Covid na China: funerárias lotadas e fila em crematórios marcam fim da política de covid-zero

Explosão de casos após reabertura no país leva a dúvidas sobre o número real de vítimas da pandemia

Médicos prescrevem remédios para pacientes em uma clínica em Pequim Foto: EFE/EPA/WU HAO

Estadão

O fim da política de zero tolerância com a covid na China levou a um aumento significativo das filas em hospitais e em funerárias. Com dados oficiais que não refletem a realidade, observadores internacionais realizam relatórios com base em relatos de parentes de vítimas, número de pacientes admitidos com sintoma de febre em unidades de saúde e demanda no serviço funerário.

Nos últimos dias, as casas funerárias em Pequim estiveram lotadas, com alguns funcionários relatando mortes relacionadas à covid como a causa, de acordo com relatórios do Financial Times e da Associated Press. Uma recepcionista de uma funerária no distrito de Shunyi, em Pequim, que falou sob condição de anonimato, disse ao The Washington Post que todos os oito cremadores estão operando 24 horas por dia, as caixas de congelamento de cadáveres estão cheias, e há uma lista de espera de cinco a seis dias.

Vários modelos do surto atual, que começou antes de uma flexibilização inesperada das restrições do coronavírus no início de dezembro, preveem que uma onda de infecções pode matar mais de 1 milhão de chineses, colocando a China em linha com o total de mortes por covid-19 nos Estados Unidos. Uma preocupação particular é a baixa taxa de vacinação entre as populações mais velhas, com apenas 42% das pessoas com 80 anos ou mais recebendo uma dose de reforço.

Depois que as autoridades pararam de relatar casos assintomáticos, o boca a boca se tornou a principal forma de rastrear o surto. As mídias sociais da China têm mostrado um fluxo constante de resultados de testes positivos, revertendo quase três anos da maioria das pessoas na China sem experiência com o vírus. Os hospitais lotaram constantemente, mesmo quando as autoridades anunciaram medidas para aumentar a capacidade de atendimento de emergência.

Funcionários que falaram sob a condição de anonimato por temer represálias afirmam que em diversas cidades o número de mortos disparou. Em Chongqing, cidade de 30 milhões de pessoas, o funcionário de um crematório afirmou que o número de corpos chegando ao local aumentou tanto que não havia mais espaço para guardar os cadáveres. Em Cantão, no sul da China, outro trabalhador afirmou que a média de corpos cremados por dia é superior a 30.

“É três ou quatro vezes mais que em anos anteriores, estamos cremando uns 40 cadáveres por dia, quando antes era apenas uma dezena”, disse um trabalhador da mesma região, mas de outro crematório, à agência France-Presse, acrescentando que era difícil dizer se o aumento de mortes era causado pela covid.

O Conselho de Estado emitiu no início de dezembro orientações atualizadas sobre a classificação e notificação de mortes relacionadas à covid. Os detalhes das regras não foram divulgados, mas a respeitada publicação chinesa Caixin informou no sábado que o novo procedimento exige uma decisão tomada em um hospital e em 24 horas. Mortes consideradas não causadas diretamente por covid não contam.

Também mudou o método para considerar um indivíduo com covid. Um paciente deve apresentar “hipoxemia grave ou um nível de saturação arterial de oxigênio abaixo de 93%”, o que sugere que o indivíduo estava quase sem oxigênio.

A atualização refletiu uma “grande mudança” na natureza das mortes por variantes recentes, disse Wang Guiqiang, consultor do governo e diretor do departamento de doenças infecciosas do Hospital da Universidade de Pequim. Wang disse que as variantes recentes raramente resultam em insuficiência respiratória. “As principais causas de morte após a infecção com a cepa ômicron são doenças subjacentes ou velhice”, disse ele durante uma coletiva de imprensa oficial na terça-feira.

Além do custo para as famílias, um aumento nas mortes evitáveis seria um embaraço para o Partido Comunista Chinês, que justificou os rígidos bloqueios do coronavírus citando o grande valor que a liderança atribui a salvar todas as vidas que pudesse. As autoridades rejeitaram as críticas à abordagem restritiva, destacando quantas pessoas morreram por causa do vírus na Europa e América do Norte.

Eles pararam de contar – muitos foram infectados e muitas pessoas morreram

Yang Linyi, morador de Chongqing

Em novembro, o governo ainda parecia determinado a usar medidas rígidas de contenção, apesar da ômicron mais transmissível tornar as medidas cada vez mais ineficazes. A raiva pelas intervenções aparentemente arbitrárias na vida cotidiana aumentou até que os protestos estouraram no final daquele mês, espalhando-se por todo o país para mais dezenas de cidades.

Mas poucos esperavam o cavalo-de-pau que fez as autoridades se moverem tão rapidamente na outra direção. Muitas famílias, temendo que hospitais e autoridades locais não estejam preparados, reagiram ao súbito alívio das restrições ao coronavírus ficando em casa e estocando remédios.

Para combater o desconforto, as mensagens de propaganda da China deram meia-volta. As advertências sobre os perigos da infecção foram substituídas por garantias de que a infecção não é grande coisa. Na terça-feira, 20, o jornal Diário do Povo, porta-voz do Partido Comunista Chinês, publicou um artigo com a manchete: “Testei positivo. E melhorei.” / AFP, AP e W.POST

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