Explosões deixam ao menos 70 mortos no aeroporto de Cabul em meio à retirada do Afeganistão

Países suspeitam de ação do Estado Islâmico; há pelo menos 60 afegãos e 10 militares americanos entre as vítimas

Homem ferido por explosão no aeroporto de Cabul chega a hospital na capital afegã. The New York Times/Victor J. Blue

Por Folhapress

Igor Gielow

SÃO PAULO

Duas explosões atingiram os arredores do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, onde afegãos e ocidentais se concentram para tentar uma vaga na evacuação liderada pelos EUA do país sob o Talibã.

Segundo informações do jornal The Wall Street Journal, entre as vítimas do ataque estão ao menos 60 afegãos; a agência de notícias Reuters também cita 10 militares americanos mortos —o Pentágono já havia confirmado baixas.

Inicialmente, porta-vozes do grupo radical disseram que o aparente ataque suicida havia deixado entre 13 e 20 mortos, incluindo crianças, mas autoridades dos Estados Unidos diziam que o número podia ser ainda maior.

Os ataques na manhã desta quinta-feira (26, no horário de Brasília) ocorrem após a Casa Branca e seus aliados alertarem sobre riscos iminentes de atos terroristas da filial afegã do Estado Islâmico, adversária do Talibã, o que impactou o processo de retirada do país.

Autoridades americanas disseram à agência de notícias Associated Press acreditar que o grupo terrorista seja responsável pelo que foi descrito pelo Pentágono como “ataque complexo”.

Foram duas explosões: uma na principal entrada do aeroporto, o Abbey Gate, e outra próxima ao hotel Baron, nas imediações do terminal aéreo, ainda de acordo com o Pentágono. O governo americano afirmou que podem ocorrer novos ataques na região.

Ao menos 60 pessoas feridas foram atendidas em um hospital de Cabul. Civis afegãos, soldados talibãs e cinco militares americanos estão entre os atingidos —um dos soldados dos EUA ficou gravemente ferido, segundo autoridades do país. A embaixada do país em Cabul relatou ainda disparos com armas de fogo.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, condenou o que chamou de “ataque terrorista, que matou e feriu civis”.

A percepção de que o Ocidente está correndo para minimizar seu fiasco no Afeganistão, evidenciada na decisão de alguns países de suspender seus voos de evacuação nesta quinta, gerou uma renovada corrida de pessoas desesperadas às imediações do aeroporto da capital.

De acordo com o relato de diplomatas ocidentais que ainda permanecem na cidade a agências de notícias, o fluxo que havia sido contido por bloqueios do Talibã aumentou muito. O prazo limite para a ação com presença militar estrangeira é a próxima terça (31). As explosões não mudaram os planos do governo Joe Biden, segundo uma fonte ouvida pela agência Reuters.

Americanos e ocidentais diziam haver ameaça terrorista associada ao Estado Islâmico Khorasan, a filial afegã do famoso grupo extremista que chegou a dominar vastas áreas na Síria e no Iraque em meados da década passada. “Não posso ser mais enfático sobre o desespero da situação. A ameaça é real, iminente, letal”, afirmou o ministro das Forças Armadas britânico, James Heappey, corroborando o relato feito na noite de quarta pelo secretário de Estado americano, Antony Blinken, responsável pela diplomacia do país.

A Austrália fez um alerta de segurança semelhante, suspendendo operações.

As explosões acabam coroando o fiasco ocidental em sua retirada afegã. Ele começou com a decisão do presidente Joe Biden de antecipar a saída de suas tropas de forma acelerada. Quando o Talibã iniciou sua ofensiva final, no começo de agosto, 95% dos militares ocidentais já haviam saído do país ocupado desde 2001 —data em que o grupo fundamentalista foi derrubado por apoiar a Al Qaeda, que cometera o 11 de Setembro.

