Protestos no Casaquistão deixam 164 mortos e cerca de 2 mil feridos, diz governo

Quase 6.000 pessoas foram detidas durante os protestos que abalaram o país por uma semana; autoridades dizem que a situação se estabilizou

Prefeitura de Almaty foi incendiada durante protestos provocados pelo aumento do preço do combustível   Foto: Pavel Mikheyev/Reuters

Por Estadão

ALMATY – Os protestos no Casaquistão deixaram 164 mortos e cerca de 2.000 feridos, segundos dados divulgados pelas autoridades locais neste domingo, 9. Além disso, quase 6.000 pessoas já foram detidas por suposto vínculo com as revoltas sangrentas que abalaram durante toda a semana o maior país da Ásia central.

Os números, porém, não puderam ser confirmados por uma fonte independente, mas 103 das mortes teriam sido registradas em Almaty, capital econômica, segundo informaram vários jornais, citando o ministério da Saúde.

São números muito superiores aos que haviam sido informados pelo governo inicialmente. Não está claro se as mortes se referem apenas a civis ou se as mortes de policiais estão incluídas. Autoridades do país disseram que 16 policiais ou guardas nacionais foram mortos. As autoridades indicaram anteriormente que o número de civis mortos era de 26.

No total, cerca de 5.800 pessoas foram detidas, entre as quais há muitos estrangeiros, em 125 investigações diferentes, informou a presidência cazaque em um comunicado, sem fornecer mais detalhes. Não ficou claro quantos dos detidos permaneceram sob custódia no domingo.

Situação estabilizada

Funcionários do governo disseram que prédios e instituições governamentais em todas as regiões voltaram ao controle do Estado. Embora um apagão de internet em curso torne a situação no local difícil de ser verificada, funcionários do Ministério do Interior alegaram que o país havia se “estabilizado”.

“A situação se estabilizou em todo o país, apesar de as forças de segurança continuarem realizando operações de limpeza”, acrescentou, após uma reunião de crise convocada pelo presidente Kassym Jomart Tokayev.

O Casaquistão, um país com 19 milhões de habitantes, rico em hidrocarbonetos, foi abalado por distúrbios sem precedentes desde sua independência, em 1989. O protesto começou no domingo passado nas províncias devido ao aumento dos preços do combustível e depois se espalhou para as grandes cidades, incluindo Almaty, onde houve distúrbios e a polícia disparou balas reais contra os manifestantes.

A estação de TV russa Mir-24 disse que tiros esporádicos foram ouvidos em Almaty no domingo, mas não estava claro se eram tiros de advertência da polícia. O aeroporto de Almaty, que havia sido tomado por manifestantes na semana passada, permaneceu fechado, mas deve retomar as operações na segunda-feira.

Sinal do tímido retorno à normalidade, 30 supermercados reabriram neste domingo, segundo os jornais, pairando sobre a população a preocupação de uma possível escassez. Durante esses dias, os carros faziam longas filas nos postos de gasolina. Em Almaty ainda restam cicatrizes dos dias de violência, com fachadas de prédios queimadas e carros carbonizados cobrindo as ruas.

De acordo com o ministério do Interior cazaque, citado neste domingo pela imprensa local, os danos materiais foram estimados em cerca de 175 milhões de euros (199 milhões de dólares). Mais de 100 empresas e bancos foram saqueados e cerca de 400 veículos destruídos, segundo a fonte oficial.

Ordem de atirar para matar

Após dizer que situação estava se estabilizando, uma mensagem separada em inglês de um assessor presidencial criticou a imprensa estrangeira por criar o que ele chamou de “falsa impressão de que o governo do Casaquistão tem perseguido manifestantes pacíficos”.

As críticas, aparentemente dirigidas à comunidade internacional, parecem ser parte de um esforço para mudar a narrativa pública depois que o presidente Tokayev emitiu uma ordem de atirar para matar às forças de segurança durante um discurso transmitido pela televisão nacional. No sábado, 8, o ex-diretor dos serviços de Inteligência, Karim Massimov, foi preso por suspeitas de alta traição.

Logo em seguida, oficiais de segurança na capital do país, Nur-Sultan, começaram buscas de porta em porta para erradicar o que o chefe da polícia da cidade chamou de “violadores da ordem pública”. As autoridades pediram aos cidadãos que permaneçam dentro de casa.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse neste domingo durante entrevista ao canal ABC que a ordem de atirar para matar “é algo que rejeito resolutamente”. E acrescentou: “A ordem de atirar para matar, da maneira que existe, está errada e deve ser rescindida.”

