É possível acelerar o pedido de ressarcimento dos valores descontados na fraude do INSS?

Advogados dão dicas do que os aposentados e pensionistas que tiveram descontos indevidos devem fazer; eles defendem que o valor pode ser ressarcido em dobro, segundo o Código de Defesa do Consumidor

Marcos Ranyere Portela da Cunha (30.abr.2025)
Advogados orientam que aposentados e pensionistas que tiveram débitos feitos de forma indevida façam a própria pesquisa para saber desde quando isso acontece; caminho é a plataforma ou aplicativo do Meu INSS Foto: Marcos Ranyere Portela da Cunha (30.abr.2025)

Aposentados e pensionistas que tiveram descontos indevidos em seus vencimentos pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) devem buscar a Justiça para o ressarcimento de todas as parcelas debitadas, segundo defendem advogados especializados em direito previdenciário e do consumidor ouvidos pela reportagem. Esse é o meio mais rápido para reaver os valores cobrados de forma indevida, segundo a tese que eles sustentam. O caminho, segundo eles, é entrar com uma ação no Juizado Especial Federal, por se tratar de um órgão da União, o INSS.

Conforme ficou constatado na Operação Sem Desconto, a fraude pode ter chegado a R$ 8 bilhões por descontos indevidos feitos entre 2019 e 2024, e o escândalo custou a queda do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.

O governo federal informou que os valores de maio cobrados pelas associações investigadas foram suspensos. “Esses recursos descontados em maio dos aposentados não irão para as associações. Esses recursos vão ser retidos no INSS e, na próxima folha de pagamento, serão restituídos aos aposentados”, afirmou o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius de Carvalho, no dia 24 deste mês.

O advogado Washington Barbosa, especialista em direito previdenciário e mestre em direito das relações sociais e trabalhistas e CEO da WB Cursos, orienta que as pessoas tenham uma atitude proativa e verifiquem há quanto tempo os débitos indevidos estão sendo feitos. Uma dica simples é acessar a plataforma Meu INSS e verificar o extrato de pagamento para identificar se há algum débito que a pessoa não reconhece. E isso deve ser feito não apenas no período em que a Operação Sem Desconto identificou – de 2019 a 2024. “Veja se há débito da associação ‘XPTO’ e vá pegando os meses anteriores até não ter mais o desconto. Se aconteceu há um mês, pode ter acontecido há mais tempo ou há anos”, afirma.

Para a também advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e integrante da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP, o próprio contribuinte, ao identificar um lançamento indevido, pode fazer um pedido administrativo de devolução, seja pela plataforma Meu INSS ou por ação judicial, nos casos em que houver recusa da devolução ou persistência da fraude.

O argumento de que a via judicial é a mais rápida se sustenta pela situação dos aposentados e pensionistas, por serem pessoas mais idosas e que podem vir a preencher os critérios da hipossuficiência e, com isso, receberem assistência jurídica gratuita, sem ter de arcar com custos processuais.

Obstáculos

Especialistas elencam alguns obstáculos que os aposentados e pensionistas devem enfrentar se forem esperar pelo ressarcimento anunciado pelo governo para reforçar a tese de uma saída mais eficaz pela via jurídica.

Um deles é que o INSS e a CGU usam metodologias diferentes para mensurar as fraudes, o que levou a resultados díspares. Resumindo: ninguém sabe ao certo qual o tamanho do desconto indevido e quais foram, de fato, as vítimas, e quanto foi descontado de cada uma. Isso, na ótica dos especialistas, reforça que os aposentados e pensionistas não devem ficar esperando que os órgãos façam as suas investigações e procurem desde já saber o que de fato foi debitado indevidamente. A solução é fazer a própria averiguação, segundo os advogados.

Outro obstáculo é em relação ao valor que será devolvido, se esta, de fato, for uma atitude proativa do governo federal. A dúvida se dá pelo seguinte: benefícios pagos pelo governo federal são despesas de natureza obrigatória. Ressarcimentos são considerados despesas discricionárias, ou seja, não obrigatórias, e que dependem de disponibilidade de recursos. “De onde vão tirar (o dinheiro da devolução), sendo que inclusive o próprio governo sinaliza com um novo contingenciamento de recursos? E isso não é despesa de natureza obrigatória, mas discricionária”, diz Barbosa.

Uma ação judicial contra alguma esfera do governo (seja municipal, estadual ou federal), quando em última instância, acaba se tornando um precatório, e, com isso, o governo tem a obrigação de pagar, determinando anualmente quando e quanto isso será feito.

Entretanto, Barbosa alerta que será necessário “separar o joio do trigo”, já que existem descontos legítimos. “O governo terá de ir atrás de pensionistas ou aposentados e, não sendo conhecido o débito, terá que acionar o sindicato e (garantir) ampla defesa e contraditório, e isso caso a caso. Neste caso, talvez os netos dos beneficiários recebam”, afirma o advogado.

Segundo ele, essa fala está relacionada à estrutura do próprio órgão, notadamente sobrecarregado. “Existe uma fila de espera de 2 milhões de pessoas esperando a avaliação de seus benefícios. Como esses servidores conseguirão avaliar o que de fato é desconto indevido? Por essa razão, eu não acredito que o governo pague dentro das vias normais”, diz. Para ele, esse é outro obstáculo que apenas a via jurídica poderá resolver.

Quem deve ser alvo das ações?

Em uma eventual ação judicial, o que é, na visão dos advogados, a forma mais rápida de reaver os valores, uma dúvida que pode surgir é: quem será o alvo da ação? O INSS, a entidade que cobrou ou os dois?

Na visão dos especialistas, isso vai depender da origem da fraude e, talvez, incluir todos. “Se o INSS autorizou indevidamente o desconto, ele pode ser responsabilizado solidariamente por não fiscalizar ou permitir a consignação indevida. Se o desconto partiu de associação ou entidade conveniada, a restituição deve ser requerida principalmente contra a entidade e, subsidiariamente, ao INSS, em caso de omissão ou falha na fiscalização”, afirma Renata.

Segundo Barbosa, podem existir casos em que o beneficiário nem sabe que instituição debitou os valores. Neste caso, a relação jurídica se dá entre o beneficiário e o INSS e, depois, o instituto será o responsável por cobrar as associações pelos descontos indevidos. “Se eu não sei nem quem é o sindicato, a minha relação é com quem? O INSS. E é a ele que eu devo demandar. Ele paga e cobra da associação”, diz o advogado.

Tanto Renata quanto Barbosa concordam com o fato de que os aposentados e pensionistas devem pedir o ressarcimento em dobro. A tese que ambos sustentam é da aplicação do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê o ressarcimento em dobro dos valores cobrados de forma indevida, termo que é conhecido juridicamente como repetição de indébito. “Se o desconto foi indevido e não houve engano justificável, a devolução em dobro é cabível, inclusive com correção monetária e juros de mora”, afirma.

Várias decisões judiciais têm reconhecido a repetição de indébito, especialmente em casos de aposentados que não autorizaram o desconto, se foi feito com documentos falsos ou assinaturas forjadas ou mesmo por omissão do INSS em impedir ou fiscalizar o convênio, segundo os especialistas.

Estadão

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