Em ato do PL com forte tom eleitoral, presidente diz que sua luta é ‘do bem contra o mal’ e insiste em negar corrupção no governo, apesar da recente denúncia envolvendo ‘gabinete paralelo’ de pastores no MEC
Por Estadão
BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo que tomará decisões “contra quem quer que seja” se tiver apoio de seu “exército” de apoiadores no que chamou de “luta do bem contra o mal”. Em ato do PL em Brasília, de tom eleitoreiro e marcado por conotação religiosa, Bolsonaro, em um discurso que pouco empolgou os presentes, disse que às vezes “embrulha o estômago” ao cumprir a Constituição.
“Para defender a liberdade e a nossa democracia, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado, e esse exército é composto de cada um de vocês”, declarou o presidente no ato. “Por vezes, me embrulha o estômago ter que jogar nas quatro linhas [da Constituição], mas eu jurei e não foi da boca para fora”, acrescentou, reforçando a tese dele de que seus adversários políticos e até mesmo a Justiça brasileira descumprem a Carta Magna.
O PL estima que 7 mil pessoas compareceram, mas não informou o público esperado. O ato ocorreu no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), que ficou com vários espaços vazios, com uma maior concentração de pessoas nas proximidades do palco onde estavam as autoridades.
Para Bolsonaro, o “inimigo” do País é interno, e não externo. “Não é uma luta da esquerda contra a direita. É uma luta do bem contra o mal. E nós vamos vencer essa luta”, seguiu o presidente, com um discurso que arrancou poucos aplausos dos presentes.
Ministros de Bolsonaro compareceram, como Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo), Tereza Cristina (Agricultura), Augusto Heleno (GSI) e até Tarcísio de Freitas, que deve ser filiar ao Republicanos nesta semana para poder disputar o Governo do Estado de São Paulo. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que é cotado ser vice do presidente na eleição deste ano, no entanto, não foi ao ato e não justificou a ausência. O ex-presidente Fernando Collor, senador pelo PROS de Alagoas, também estava ao lado de Bolsonaro no palco.
Para reforçar a tentativa da campanha do presidente para reduzir sua rejeição junto às mulheres, Bolsonaro também levou a primeira-dama, Michele, e deu um espaço para ela falar.
Tom religioso
O tom religioso ficou por conta do locutor do evento, Andraus Araujo de Lima, conhecido como Cuiabanno Lima. Em uma narração comparável a rodeios e repleto de bordões bolsonaristas, como ‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’, slogan da campanha de 2018, Lima comparou Bolsonaro a Jesus e Lula, a Barrabás.
“Como Pôncio Pilatos, soltaram Barrabás e estão tentando e tentaram, desde que este homem assumiu, crucificar o Messias, é totalmente espiritual, é totalmente bíblico”, chegou a dizer o locutor. “Nós estamos vivendo uma batalha que não é somente política, é muito maior que isso. É uma batalha espiritual. Então, eu quero dizer, que nós temos que orar e temos que agradecer porque o demônio vem para roubar, para mentir, para confundir, vem para matar e vem para destruir”, declarou.
O ato do PL de caráter eleitoreiro veio no mesmo dia em que o partido conseguiu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma decisão liminar para proibir manifestações políticas no festival de música Lollapalooza, após artistas como Pabllo Vittar exaltarem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em suas apresentações. Lula é líder nas pesquisas de intenção de voto e o principal adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais deste ano.
“Aqui não é local de fazer campanha para ninguém. Todos aqui têm suas obrigações, sabem das suas responsabilidades e se apresentam para a mais nobre missão: representar cada um de vocês”, disse o presidente, na tentativa de afastar o tom eleitoral do ato – que pode infringir a lei eleitoral, uma preocupação do partido e dos advogados da legenda.
Bolsonaro também voltou a pôr em dúvida pesquisas de intenção de voto, embora o governo se paute nos levantamentos para direcionar as políticas públicas em ano eleitoral. “Uma pesquisa mentirosa publicada mil vezes não fará um presidente da República”, afirmou, em uma referência indireta à liderança de Lula.
O aspecto eleitoreiro do ato ficou explícito no aceno de Bolsonaro aos policiais, importante base de apoio ao governo e que cobra um reajuste salarial — prometido na elaboração do Orçamento de 2022, mas ainda não anunciado. “Nós aqui, com a PF e a PRF, que são duas polícias excepcionais. Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. A polícia de vocês, que nos orgulham com suas ações, que têm de ser reconhecidos por todos nós, juntamente com outras classes de servidores”. O reajuste teria que ser anunciado ainda até esta sexta-feira. Depois disso, aumentos salariais de servidores estarão proibidos pela lei eleitoral.
A conotação eleitoral também se deu nas filiações ao PL dos ministros Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e João Roma, (Cidadania), além do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (SE), anunciadas pelo presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, condenado e preso no escândalo do mensalão petista. Os ministros Tarcísio de Freitas, Tereza Cristina e João Roma fizeram breves discursos. Os três deixarão os cargos para concorrer nas eleições deste ano.
Marcos Pontes ainda não tinha partido e vai disputar uma vaga na Câmara dos Deputados por São Paulo. Roma, por sua vez, deixou o Republicanos para concorrer ao governo da Bahia e já tinha adiantado que migraria para o PL. Já Gomes estava filiado ao MDB.
Ainda no discurso deste domingo, o chefe do Executivo destacou que é preciso ter “lideranças sérias” no Brasil. “O povo é parte mais importante desse processo. A segunda parte mais importante sou eu, são os governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores também”.
Corrupção
Bolsonaro também insistiu, no discurso, que não há corrupção em seu governo, embora o Executivo esteja no meio de uma série de denúncias de pedido de propina dentro do Ministério da Educação (MEC), como revelou o Estadão. “Acabou a farra com dinheiro público. Buscam qualquer coisa, qualquer gota da água para transformar em tsunami. Todos sabem como nos portamos”, declarou o presidente.
Entre outras irregularidades, a reportagem revelou que um “gabinete paralelo” de pastores, ligados ao ministro Milton Ribeiro, se instalou na pasta para intermediar a liberação de recursos para prefeituras. Um dos pastores chegou a pedir ouro como propina para liberar emendas da pasta a municípios.
Ditadura
Bolsonaro chamou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que torturou mulheres na ditadura, de ‘velho amigo’. Em seu discurso, o chefe do Executivo lembrou do momento em que votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, quando ele dedicou seu voto ao torturador.
“Quis o destino que viesse o impeachment. O meu voto, como praticamente todos os parlamentares falaram, foi o que mais marcou. Eu não podia deixar um velho amigo, que lutou por democracia, que teve a sua reputação quase destruída, sem deixar de ser citado naquele momento’, declarou Bolsonaro. “A história não se pode mudar, a história é uma só, e ela foi benéfica conosco, e aquela pessoa [Ustra], eu tinha que, por dever de consciência, apresentá-la’, emendou o presidente.
Em 2008, Ustra foi condenado pela Justiça por tortura na época da ditadura militar. Uma das vítimas do coronel foi justamente Dilma. Durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro disse, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que seu livro de cabeceira era “A verdade sufocada”, escrito pelo torturador.