Bolsonaro atribuiu suspeitas da compra de Covaxin a ‘rolo’ de Ricardo Barros, diz Miranda

Luis Miranda (DEM-DF), disse que o presidente Jair Bolsonaro citou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).

Deputado federal Luis Miranda durante depoimento na CPI da Covid – Adriano Machado\ REUTERS

Por Estadão

BRASÍLIA – Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), disse que o presidente Jair Bolsonaro citou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR) como o parlamentar que queria fazer “rolo” no Ministério da Saúde.

Miranda e seu irmão Luís Ricardo Fernandes Miranda, servidor de carreira do ministério, confirmaram à CPI ter avisado Bolsonaro, há três meses, sobre suspeitas de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin e relataram uma “pressão atípica” para acelerar a importação. Bolsonaro teria mostrado saber a origem da pressão ao dizer “é mais um rolo desse (parlamentar)…” A dupla pôs Bolsonaro no centro de um escândalo e, a partir de agora, a CPI passará a mirar o presidente.

O servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, em depoimento na CPI da Covid – Pedro Ladeira/Folhapress

Miranda afirmou por 12 vezes não se recordar o nome do congressista citado pelo presidente durante a sessão, mas acabou divulgando a identidade pouco antes das 22h.

“A senhora também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros. Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas vocês não sabem o que eu vou passar”, declarou ao responder uma pergunta da senadora Simone Tebet (MDB-MS).

“Apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado, sabe o nome, que sabe quem é e não faz nada por medo da pressão que pode levar do outro lado? Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo o errado? De quem desvia dinheiro público de gente morrendo por causa dessa p… de covid”, completou o parlamentar, com lágrimas nos olhos.

Diferentemente dos demais imunizantes, negociados diretamente com seus fabricantes (no País ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa Medicamentos. A empresa virou alvo da CPI, que na semana passada autorizou a quebra dos sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário de um de seus sócios, Francisco Emerson Maximiano. O depoimento do empresário na comissão estava marcado para esta semana, mas ele alegou estar em quarentena após voltar da Índia e não compareceu.

Além da Precisa, Maximiano também é presidente da Global Saúde, empresa que já foi alvo de ação por irregularidades em contrato com o Ministério da Saúde em 2018. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal à época em que Ricardo Barros (Progressistas-PR), hoje líder do governo Bolsonaro, era ministro. Na ocasião, a pasta pagou R$ 20 milhões para comprar remédios de alto custo a pacientes com doenças raras, mas os produtos nunca foram entregues.

Procurado pelo Estadão, Ricardo Barros disse desconhecer os motivos que levaram o governo Bolsonaro a negociar com Maximiano. A reportagem também tentou contato com o líder do governo para saber se ele seria o parlamentar citado por Bolsonaro na conversa relatada por Miranda, mas Barros não respondeu.

Após a declaração de Miranda, o líder do governo foi às redes sociais para negar envolvimento no caso. “Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. Não sou esse parlamentar citado. A investigação provará isso. Também não é verdade que eu tenha indicado a servidora Regina Célia como informou o senador Randolfe (Rodrigues, Rede-AP). Não tenho relação com esse fatos”, postou. A servidora, nomeada quando Barros era ministro da Saúde, no governo de Michel Temer, foi a fiscal do contrato da Covaxin no Ministério da Saúde.

Emenda de líder do governo favoreceu Covaxin

Em fevereiro, Barros, citado agora por Miranda, apresentou uma emenda à medida provisória 1026 para que imunizantes aprovados na Índia recebam uma análise acelerada na Anvisa de uso emergencial. A sugestão foi acolhida no parecer da MP, que também inseriu a agência da Rússia.

A emenda do líder do governo foi defendida na quarta-feira pelo ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS), da Secretaria-Geral da Presidência, ao rebater as acusações de Miranda e do irmão. Na ocasião, ele citou que a emenda de Barros também permitiria a entrada de outras vacinas no País.

Por meio de nota enviada na terça-feira, 22, Barros disse que “não houve qualquer interferência do Palácio do Planalto no assunto” e que “a inclusão do órgão de saúde da Índia no artigo 16 da MP também foi motivo de emendas dos deputados Orlando Silva e Renildo Calheiros (ambos do PCdoB, partido de oposição)”.

Barros também move uma ofensiva sobre a Anvisa. Ele disse ao Estadão, no começo de fevereiro, que iria “enquadrar” a agência, que naquele momento ainda não havia autorizado a entrada da vacina indiana no País.

Repercussão

A revelação de Miranda de que Bolsonaro teria citado o nome de Barros ao ouvir as supostas irregularidades na compra da Covaxin repercutiu imediatamente entre a cúpula da CPI da Covid. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), ressaltou que Barros foi o autor de uma emenda à Medida Provisória 1026/2021 para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acelerar a análise de vacinas já autorizadas na Índia – o que beneficiou a Covaxin.

“Queria dizer que Vossa Excelência (Simone Tebet) fez a grande pergunta do dia. Queria congratular-lá por conseguir a resposta que todos queríamos. O nome citado por Miranda é o mesmo que apresentou na Câmara que autorizou a aquisição da Covaxin”, disse Renan. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que, a partir da citação ao nome de Barros, o “roteiro está pronto”.

“É um grande momento da CPI. Estamos diante do maior escândalo de corrupção da história da República”, disse Randolfe, destacando que a MP na qual Barros propôs a emenda é a mesma em que o governo Bolsonaro recuou e não inseriu na versão final da minuta o dispositivo que garantiria a compra de imunizantes como da Pfizer.

