Enxergamos os protestos em Cuba como algo nosso, afirma opositor venezuelano Leopoldo López

Para ele, que passou sete anos preso pelo regime de Maduro, a detenção do ex-deputado Freddy Guevara é uma reação de medo dos chavistas diante do que ocorre em Havana.

Líder opositor venezuelano Leopoldo López durante entrevista coletiva em Bogotá, na Colômbia – Luisa Gonzalez – 10.dez.20/Reuters

Por Folhapress

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – De Madri, onde está exilado, o líder opositor venezuelano Leopoldo López, 50, observa os desdobramentos dos protestos em Cuba, no último domingo (11), e de que maneira as manifestações impactarão seu país.

Para ele, que passou sete anos preso pelo regime de Maduro, a detenção do ex-deputado Freddy Guevara no dia seguinte aos atos na ilha é uma reação de medo dos chavistas diante do que ocorre em Havana.

López, responsável por comandar os protestos de 2014 na Venezuela e um dos arquitetos da estratégia de promover Juan Guaidó a líder da oposição, afirma que o governo tenta inventar justificativas para não participar das negociações do acordo de salvação nacional proposto por seu partido, o Vontade Popular.

À reportagem, por videoconferência, também diz não acreditar que as eleições regionais, em novembro, serão justas, apesar de o regime permitir que opositores integrem o CNE (Conselho Nacional Eleitoral).

PERGUNTA – O que há de comum entre os regimes cubano e venezuelano hoje?

LEOPOLDO LÓPEZ – Nos dois está em vigor um sistema de controle social, de destruição das oportunidades, de repressão e de violência. Por isso vemos um protesto em Cuba como algo nosso. Talvez seja difícil para países democráticos enxergar nessas manifestações um evento tão importante, mas são, pelo quanto cada cidadão arrisca ao sair às ruas num país onde não há Estado de Direito. Espero que as manifestações na ilha possam se sustentar ao longo do tempo.

Ao mesmo tempo, haverá muitas dificuldades —e para isso peço atenção internacional. Teremos relatos de detenções arbitrárias, tortura, difamação dos que defendem a democracia e até mortes. Esses atos, assim como os na Venezuela, são diferentes dos de Chile ou Colômbia, que são países democráticos. Nas ditaduras, uma pessoa arrisca a própria vida e a de sua família por se juntar a esses movimentos.

Quão conectadas estão as duas ditaduras?

LL – Quando a ditadura de Chávez começou a se radicalizar, e Chávez falava em almejar o “mar de felicidade” que era Cuba, achávamos que isso nunca ia se concretizar. Dizíamos que havia uma tradição democrática na Venezuela, uma sociedade civil, um empresariado, meios de comunicação que nunca iam se dobrar ao autoritarismo. E fomos vendo como essas fortalezas foram caindo uma a uma, até mesmo os nossos jovens, que sempre acreditamos que iam se rebelar, calaram-se depois da forte repressão de 2017 [quando houve eleição à Assembleia Constituinte].

E isso ocorreu justamente porque se aplicou o modelo cubano, que vai dinamitando as esperanças, o trabalho, a família e os amigos daqueles que se rebelam, até que se resignem ou saiam do país. Como aconteceu em massa nos dois casos. Hoje, na Venezuela, há um sistema de controle social muito eficiente, por meio dos “carnês da pátria”. Sem eles, uma pessoa não pode comprar comida ou remédios.

Por isso, muita gente se inscreve e ganha um código QR. Por meio dele controlam suas compras, seus movimentos pelo país. Agora temos uma situação pior que a de Cuba, que não imaginávamos porque nosso país era mais rico e mais democrático. Hoje se cozinha a lenha, e a escassez é enorme.

O senhor esteve preso na penitenciária de Ramo Verde, em Caracas, por sete anos. Sentia aí a atuação cubana?

LL – No princípio, não muito. Sempre tive boa relação com os guardas e os policiais que faziam o controle do meu cotidiano, tanto em Ramo Verde como depois, na prisão domiciliar em Caracas. Mas vi como a influência de Cuba foi se tornando mais presente. Fui preso em 2014. Havia quatro carcereiros apenas para ficar de olho em mim. Cultivamos uma boa relação, ríamos de algumas coisas, conversávamos muito. Em 2015 fiz uma greve de fome junto a outros opositores do lado de fora, devido às eleições legislativas daquele ano. Depois disso, vi que eles mudaram totalmente de comportamento.

Não conversavam comigo diretamente, gravavam qualquer diálogo, tinham uma postura séria e carrancuda. Depois de um tempo, perguntei a um deles, o mais próximo, o que havia ocorrido. E me disse que tinham passado por um treinamento com cubanos sobre como tratar um preso político e que foram obrigados a cumprir isso. Agora, aplique isso a todos os presos políticos. Imagino o que está ocorrendo com Freddy Guevara neste momento. É o mesmo. O mesmo modelo.

