Quem é Fernandinho Beira-Mar e como foi preso

Atualmente o Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-Mar, é um ex-narcotraficante, ex-líder da organização criminosa Comando Vermelho, e teólogo brasileiro. É considerado pelos órgãos federais um dos maiores traficantes de armas e drogas da América Latina.

Fernandinho Beira Mar presta depoimento durante seu julgamento no Rio de Janeiro; o traficante responde pelas acusações do homicídio de quatro pessoas em rebelião no prédio de Bangu 1 em 2002. Ricardo Borges – 13.mai.15/Folhapress

MARCOS RANYERE PORTELA DA CUNHA

Editor do PHBWebCidade

RICARDO FELTRIN
Editor-chefe da Folha Online e O GLOBO 

Luiz Fernando da Costa, 35, o Fernandinho Beira-Mar, é considerado um dos maiores traficantes de armas e drogas da América Latina. Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ele não conheceu o pai. Foi criado pela mãe, dona Zelina, uma dona de casa e faxineira, que morreu em 1992 atropelada na rodovia Washington Luiz, no Rio.

Pobre, como a maioria dos meninos da Baixada, Luiz Fernando Costa encontrou no Exército uma opção profissional e uma forma de fugir da miséria. Mas não foi a profissão que o tiraria da pobreza, e sim o crime. Entre os 18 e 20 anos começou a praticar os primeiros assaltos. Lojas, bancos e até o depósito de materiais do Exército eram seus alvos principais.

Foi acusado de furtar armas pesadas do Exército e de vendê-las para traficantes do Rio.

Aos 20 foi preso por assalto, condenado a dois anos. Cumpriu a pena e, ao sair, voltou a morar na favela Beira-Mar, onde imediatamente se tornou um dos “cabeças” do tráfico local. Voltou à terra natal como um bandido respeitado até por traficantes rivais.

Ao mesmo tempo que ganhava dinheiro, investia na favela, ajudando a comprar remédios, roupas, comida e até pagando dívidas de jogo de amigos da infância. Por meio dessa “política” paternalista, era querido e protegido pelos moradores da favela Beira-Mar.

Ninguém sabe ao certo quanta cocaína movimentava a “firma” (como é chamada nos morros a máquina traficante).

A verdade é que entre 1990 e 1995 Fernandinho Beira-Mar conseguiu abrir canais próprios de distribuição de drogas _no atacado e no varejo. Morros como o Morel, Rocinha, Chapéu Mangueira e a favela do Vidigal eram abastecidos por seus “produtos”, entregues em Kombis até então insuspeitas (ou, talvez, em ação facilitada por policiais corruptos).

O contrabando de armas e drogas chegava sempre aos morros cariocas por via marítima, aproveitando a enorme costa do Rio de Janeiro, cheia de praias desertas.

Ao mesmo tempo em que enriquecia, Beira-Mar tornou-se alvo de policiais civis e militares corruptos, que invadiam a favela semanalmente em busca de propina.

O traficante chegou a protestar que não aguentava mais ser “achacado” por policiais. Beira-Mar colocou a família para trabalhar também. Suas duas irmãs, Débora e Alessandra, teriam se tornado gerentes da “firma”.

Ambas foram presas no Rio, acusadas de pertencer ao narcotráfico. Fernandinho seria ligado ao Comando Vermelho, maior facção criminosa do país.

Acabou sendo preso em 1996, mas não chegou a ficar um ano no presídio de Belo Horizonte.

Sua fuga é cercada de suspeitas até hoje. Agentes penitenciários foram acusados de facilitá-la, mas nada foi comprovado oficialmente. A corregedoria da Polícia Civil investiga o caso. Sabe-se que Beira-Mar saiu do presídio pelo portão da frente, andando.

“Surgiu uma oportunidade e eu saí”, disse irônico à CPI do Narcotráfico em Brasília, no final do ano passado.

Depois que fugiu, Beira-Mar teria se tornado uma espécie de ‘nômade’. Paraguai, Uruguai e Bolívia teriam sido alguns dos países em que ele morou, fugindo de uma ordem de prisão emitida pela Polícia Federal no Rio de Janeiro.