“Hoje eu tirei um peso das minhas costas”, comentou o deputado, após confirmar o nome de Barros, que já era especulado numa série de questionamentos feitos pelos senadores da CPI.

Suspeita de propina

Luís Miranda chegou ao Senado de modo performático trajando um colete à prova de balas por cima do terno e com uma bíblia sob o braço.

Em contraste com o irmão, o chefe do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luís Ricardo, se portou de maneira mais contida e com menos uso de frases de efeito. Recém chegado dos Estados Unidos, o servidor chegou uma hora atrasado no Congresso porque estava acompanhando a entrega de doses da vacina da Janssen contra o coronavírus.

Ricardo relatou ter ouvido falar sobre propina envolvendo a pressão pela compra da Covaxin. Em mensagem enviada ao congressista, o funcionário público escreveu: “aquele rapaz que me procurou dizendo que tem vacinas disse que não assinaram porque os caras cobraram dele propina para assinar o contrato”.

Em depoimento à CPI, o servidor afirmou que o “rapaz” é um servidor do Ministério da Saúde chamado Rodrigo, que agora os senadores querem convocar para o colegiado. “O Ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que alguns gestores estavam pedindo propina. Ele não citou o nome.” O servidor é Rodrigo de Lima, funcionário terceirizado da pasta.

Pazuello

O deputado do Distrito Federal disse que o general Eduardo Pazuello admitiu a ele ter deixado do comando do Ministério da Saúde porque não aceitou participar de um esquema de corrupção. “(Pazuello) Falou apenas que pessoas muito poderosas que são do Parlamento avisaram a ele que, se ele não soltasse aquelas famosas emendas de final de ano para um grupo específico – entregaram uma lista pra ele –, ele estaria fora”, disse Luís Miranda à CPI.

E completou: “E, na aeronave, ele desabafa comigo: ‘Eu sei que eu vou sair. Essa semana, eu saio’. E não tinha nenhuma notícia de que ele ia sair. Na semana, realmente, ele cai, nessa semana que segue”.

O general disse a senadores governistas que ordenou em março uma apuração interna sobre o caso Covaxin ao então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, e que nada teria sido encontrado.

De acordo com o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), o deputado do DEM disse na terça-feira, 22, que a saída de Pazuello tem relação com o processo da Covaxin. “Na conversa com a gente, ele (Miranda) disse que o Pazuello (Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde) caiu porque não teve como resistir a esse esquema. Por isso, foi substituído”, afirmou Renan ao Estadão.

De acordo com o deputado, informações suspeitas contidas na primeira versão da “invoice” (nota fiscal) da negociação pela vacina indiana motivaram uma reunião com Bolsonaro no dia 20 de março. Entre as informações questionadas, estão a exigência de pagamento antecipado e a quantidade de doses menores do que estava sendo negociado.

Após a reunião, o servidor da pasta alertou o irmão deputado sobre as suspeitas, conforme áudio exibido na comissão. “Pensa no preju”, disse Luis Ricardo, se referindo às características da importação. Em outro áudio, o técnico do Ministério da Saúde responsável pelas importações fala: “Nunca recebi ligação de ninguém, já nesse, meu amigo, o que tem gente em cima pressionando… Aí você já fica com pé atrás, entendeu?”

Em sessão tumultuada, Luis Miranda diz que avisou Eduardo Bolsonaro sobre suspeita de corrupção na compra da Covaxin O deputado apresentou na CPI da Covid prints de conversas entre ele e o irmão, o servidor Luis Ricardo, sobre irregularidades no Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin e a pressão para que se fechasse o contrato. “Eu conversei com o Eduardo Bolsonaro sobre as denúncias encaminhadas ao meu irmão e mandei para ele o contato, para que ficasse mais fácil de ele conversar”, falou.

O vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) perguntou se Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) fez contato, e ele respondeu negativamente.

Luis Miranda continuou a mostrar o print das conversas com assessor do presidente Jair Bolsonaro, em que ele pedia que avisasse ao presidente que “está rolando um esquema de corrupção na aquisição da vacina”. Ele insiste que se avise Bolsonaro. “Depois não quero ninguém dizendo que implodi a república”.

Além dos prints, o servidor Luis Ricardo esclareceu que recebeu ligações aos sábados diretamente do dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano, para agilizar a compra.

A exibição dos prints e áudios foi constantemente interrompida por senadores governistas, que tentaram obstruir a sessão. Entre eles, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, é o mais exaltado, acusando a cúpula da CPI de antecipar julgamentos durante os questionamentos.

Veja a cronologia dos acontecimentos relatados pelos irmãos:

16/03: Precisa pede início do processo de importação da Covaxin.

18/03: Luís Ricardo disse que o seu setor recebeu um link com todos os documentos, incluindo a primeira invoice (nota fiscal). Após análise de um técnico, foi verificado que a empresa citada, a Madison Biontech, não estava no contrato, o termo de pagamento era 100% antecipado e a quantidade era de 300 mil doses, não os 4 milhões prometidos no contrato.

18/03: Solicita autorização para a fiscal do contrato, Regina Célia.

19/03: Coronel Pires, do Ministério da Saúde, encaminha a Luís Ricardo contatos de Maximiano, chefe da Precisa e da Global. O representante da empresa ia se reunir com o coronel Elcio Franco para agilizar. Durante toda a execução, Luís Ricardo recebeu mensagens, ligações e chamadas ao gabinete.

20/03: Luis Ricardo e Luís Miranda falam com Jair Bolsonaro sobre suspeitas na compra da Covaxin.

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