Existem críticas na própria oposição pelo fato de vocês, do Vontade Popular, ainda não terem conseguido derrubar o regime. A que atribui isso?

LL – Não conseguimos nosso objetivo até hoje. Isso é fato. Cometemos erros, mas é preciso dizer que não foi porque somos fracos, mas porque houve uma repressão violenta que impediu que seguíssemos atuando e que as pessoas continuassem nas ruas. Não desistimos e não desistiremos. Não é fácil lutar contra uma ditadura nessa situação econômica e numa pandemia.

Tivemos, entre apoiadores e militantes, mais de 500 detidos desde 2019. Temos mais de cem presos políticos atualmente que pertencem ao Vontade Popular. Desses, cinco são de muita relevância, como Freddy Guevara, de quem ainda não tivemos sequer uma prova de vida, não sabemos onde está. Temos de lidar com as famílias e com o peso psicológico de tudo que fazem conosco.

Ainda assim, lideramos os protestos em 2014, quando fui preso, e em 2017, quando impuseram por meio de uma eleição fraudulenta a Assembleia Constituinte. E em 2015 estivemos entre as forças políticas que mais lutaram pela eleição legislativa na qual a oposição saiu vencedora. Além de, desde 2019, termos mantido o projeto de sucessão constitucional na figura do presidente encarregado Juan Guaidó.

Têm ocorrido episódios de violência na fronteira com a Colômbia e na região oeste de Caracas, em confrontos de gangues com forças de segurança. O que está acontecendo?

LL – Maduro vem sendo derrotado nos mesmos territórios em que, antes, tinha decidido implementar “zonas de paz”. Ou seja, onde financiou grupos para manter o controle do território. Isso vale para a região fronteiriça, com apoio a grupos criminosos venezuelanos e colombianos, e nos subúrbios “vermelhos” de Caracas, onde instalou os coletivos [forças paramilitares]. Hoje, a crise econômica atinge todos, e por isso esses mesmos grupos se voltaram contra o regime. Maduro tentou intervir com força para recuperar esses territórios, na fronteira e em Caracas, e está perdendo essa guerra, está fomentando ainda mais a violência.

O caso da [gangue] Cota 905, em Caracas, é o exemplo de uma força antes controlada pelo chavismo que saiu do controle completamente e hoje enfrenta o regime. Não por uma questão política propriamente, mas por uma disputa de território, criminosa mesmo.

Nesta semana, Jorge Rodríguez, líder chavista da Assembleia Nacional, disse que a suposta tentativa de magnicídio contra Maduro e o assassinato de Jovenel Moïse tinham relação. Também apontou, sem apresentar evidências, que os que mataram o presidente do Haiti tinham vínculos com a oposição venezuelana. É uma desculpa para não integrarem futuras negociações com os opositores?

LL – Se a ditadura se retira das negociações, será uma decisão da ditadura, não nossa. O processo que está planejado inclui os EUA e a Europa, no plano internacional, e a oposição venezuelana, liderada por Juan Guaidó, internamente. A ditadura busca nos dividir, e essa teoria é mais uma das desculpas que o regime inventa para justificar uma saída da mesa de diálogo. Quero ser muito claro e enfático: não temos nada a ver com essas agendas violentas nem com nenhum desses episódios. Estamos comprometidos com o plano de sair da ditadura, independentemente do tempo que isso necessite.

Maduro tenta reviver a Mesa de Unidade Democrática [aliança de partidos opositores criada em 2008], mas com uma oposição alinhada. Como vê isso?

LL – Este grupo de ditos opositores, que se sentem cômodos como uma oposição de fantoche, são personagens lamentáveis, e esperamos que os venezuelanos não acreditem neles. Estão dispostos a fazer um teatro para que Maduro diga que há oposição na Venezuela.

O senhor confia que as próximas eleições, em novembro, serão democráticas? O CNE agora tem membros ditos opositores.

LL – Não adianta ter não chavistas no conselho enquanto todo o resto, abaixo dele, é chavista. Não tenho por que acreditar que teremos eleições regionais justas sem uma auditoria devida do sistema de votação, sem observadores internacionais, sem a participação de partidos e líderes políticos que estão banidos. Esses conselheiros ditos de oposição afirmam que conseguirão derrubar esses banimentos, mas isso dependerá de negociações com Maduro. Não seremos coniventes com isso.

Como é sua vida em Madri?

LL – Não quero ficar fora da Venezuela. Tive de sair pelas circunstâncias políticas. Por outro lado, aqui na Espanha, consigo ficar com meus filhos e minha mulher, de quem tive de ficar afastado por sete anos. Estou dividido. Parte de mim está na Venezuela o dia inteiro, trabalhando, em campanha, em reuniões. Por outro lado, é bom saber que minha família está em segurança.

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