A presidente da Câmara de Deputados dos EUA afirmou que vai participar de reuniões na Malásia, Coreia do Sul e Japão, mas não seria incomum omitir Taiwan por questões de segurança
Por Estadão
A presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, iniciou um tenso giro pela Ásia no domingo, que autoridades do governo passaram a afirmar que incluirá uma parada em Taiwan, apesar dos alertas cada vez mais ácidos da China, nos dias recentes, de que uma visita à ilha de governo autônomo provocaria uma resposta chinesa — possivelmente militar.
Pelosi tinha a chegada em Cingapura prevista para esta segunda-feira, 1º, depois de uma escala durante o fim de semana no Havaí para se consultar com os comandantes militares americanos responsáveis pelo Indo-Pacífico. Ela afirmou em um comunicado que planejava viajar com uma delegação do Congresso, para participar de reuniões de alto nível na Malásia, na Coreia do Sul e no Japão, sem mencionar Taiwan.
Mas não seria incomum omitir Taiwan de um anúncio desse tipo, dadas as preocupações com a segurança, e os assessores do presidente Joe Biden afirmaram esperar que ela proceda com o plano da visita de mais alto nível de uma autoridade americana à ilha em 25 anos. Pelosi ainda poderia mudar de ideia a respeito de viajar para Taiwan, afirmaram autoridades do governo, acrescentando, porém, que seria improvável ela evitar a ilha.
Os assessores de Biden afirmaram que o presidente decidiu não pedir diretamente a Pelosi que cancelasse sua viagem, em grande parte por causa do respeito que ele tem pela independência do Congresso, forjada durante seus 36 anos no Senado. Biden também está claramente relutante em recuar diante das ameaças da China, incluindo o alerta de Pequim de que os EUA estão “brincando com fogo”, que se seguiu à conversa de quase duas horas e meia de Biden com o presidente chinês, Xi Jinping, na quinta-feira.
O centro do governo americano, afirmaram algumas autoridades, concluiu após o telefonema que os potenciais riscos domésticos e geoestratégicos de tentar impedir a visita — incluindo permitir que a China dite quais autoridades dos EUA podem visitar uma democracia autogovernada de 23 milhões de habitantes reivindicada por Pequim como parte de seu território — eram maiores do que permitir que Pelosi fosse adiante.
Mas as autoridades americanas afirmaram ter coletado algumas informações de inteligência a respeito das prováveis respostas da China que não estavam prontas para revelar publicamente — e reconheceram que não sabiam até que medida as autoridades chinesas estariam dispostas a arriscar um confronto.
Privadamente, autoridades americanas insistiram ao governo chinês que minimize a visita, notando que Newt Gingrich visitou Taiwan em 1997, quando era presidente da Câmara, e que delegações do Congresso visitam regularmente a ilha para expressar o apoio americano à sua defesa. Mas o ambiente estratégico em torno da visita de Gingrich era completamente diferente e, em anos recentes, Xi tem deixado claro que considera a reunificação com Taiwan uma prioridade.
Autoridades americanas monitoraram atentamente as preparações do governo chinês ao longo do fim de semana tentando discernir as intenções de Pequim. O sinal mais claro que os americanos encontraram envolveu o Estreito de Taiwan, onde provocações, testes e sinais têm ocorrido semanalmente.
As Forças Armadas chinesas anunciaram no sábado, menos antecipadamente do que o normal, que conduziriam exercícios usando munição real nas águas da Província de Fujian, no sudeste chinês, a cerca de 130 quilômetros de Taiwan.
No domingo, um porta-voz da Força Aérea chinesa afirmou, sem especificar datas, que os caças de combate do país voariam em torno de Taiwan para demonstrar sua capacidade de defender seu território. A declaração levantou a possibilidade de o exercício ser programado para coincidir com a passagem do avião da Força Aérea dos EUA que Pelosi e sua delegação estão utilizando.
O giro de Pelosi é parte de uma série de esforços para tranquilizar a região, demonstrando que os EUA ainda estão comprometidos com seu “pivô” no Indo-Pacífico mesmo enquanto despejam bilhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia, para reforçar a resistência do país contra a invasão russa.
Autoridades americanas duvidam que as Forças Armadas chinesas interferirão na capacidade de Pelosi aterrissar em segurança em Taiwan, apostando que Pequim não quer um confronto direto com os EUA. Mas os americanos afirmam ser possível que a China planeje “escoltar” o avião de Pelosi, como uma demonstração de controle sobre as rotas aéreas na região.
Isso levanta a possibilidade, temem as autoridades americanas, de um acidente — parecido com o que aconteceu duas décadas atrás, quando um avião da Força Aérea chinesa colidiu com um avião-espião dos EUA, derrubando-o, o que ocasionou uma crise no início do primeiro mandato de George W. Bush.
As autoridades americanas afirmam que não possuem nenhuma informação de inteligência a respeito do que o governo chinês possa estar planejando. Mas esperam que a reação mais enérgica poderá ocorrer depois que Pelosi deixe a região — que poderia incluir manobras militares no Estreito de Taiwan, ciberataques ou cortes de comunicação que demonstrariam a capacidade de Pequim de sufocar Taiwan, que é também a maior fornecedora mundial — incluindo para a China — dos mais avançados semicondutores produzidos atualmente.
Nas semanas recenes, autoridades de inteligência dos EUA alertaram que a China pode estar se preparando para agir contra a ilha proximamente. Analistas de inteligência concluíram que a China pode temer que o comprometimento americano em ajudar Taiwan a se tornar um “porco espinho” — armada com o tipo de armamento fornecido para a Ucrânia repelir os russos — pode fazer Xi e seus militares pensarem que precisam se mobilizar dentro dos próximos 18 meses se não quiserem perder sua vantagem militar. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO