcelo/Estadão

Estadão

O ator Pedro Paulo Rangel morreu na madrugada desta quarta-feira, 21, às 5h40, aos 74 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava internado desde o dia 30 de outubro, na Clínica de Saúde São José, por complicações de um enfisema pulmonar. A informação foi confirmada pela hospital. Em maio, ele revelou que desde 2002 enfrentava uma doença pulmonar crônica, causada, segundo ele, por cigarro.

Dono de vasta carreira na TV e no teatro, ficou marcado por papéis como o otimista Poliana, amigo de Regina Duarte em Vale Tudo (1988), Calixto, conselheiro de Petruchio (Eduardo Moscovis) em O Cravo e a Rosa (2000) e Gigi, irmão da vilã Bia Falcão (Fernanda Montenegro) em Belíssima (2005), além das esquetes em que participou em clássicos do humor como TV Pirata (1989) e Viva o Gordo (1981).

Nos palcos, fez parte de uma histórica montagem de Roda Viva dirigida por Zé Celso Martinez, em 1968, e recebeu inúmeras indicações e venceu prêmios importantes como o Molière, Shell, Sharp e o Troféu Mambembe, por obras como A Aurora da Minha Vida (1982), Machado em Cena, um Sarau Carioca (1989), Sermão da Quarta-Feira de Cinzas (1994) e SoPPa de Letra (2004).

Pedro Paulo Rangel em 2000, em cena de ‘O Cravo e a Rosa’ Foto: Fernanda Fernandes/Estadão

Em 2006, sua carreira foi tema do livro Pedro Paulo Rangel: O Samba e o Fado, escrito por Tania Carvalho e lançado na Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial. A obra contava com longos depoimentos em primeira pessoa em que o ator discorria sobre seus trabalhos.

Destacava sua predileção pelos palcos, algo que o acompanhou a vida inteira: “Só no teatro você pode mostrar o que é realmente capaz de fazer, não tem truque, close no rosto, fazer mais uma vez. Não se repete até acertar”.

“Drama ou comédia? Em que gênero me sinto mais confortável? Não sei”. “Tenho uma dificuldade grande de chorar. Em cena e mesmo na vida”, dizia sobre o drama. Já sobre a comédia: “Meu Deus, como é difícil! Comédia é tempo, ritmo, matemática. Se você perde um milionésimo de segundo, a piada não funciona. Aquele riso certo, a piada exata, um dia para de funcionar e é dureza reconquistar o momento”.

O início da carreira

Nascido em 29 de junho de 1948, dia de São Pedro e São Paulo, só poderia ter esse nome. Quando criança, ouvia novelas, óperas e atrações musicais na rádio, mas não fazia ideia da existência dos palcos. Tudo mudou quando tinha 11 anos e conheceu Seu Zeli, um vizinho entusiasta do teatro amador. Passou a frequentar o Clube Minerva, mas não podia atuar pois, na época, as crianças eram feitas por mulheres.

Então, escreveu seu próprio espetáculo, Quando os Pais Entram de Férias. Na primeira apresentação, já foi um sucesso. Os atores mirins passaram a se fazer a peça também em outros clubes. Seus pais, funcionários públicos que almejavam uma vida estável ao filho, se preocupavam com o quanto ele gostava do mundo artístico.

Pouco depois, Zeli levou Pedro Paulo para substituir um ator que interpretava um príncipe na peça O Bruxo e a Rainha, da igreja Santa Terezinha. Foi no templo que conheceu Marco Nanini, ainda garoto. Os dois estudariam juntos tempos depois.

Na juventude, precisou servir ao exército, mas ficou três meses ‘quebrando pedra’ e o restante em uma função burocrática. O período também marcou um encontro inusitado: “Foi assim que sobrevivi ao exército. E também porque o meu sargento era o Martinho da Vila, que me deixava chegar mais tarde e me liberava mais cedo para eu ir para a escola“.