Primeiro, os EUA não anteciparam o colapso do governo afegão em duas semanas, com a vitória talibã de 15 de agosto. Depois, fracassaram em organizar uma saída ordeira do país, gerando cenas como a de pessoas caindo de aviões decolando. Essa debacle foi acompanhada por uma mudança de tom de Biden. Primeiro, o americano pintou um cenário racional e róseo. Depois, lavou as mãos. Ao fim, voltou a se preocupar, enfatizando que “muita coisa podia dar errado”. Já deu.

Na tarde desta quinta, um dos porta-vozes do Talibã publicou comunicado no Twitter em que diz que “condena veementemente” o atentado, “ocorrido em uma área onde as forças dos EUA são responsáveis pela segurança”. O grupo disse ainda que “presta muita atenção à segurança e proteção de seu povo”.

Segundo a Reuters, outro membro da facção deu entrevista a uma rede de TV da Turquia dizendo que a culpa pelos ataques é da presença de forças ocidentais no país.

A autoria presumida do EI carrega nuances. Se por um lado ela ajuda o discurso do Talibã, de que não permitiria a operação de evacuação passar da data limite, por outro vai contra tudo o que o grupo tem pregado para tentar obter reconhecimento internacional.

Que os talibãs mintam, isso é de sua história: chegaram ao poder pela primeira vez em 1996 prometendo as mesmas estabilidade e garantias a adversários, mulheres e minorias. Deixaram-no com a fama de açougueiros medievais.

Mas o EI afegão é adversário do Talibã. Guardas talibãs, por sua vez afiliados à rede terrorista aliada Haqqani, disseram a repórteres da agência Reuters que também temiam um ataque em Cabul. Até aqui o EI nunca se mostrou como um adversário consistente do grupo.

Ele pode, claro, virar uma força assimétrica desestabilizadora, mas analistas de terrorismo costumam avaliar mais a possibilidade de eles virem a se associar ao Talibã do que combatê-lo.

Uma alternativa crível é de que o grupo esteja usando o espantalho EI para afugentar de vez os ocidentais, como prepostos para garantir negativas plausíveis de radicalismo.

Seja como for, o perigo ajuda a justificar a decisão de Biden de não encarar o Talibã e estender o prazo da operação, como queriam Reino Unido, Alemanha e França.

Nesta quinta, o esforço de países do norte europeu comandado por uma ponte aérea da Bélgica já havia sido suspenso, provavelmente de forma definitiva.

Cargueiros C-130 Hércules belgas faziam em média cinco voos de ida e volta a Islamabad, no Paquistão. Em seis dias, tiraram 1.400 pessoas de Cabul, em nome da Bélgica, da Holanda e da Dinamarca.

Ao todo, a operação militar já tirou desde 14 de agosto impressionantes 95,7 mil pessoas da cidade, segundo informou a Casa Branca nesta quinta. A cifra dá pouco mais de 2% da população da capital.

Na quarta, Blinken havia dito que o Talibã se comprometera a permitir que pessoas que desejem deixar o país em voos comerciais, ocidentais ou afegãos, o façam depois do dia 31.

Parece duvidoso, dadas as declarações anteriores de Zabihullah Mujahid. O porta-voz afegão havia dito para os EUA pararem de incentivar o êxodo de afegãos qualificados, pois o novo governo precisaria deles.

Além disso, continuam os relatos de violência de talibãs contra pessoas que tentam ir ao aeroporto, fora as buscas casa a casa de antigos colaboradores ocidentais. Não existe, obviamente, algum número, mas é factível que centenas de intérpretes e auxiliares tenham ficado para trás —só os EUA contavam 18 mil pessoas que haviam trabalhado ao longo dos anos na embaixada de Cabul.

Com a corrida final para fugir da capital, os EUA começaram a retirar inclusive os seus 6.000 militares enviados para a operação no aeroporto. Com isso, aliados como a França, a Holanda e o Canadá disseram que sua evacuação acaba até esta sexta (27).

Após as explosões desta quinta, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que o país ainda vai retirar “mais centenas” de pessoas do país.

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