Os Estados Unidos e a Rússia iniciam nesta segunda-feira, 9, negociações sobre as exigências de Moscou para que a Otan não se expanda para o leste. O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, o principal negociador do Kremlin, descartou a possibilidade de que a agitação no Casaquistão apareça nessas discussões. “O assunto não é da conta deles”, disse à agência de notícias russa “Interfax”, referindo-se aos americanos.

A pedido de Tokayev, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), uma aliança militar liderada pela Rússia com seis ex-estados soviéticos, autorizou o envio de cerca de 2.500 soldados, em sua maioria russos, ao Casaquistão como soldados da paz.

Parte da força está guardando instalações do governo na capital, Nur-Sultan, o que “tornou possível a liberação de parte das forças das agências de aplicação da lei do Casaquistão e realocá-las em Almaty para participar da operação antiterrorista”, de acordo com um declaração do escritório de Tokayev.

O CSTO disse que convocará uma “sessão de emergência” na segunda-feira por videoconferência, e o Kremlin confirmou que o presidente russo, Vladimir Putin, participará. O porta-voz de Tokayev disse à televisão cazaque no domingo que as forças do CSTO “provavelmente ficariam por uma semana”.

Poucas informações

Em uma declaração em vídeo postada no YouTube , Erzhan Kazykhan, o representante especial do presidente para a cooperação internacional, reconheceu que as manifestações sobre o aumento dos preços da energia começaram pacificamente. Kazykhan disse que os protestos foram “sequestrados por terroristas e grupos locais e externos que falam línguas estrangeiras”, mas não forneceram evidências para apoiar essas afirmações.

O chefe da polícia de Nur-Sultan, Yerzhan Sadenov, encorajou os residentes a relatar qualquer informação que eles tenham sobre “pessoas duvidosas” enquanto as autoridades conduzem as verificações de porta em porta. Em uma mensagem de vídeo do Telegram no domingo, ele repetiu a linha do governo de que a cidade está “sob controle”.

No Casaquistão, onde os protestos são relativamente raros – e o governo autoritário enfrenta pouca oposição – o apagão da Internet na maior parte do país limitou o fluxo de informações. Muito poucos membros da mídia, especialmente jornalistas estrangeiros, foram capazes de fazer uma reportagem de campo por causa das fronteiras fechadas.

Darina Zhunussova, uma estudante da Universidade Nazarbayev na capital do Casaquistão, escreveu no Twitter: “Não podemos confiar em ninguém, não sabemos em quais fontes acreditar, ficamos dias sentados sem acesso à internet, dificilmente podemos alcançar nossas famílias e amigos. Estava assustado.”

O Casaquistão, rico em recursos e estrategicamente situado entre a Rússia e a China, há muito tempo é atraente para o investimento estrangeiro, algo que as autoridades governamentais podem estar tentando proteger.

Além dos combustíveis

Os protestos contra um forte aumento nos preços do combustível começaram em 2 de janeiro e se espalharam por todo o país, aparentemente refletindo o descontentamento que se estende além dos preços dos combustíveis.

Nos últimos dias, os manifestantes invadiram prédios do governo em todo o país e detiveram brevemente o aeroporto de Almaty. A maior parte dos violentos confrontos entre as forças de segurança e manifestantes ocorreu em Almaty, onde vários prédios do governo foram apreendidos e incendiados na quarta-feira, 5, e quase constantes tiros puderam ser ouvidos nas ruas no fim de semana quando o governo anunciou que estava realizando um “operação antiterrorista” que “eliminou dezenas”

O mesmo partido governa o Casaquistão desde a independência da União Soviética em 1991. Quaisquer figuras que aspirem a se opor ao governo foram reprimidas, marginalizadas ou cooptadas e as dificuldades financeiras são generalizadas, apesar das enormes reservas de petróleo, gás natural, urânio e minerais.

Em um sinal de que as manifestações estavam mais profundamente enraizadas do que apenas o aumento do preço do combustível, muitos manifestantes gritaram “Fora homem velho”, uma referência a Nursultan Nazarbayev, que foi presidente desde a independência do Casaquistão até renunciar em 2019 e ungir Tokayev como seu sucessor.

Nazarbayev manteve um poder substancial como chefe do Conselho de Segurança Nacional. Mas Tokayev o substituiu como chefe do conselho em meio aos distúrbios desta semana, possivelmente visando uma concessão para apaziguar os manifestantes. No entanto, o assessor de Nazarbayev, Aido Ukibay, disse no domingo que isso foi feito por iniciativa de Nazarbayev, de acordo com a agência de notícias do Casaquistão, KazTag./AP, AFP e WASHINGTON POST

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