Enquanto passava por esses países, Beira-Mar não apenas escapava da polícia, mas ampliava seu leque de amizades “ilegais”. Ele deixava assim de ser um grande fornecedor de drogas dos morros fluminenses para se tornar um supernarcotraficante internacional.

Além de cocaína e maconha, Beira-Mar especializou-se no comércio ilegal de armas pesadas _principalmente as fabricadas na Rússia.

Foi nesse comércio que se tornou amigo dos principais líderes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), de quem se tornou o fornecedor oficial de armamentos de grosso calibre.

Por esse motivo, ele foi considerado mais um “revolucionário” na Colômbia, e ganhou proteção da Farc na selva amazônica. Até ser preso, em 21 de abril.

Prisão de Fernandinho Beira Mar

Soldado colombiano escolta Beira-Mar no dia seguinte a sua prisão, em abril de 2001

O general colombiano Enrique Mora Rangel foi claro quando disse que prenderia o traficante mais procurado do Brasil, “vivo ou morto”, em menos de 72 horas. No dia seguinte, cumpriu a sua promessa. Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, foi capturado após uma caçada que envolveu mais de 350 militares na selva, em uma área das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc) cheia de plantações de cocaína e laboratórios de refino. Desarmado, de braço engessado e exausto, o criminoso de então 33 anos não ofereceu resistência.

Na crônica policial do Rio, “matuto” é a palavra usada para definir um grande traficante que envia armas e drogas para os “varejistas”. Quando foi preso, no dia 21 de abril de 2001, há 20 anos, Beira-Mar era o maior matuto do estado fluminense e um dos principais líderes do Comando Vermelho (CV). Foragido no Brasil desde 1997, quando escapou de uma cadeia em Belo Horizonte, ele estava na Colômbia havia cerca de um ano, firmando parcerias com a frente das Farc liderada por Tomás Molina, conhecido como Negro Acácio. Segundo as investigações, o brasileiro trocava armas por cocaína. A droga, então, era enviada ao Estado do Rio.

O exército do país hispânico havia começado sua busca por Beira-Mar em fevereiro de 2001. Naquele mês, a “Operação Gato Negro” prendera a mulher do traficante brasileiro, Jaqueline Alcântara de Morais, e outros 15 suspeitos numa área perto de onde operam os membros da Farc, na Colômbia. Ela tinha consigo uma foto do bandido onde se lia “brasileño da Costa”. De acordo com as autoridades, o retrato era uma espécie de passaporte para Jaqueline entrar e sair do território das forças paramilitares sem ser incomodada.

O traficante Beira-Mar chega a Brasília após prisão na Colômbia

Um dia após o outro, o cerco ia se fechando sobre Beira-Mar. No dia 19 de abril, o monomotor em que ele viajava foi interceptado pela Força Aérea da Colômbia. Era sexta de manhã quando os aviadores ordenaram que o Cessna 206 de prefixo HK-2459P pousasse na base de Marandúa. O piloto, porém, aterrissou num descampado a 56 milhas dali, em Vichada, região que faz fronteira com o Brasil. Logo que a aeronave tocou no chão, seus quatro passageiros, entre eles Beira-Mar, fugiram para a mata. Era uma questão de tempo até a captura do bandido.

O piloto Andrés Benavides foi detido e confessou o lugar onde deixara o criminoso. Foi quando teve início a caçada final, com mais de 350 soldados fazendo um pente-fino numa área de 4km de diâmetro na selva de Guaínia. De acordo com o general Mora, a aproximação começou às 19h de sábado, quando as tropas chegaram de helicópteros no local onde Beira-Mar tentava se esconder. Sem comida, desarmado e despreparado para aquela situação, o bandido poderia ter morrido na selva colombiana, se não fosse preso.

– Estava vivendo minha vida. Não tenho vínculos com as Farc. A imprensa fala o que quer. Escreve o que quer para vender jornal. Eu crio gado e tenho imóveis, só isso – disse Beira-Mar a repórteres após a prisão, segundo o jornal “Extra”.

Fernando Beira-Mar após rebelião no presídio de Bangu 1, no Rio, em 2002

Na época, Mora Rangel afirmou à imprensa que o matuto do Comando Vermelho havia se ferido dias antes, ainda na companhia de guerrilheiros do grupo de Tomás Molina. Quando o avião em que viajava foi interceptado, ele seguia para a cidade de Villavicencia, capital de Meta (vizinha de Vichada e Guanía, distante de Bogotá 113 km) em busca de cuidados médicos. Ao Exército, o piloto do Cessna disse que fora coagido a transportá-los, mas os militares não confiaram na alegação. Aquele avião já havia sido identificado em outras ações criminosas.

Policiais que passaram tempos investigando Beira-Mar contam que ele ainda era jovem quando começou a furtar armas do Exército para vender a traficantes do Rio. Aos 20 anos, foi preso por assalto e condenado a dois anos de cadeia. Quando saiu, tornou-se um dos líderes do tráfico na Favela Beira-Mar, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ganhou projeção no mundo do crime até ser preso, em 1996, em Minas Gerais. Mas não ficou nem um ano em reclusão antes de fugir. A partir daí, muito visado pela polícia, decidiu sair do país.

Beira-Mar no Forum de Bangu, após rebelião no presídio, em setembro de 2002

O primeiro destino foi o Paraguai, onde ele se consolidou como atacadista de armas e drogas, que eram enviadas ao Estado do Rio. No país, o brasileiro também virou um proprietário de terras. Uma fazenda dele na cidade de Captán Bado teria servido de refúgio para traficantes após a ocupação dos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio, em 2011. De acordo com policiais, Beira-Mar também teria passado por Uruguai e Bolívia, até se mudar para a área das Farc na Colômbia, cerca de um ano antes de ser preso.

Ninguém acumula uma ficha criminal desse tamanho sem se aliar à corrupção do poder público. Num telefonema à sub-relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Narcotráfico, deputada Laura Carneiro, em 24 de março de 2000, Beira-Mar disse que havia pago tanto dinheiro de propina a policiais do Rio que nem sabia mais o quanto havia gastado. Ele contou também que havia recebido proteção de um deputado federal. Beira-Mar já havia sido gravado, em conversas telefônicas grampeadas, acusando autoridades policiais de achacá-lo.

Beira-Mar durante julgamento em 2015

A partir da captura na Colômbia, foram dias de negoaciação entre aquele país e o Brasil até que, em 24 de abril, Beira-Mar foi deportado. No voo para Brasília, de acordo com uma reportagem do GLOBO, ele disse que estava há 90 dias sem ver TV e quis saber das notícias. “Só dá você e Arruda”, afirmou um policial, ao que o traficante respondeu: “Quem é esse tal de Arruda?”. Na época, a prisão do matuto dividia espaço nos jornais com o escândalo da quebra de sigilo eletrônico do Senado, envolvendo os senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (PSDB-DF).

A captura de Beira-Mar não interrompreu suas atividades criminosas, que, segundo investigações, continuaram de dentro da cadeia. Ele estava preso quando foi acusado e condenado por liderar uma rebelião no Complexo Penitenciário de Bangu, em 11 de setembro de 2002, que terminou com a execução de inimigos do Comando Vermelho. Entre os mortos, estava Ernaldo de Medeiros, o Uê, fundador da facção Amigos dos Amigos (ADA), que, nos anos 90, havia sido um dos principais matutos do Rio. Beira-Mar sempre negou ter comandado a chacina.

Na soma de todas as suas condenações, o bandido foi sentenciado a mais de 309 anos de prisão. Depois de deixar o complexo de Bangu, ele cumpiu pena em diferentes presídios federais de segurança máxima, como Catanduvas, no Paraná, e Mossoró, no Rio Grande do Norte. Atualmente, está na Penitenciária Federal de Campo Grande, para onde foi transferido em 2019. O traficante estava lá quando soube que sua filha, a dentista Fernanda Costa, assumiu, em janeiro deste ano, uma vaga de vereadora na Câmara Municipal de Duque de Caxias.

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