A arte como profissão

Pedro Paulo Rangel entrou na escola de teatro em 1966, se deparando com “pessoas tão esquisitas quanto” ele, com um trecho de O Mártir do Calvário na prova de interpretação. Sua estreia profissional foi em Roda Viva, de Chico Buarque, dirigida por Zé Celso Martinez, em 1968. Num momento de ditadura militar , a peça foi alvo do CCC (Comando de Caça ao Comunista), e diante da ameaça à integridade dos atores, acabou saindo de cartaz. Zé Celso levou os atores para Galileu Galilei, e Pedro Paulo Rangel foi junto, vivendo o Pequeno Monge, personagem que tinha apenas uma cena.

Pedro Paulo Rangel e Regina Casé, em 1990, no humorístico TV Pirata Foto: TV Globo

Em 1969, trabalhou pela primeira vez com Jô Soares, então diretor do espetáculo Romeu e Julieta. Tornou-se seu assistente de direção, e conviveu diuturnamente com ele por cerca de um ano. Antes do início da década de 1970, ainda teve tempo de estrear na televisão, como um garçom na novela Super Plá, da TV Tupi, em 1969. Na emissora, também esteve, como outro garçom, em Toninho On The Rocks (1971).

Nos anos seguintes, esteve em outros elencos de teatro como Tudo no Escuro, seu primeiro protagonista nos palco, O Beijo no Asfalto, Jorginho, o Machão, A Vida Escrachada de Joana Martini, Baby Stompanato e As Desgraças de uma Criança.

A estreia de Pedro Paulo Rangel na Globo

O ano de 1972 marcou sua carreira: esteve na peça Castro Alves Pede Passagem, dirigida por Gianfrancesco Guarnieri. “Pedro Paulo Rangel, como cantor jovem, chega a ser de uma naturalidade extrateatral, de tão espontâneo. Os curtos diálogos do ‘cantor jovem’ e Castro Alves são de uma naturalidade sem naturalismo e de teatralidade sem afetação”, dizia a crítica do Estadão à época. Visto pelo diretor Moacyr Deriquém, foi convidado trabalhar na Globo, emissora em que viveu os trabalhos pelos quais ficou mais conhecido ao longo da carreira.

Mas PP ainda não tinha noção disso: “Fazer televisão era absolutamente aviltante! Sentia-me totalmente vendido”. Após a porta de entrada por Bicho do Mato (1972), conseguiu algum destaque em Gabriela (1975), especialmente em uma cena de nu, quando seu personagem, Juca Viana, e Chiquinha (Cidinha Milan) eram flagrados na cama e jogados à rua sem roupas.

Na Globo, esteve ainda em A Patota (1976), Saramandaia (1977) e O Pulo do Gato (1978). Gravou alguns Telecursos na TV Cultura e a novela Dinheiro Vivo (1979), de Mario Prata, na TV Tupi. No começo dos anos 1980, mais um novo trabalho com Jô Soares, desta vez na televisão, fazendo parte do elenco do Viva o Gordo. Mas o prestígio dos palcos ainda lhe atraía mais que o das telas.

Pedro Paulo Rangel na peça ‘Soppa de Letra’, em 2005 Foto: Guga Melgar

Intervalo na TV

“Sei que é meio esquizofrênica a minha carreira: posso ser uma estrela no teatro e um coadjuvante na TV. A gente se acostuma com isso. Ou se rebela. Foi o que fiz quando saí da TV a primeira vez e passei oito anos fora. Trabalhava no Viva o Gordo, fazendo o ‘homem 3′, e já havia ganhado o meu primeiro Prêmio Molière no teatro. Como lidar com isso? Largando a televisão”.

Pedro Paulo Rangel, então, voltou a focar no teatro. O Bravo Soldado Schweik (1982), A Aurora da Minha Vida (1982), Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão (1985), El Grande de Coca-Cola (1987), Amor por Anexins (1987), O Amante Descartável (1987), Pluft, O Musical (1988).

