Fim de moratória para despejos ameaça deixar 7 milhões sem casa nos EUA

A medida havia sido imposta em setembro pelo CDC.

Manifestantes fazem ato contra despejos em frente uma corte em Los Angeles, nos EUA – Lucy Nicholson/Reuters

Por Folhapress

Milhões nos Estados Unidos temem o dia em que, ao virar a página do calendário, vão se deparar com a data de 31 de julho.

Nesse dia, termina a medida que paralisava os despejos no país. Os proprietários poderão expulsar os inquilinos que estão com o aluguel atrasado.

A medida havia sido imposta em setembro pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), criminalizando os despejos durante a pandemia da Covid-19.

Era uma maneira de proteger aqueles que tinham perdido o emprego. Evitava também que, despejadas, as pessoas tivessem de se aglomerar na casa de familiares ou em abrigos. Isso justamente quando estar aglomerado aumentava a chance de pegar o vírus letal.

A sensação de que a pandemia está acabando–um equívoco, dizem os cientistas–tem feito com que o país volte à rotina anterior à pandemia. Isso significa, também, acabar com tais proteções.

O problema é que 7,4 milhões de pessoas, em 2,8 milhões de lares, estão com o aluguel atrasado. Segundo um levantamento oficial, 3,2 milhões acreditam correr risco de despejo nos próximos dois meses.

O risco não é distribuído igualmente entre a população, diz Shamus Roller. Ele é diretor-executivo do National Housing Law Project, que dá apoio legal a inquilinos.

“Não é surpresa para ninguém que imigrantes, negros, latinos e trabalhadores do setor de serviços serão os mais afetados pelos despejos”, afirma. São as populações mais vulneráveis nos Estados Unidos, e também as mais afetadas economicamente pela pandemia da Covid-19 — aquelas com mais dificuldades de pagar o aluguel, em outras palavras.

Alguns estados também vão ser mais afetados do que outros, Roller diz. Apesar de a norma do CDC valer para o país inteiro, alguns estados a desrespeitaram e permitiram despejos durante a pandemia–caso do Tennessee e do Texas. Em outros estados, as autoridades criaram medidas adicionais que devem seguir em vigor, protegendo inquilinos para além de julho–caso da Califórnia.

Um dos estados que devem sofrer um baque maior é a Flórida, que em alguma medida respeitou a ordem do CDC. A chegada de 31 de julho deve impactar uma população que estava até então protegida.

Despejos vão ser especialmente desastrosos para quem mora em cidades como Miami. Segundo a revista britânica The Economist, o aluguel ficou até 24% mais caro por ali, em comparação com o ano anterior, já que muita gente está voltando a trabalhar presencialmente.

O governo federal está ciente do risco. O Congresso destinou US$ 46 bilhões para fundos de assistência ao pagamento de aluguel. Os entraves burocráticos, porém, estão atrapalhando a distribuição desse dinheiro.

Segundo o Tesouro, menos de 7% do montante foi entregue. Em casos como o da Califórnia, os inquilinos estão levando até três horas para preencher a papelada.

É onde entra o trabalho de organizações como a Casa Chirilagua, que atende a população carente em um bairro de Alexandria. A cidade fica próxima da capital, Washington.

Funcionários têm ajudado os moradores a preencher formulários para pedir o auxílio financeiro do governo. A ajuda é especialmente bem-vinda para quem tem dificuldade de ler os documentos em inglês ou usar o computador.

“Muitos dos donos de imóveis com que interagimos já começaram a dar entrada nas ordens de despejo”, diz Liz Wang, diretora comunitária da Casa Chirilagua.

Metade das famílias atendidas pela organização não recuperaram os empregos perdidos durante a pandemia da Covid-19 e, por isso, não têm como pagar o que devem. Os proprietários podem dar a entrada nos pedidos de despejo antes do dia 31, mas a expulsão do inquilino em si só acontece a partir de agosto, segundo a norma do CDC.

As consequências de um despejo vão além da perda imediata do lar e da maior exposição ao vírus. A expulsão fica registrada e o inquilino tem dificuldades, no futuro, de conseguir um novo lar para alugar.

A crise residencial não tem a ver somente com a pandemia. Segundo o governo, mais de 580 mil pessoas moram nas ruas. Roller, do National Housing Law Project, explica que o país deixou de investir em moradias populares nos anos 1980. Ele elogia o governo de Joe Biden por voltar a investir na área. “Só que levará anos para desfazer quatro décadas de dano.”

Falta, ainda, repensar as leis de despejo no país, Roller diz. A legislação privilegia proprietários e deixa inquilinos vulneráveis, na avaliação dele.

Um exemplo disso é a facilidade e a rapidez com que os donos de um apartamento ou casa conseguem expulsar um morador. “Permitimos o despejo de pessoas que devem poucas centenas de dólares, deixando que famílias entrem em uma espiral de instabilidade da qual não conseguem sair.”

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