Retorno à TV

Foi um convite do diretor Daniel Filho, da Globo, que o fez voltar à TV: trabalhar na minissérie O Primo Basílio, como Sebastião, amigo do protagonista, vivido por Tony Ramos. “Pela primeira vez na televisão soube o que era ensaio. Três meses antes de gravar ficávamos em um palco, com um cenário desmontável, ensaiando todas as cenas”, recordava.

Mais contente, pediu outra chance a Daniel, e acabou no elenco de outra novela histórica: Vale Tudo (1988). Interpretou Audálio, mais conhecido como Poliana, apelido que tinha por seu otimismo. Era amigo da protagonista Raquel (Regina Duarte), a quem conhecia logo em sua chegada ao Rio de Janeiro. Pouco depois, fez parte do elenco da TV Pirata, humorístico que marcou época.

Entre diversas minisséries, especiais e, é claro, os palcos do teatro, Pedro Paulo Rangel participou de diversas outras novelas nas décadas seguintes. Entre elas, Pedra Sobre Pedra (1992), em que viveu Adamastor, que cuidava do bordel-cassino clandestino por trás de um Grêmio Recreativo. Em uma época sem tantos personagens gays, Adamastor era apaixonado pelo amigo Carlão Batista (Paulo Betti), a quem servia como ‘testa de ferro’.

Em Pecado Capital (1998), viveu Seu Clóvis, torcedor do Botafogo e dono de bar, que dividia as cenas com Íris Bruzzi e Eri Johnson, sua esposa e filho na trama. Na novela de época O Cravo e a Rosa (2000), interpretou Calixto, uma espécie de pai para o protagonista Petruchio (Eduardo Moscovis). Vivia um simpático romance com Mimosa, personagem de Suely Franco, com quem acabava casado.

Em Belíssima (2005), interpretou Gigi, apelido de Argemiro, irmão da grande vilã Bia Falcão (Fernanda Montenegro) e grande amigo de seus sobrinhos-netos, Júlia (Gloria Pires) e Pedro (Henri Castelli). Também contracenava com frequência com a dupla formada por Íris Bruzzi e Carmen Verônica, Guida Guevara e Mary Montilla, duas ex-vedetes na trama. À época, algumas revistas de fofoca chegaram a publicar que Gigi seria revelado como grande vilão ao fim da novela, mas o protagonismo tardio não se concretizou.

Pedro Paulo Rangel no teatro

No teatro, esteve em espetáculos como O Circo da Solidão (1992), Detalhes Tão Pequenos de Nós Dois (1992), O Mercador de Veneza (1996), Anônima (1997), Pedro e o Lobo (1998), Arte (1998), O Círculo das Luzes (2002), A Aurora da Minha Vida (2004), Um Homem Célebre (2008) e A Eva Futura (2010).

Um de seus grandes desafios na carreira veio em Sermão da Quarta-Feira de Cinzas (1994), baseada na obra do padre Antônio Vieira, notório religioso do século 17. Rangel entrava em cena mal-humorado, num palco que simulava o último dia de carnaval, inclusive com confetes arremessados pelo público, e passava a maior parte do tempo em cena sozinho, com algumas interações com a atriz Kelzy Ecard.

Em entrevista ao Estadão em 1995, contava: “Sou fã desse lado polêmico e rebelde de Vieira. Ele dizia coisas lindas, que tocavam as pessoas. Falo diretamente com a plateia, tenho de fazê-la raciocinar comigo e isso é difícil. Este é um papel que me realiza completamente”.

Anos depois, em 1997, o diretor da peça, Moacir Chaves, contava ao Estadão: “Decidi que montaria o Sermão da Quarta-Feira de Cinzas desde que o ator Pedro Paulo Rangel aceitasse atuar. Isso porque sabia que só um ator extraordinário seria capaz de dizer o texto como eu o ouvia. Pepê topou imediatamente após o ler”.

Outra peça marcante foi Soppa de Letra (2005) – com “P” duplo, em alusão a seu nome -, que lhe veio à cabeça quando ouviu uma tradução simultânea de música em inglês na rádio. “Imediatamente, tive a ideia de utilizar letras de canções para contar uma história”, relatava ao Estadão. Durante cerca de cinco anos, foi atrás de patrocínios e, em parceria com Naum Alves de Souza, escolheu as letras finais que se encaixavam na peça, indo de clássicos de Adoniran Barbosa e Cartola até canções de artistas mais recentes, como Titãs ou MV Bill.

Entre seus trabalhos mais recentes, destaca-se O Ator e o Lobo (2019), com direção de Fernando Philbert e baseada nos textos de António Lobo Antunes, trouxe o ator em espetáculo solo, com projeções de fotografias sobre uma cortina ao fundo do palco, evocando um encontro com um velho amigo no hospital, a espera de uma mulher na chuva e um menino que foge de casa para não comer abóbora. Esta última situação assumidamente inspirada na vida de Pedro Paulo Rangel.

Cássio Scapin e Pedro Paulo Rangel em cena de ‘Histeria’, em 2016, como Salvador Dalí e Sigmund Freud Foto: Priscila Prade

“Meu pai só me bateu uma vez, quando fugi de casa aos sete anos. A empregada me obrigou a comer abóbora e achei que aquilo era o limite. Nada mais importaria depois daquilo. Coloquei na minha lancheira uma faca, uma laranja, uma banana e uma cueca, e fui embora”.

“Passei pela Rua das Marrecas e perguntei se podia ficar no hotel. O homem disse: ‘É claro que não’. Tentei entrar no cinema Plaza para ver um filme da Lucille Ball, mas também não deixaram. Fui até o aeroporto decidido a entrar em um avião, até que um piloto me perguntou onde estava indo: ‘Eu quero pegar um avião para ir para Maracangalha’. Ele me levou para casa e meu pai me bateu”, lembrava o ator.

Em 2022, o ator precisou interromper a temporada de O Ator e o Lobo por conta de uma internação em 30 de outubro.

Problemas na saúde

Em O Samba e o Fado, o ator relatava que teve problemas com álcool e cigarro ao longo de boa parte da vida. Chegou, inclusive, a usar substâncias mais pesadas, que não especificou: “Consegui sair das drogas de um dia para o outro. O medo da morte falou mais alto. Eu sabia que estava me destruindo. A droga só durou um ano em minha vida”.

O primeiro trago em um cigarro lhe marcou a memória. Foi da marca Capri, no Bar Berengo, que ficava na rua Haddock Lobo. Rangel tinha 16 anos de idade. Em 1998, sentiu que os mais de 60 cigarros que fumava diariamente estavam destruindo sua voz e seu fôlego, não só em cena, mas no dia a dia, e arremessou seus maços e o isqueiro pela janela de um taxi. No ano seguinte, parou com o álcool. “Comecei a beber socialmente, mas progressivamente a minha adicção tornou-me totalmente antissocial”, refletia.

Já com cerca de 50 anos de idade, parou com os vícios tarde demais. o início dos anos 2000, descobriu que tinha desenvolvido a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica). “Esse corre-corre todo de grava programa, filma, faz teatro, agravou, e muito, aspectos da minha doença. Não é culpa de ninguém, a não ser minha, exclusiva. Fui um fumante heavy durante mais de 30 anos. Cheguei a fumar três maços de cigarro por dia. Quando bebia, fumava mais”.

Em maio de 2022, Pedro Paulo Rangel falou sobre sua condição de saúde ao jornal O Globo: “Tenho uma doença crônica, DPOC causada pelo cigarro. Isso absolutamente não me impede de trabalhar. Eu tomo remédios, tenho uma rotina. Faço fisioterapia. Eu só não posso andar muitos metros, não consigo, me dá falta de ar. Mas no palco eu ando perfeitamente”.

O ator também revelava que não tinha mais interesse em fazer uma novela: “Não quero fazer. É muito longa. Já que não tenho mais contrato fixo, prefiro projetos menores. Novela é desgastante. Agora posso, graças a Deus, escolher o que fazer. Quero participações, séries. É melhor do que ficar nove meses ou até mais num mesmo trabalho. Quero ter menos tempo trabalhando e mais tempo para mim”.

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