O senador destacou ainda que Bolsonaro contribuiu para o agravamento do “morticínio” no País, ele “será responsabilizado, sim”.
Por Estadão
BRASÍLIA – Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou, neste sábado, 8, que a CPI precisa levar em conta como o governo de Jair Bolsonaro minimizou a pandemia e o papel da vacina para combater a doença, e como a postura do presidente “fechou as portas” do Brasil para os produtores de imunizantes. “Isso precisa ser investigado”, disse Renan, em entrevista concedida ao programa Prerrogativas, transmitido pela Rede TVT. O senador destacou ainda que, se a CPI concluir que Bolsonaro contribuiu para o agravamento do “morticínio” no País, ele “será responsabilizado, sim”.
Renan ressaltou que “seja lá quem” transformou o chamado tratamento precoce contra a covid-19 em política pública deverá ser responsabilizado. Para ele, muito do que a CPI pretende apurar “investigado já está” em campanhas nas redes sociais, discursos e atos oficiais. “Por isso torço que o presidente da República explique o que aconteceu, a bola está com ele. Tem que explicar se houve imunidade de rebanho, imunização natural, por que é que ele defendeu isso, defendeu aquilo. Porque ele agride a China?”, questionou Calheiros.
“Espero que o presidente da República não tenha responsabilidade no agravamento do morticínio no Brasil, espero que a CPI não chegue a tanto, mas, se chegar, não tenho nenhuma dúvida que ele será responsabilizado, sim”, disse o relator. “Entendo que ao responsabilizar alguém, responsabilize exatamente aqueles que, por negligência, omissão, cometeram erros que poderiam ser evitados e possibilitado diminuição do número de mortes do Brasil na pandemia. Tenho muita convicção, apesar dos pesares, ameaças, arreganhos, tentativas de intimidação, que a CPI fará sua parte, cumprirá seu papel”, disse.
Na entrevista, o senador classificou como uma “irresponsabilidade absoluta, total” a postura de Bolsonaro diante das vacinas para a covid-19. “Isso precisa ser investigado”, afirmou. “Como o governo fechou as portas para produtores de vacinas. Não foi só com a Pfizer, fechou as portas para todos. Porque o presidente disse várias vezes que não acreditava na vacina, muito menos na chinesa. Ele que diz que vacina que serve, a que não serve”.
Esse posicionamento do chefe do Executivo, na visão de Calheiros, faz com que a situação do Brasil não possa ser comparada a de nenhum outro país. “Em nenhum outro lugar, um chefe de Estado esteve publicamente falando esses absurdos para a população”, disse o senador.
Ainda ao falar que o eventual uso da tese da “imunidade de rebanho” pelo governo é investigado “profundamente” pela CPI, Renan questionou a que “roteiro” serve a tentativa de negar a pandemia e o “torpor contra o isolamento” e vacinas. “Se vai haver impedimento do presidente, qual vai ser a consequência da investigação, nós ainda não sabemos, não dá para predizer, mas o que posso assegurar é que nós vamos fazer um reencontro do parlamento com a verdade”, afirmou.
Na visão de Renan, a “equivocada” falta de colaboração pelo governo na comissão vai levar os trabalhos da CPI para cada vez mais perto das eleições de 2022. “Se observar o traço em comum dessa investigação, é que os governistas não dizem nada. Na medida que dificulta o trabalho, vai levar a conclusão, obviamente, da CPI para as proximidades da eleição. Mas não é porque a CPI quer que aconteça, mas porque equivocadamente, eles estão sem saber o que fazer. Governistas não dizem nada. Se esforçam para não acrescentar nada”, disse ele, que é aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), potencial adversário de Bolsonaro na próxima eleição presidencial.
Renan destacou ainda que os trabalhos da comissão se dão numa circunstância “completamente nova” e que já são públicos diversos fatos que envolvem as apurações da CPI, como informações oficiais e execuções orçamentárias do governo. Diante disso, avaliou Calheiros, cabe à gestão Bolsonaro “negar” esses fatos demonstrando “exatamente o contrário” do que a sociedade já intuiu sobre o enfrentamento à pandemia. Caso não consiga, o governo “terá que ser responsabilizado sim”.
“Muitas informações já estão postas, publicadas, em Diário Oficial, em execução orçamentária. Isso tudo já está posto, sem que o governo até agora tenha sequer uma estratégia para negar esses fatos. Cabe ao governo exatamente negá-lo e demonstrar exatamente o contrário do que a sociedade intui que aconteceu. Se o governo não conseguir isso – se ele conseguir, ótimo, facilita nosso trabalho – mas se não conseguir isso, paciência, nessa condição, ele terá que ser responsabilizado sim”, reforçou.
“E a percepção da sociedade de que se o governo tivesse feito certo – e o governo tem na CPI uma oportunidade para demonstrar que fez certo – se o governo tivesse feito tudo certo, certamente também nós não teríamos tido que conviver com esse morticínio todo, transformado o Brasil no cemitério do mundo. Isso é inconcebível, se tiver responsabilidade de alguém por isso, vai ter que ser responsabilizado sim, e responder por todos os crimes sejam quais forem, e sobretudo o de responsabilidade, que é um mandamento constitucional”, disse Renan, que repetiu que apesar de “intimidações”, nada fará o Legislativo “recuar”.
Pazuello usa Exército como ‘biombo’, diz Renan
Calheiros disse também que o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello usa o Exército como “biombo” para não depor à comissão e que, com isso, está criando um “crise” nas Forças Armadas. Pazuello iria falar à CPI nesta semana, mas seu depoimento foi adiado para 19 de maio, ao informar que teria tido contato com duas pessoas infectadas com covid-19. Como revelou o Estadão/Broadcast, dois dias após essa alegação, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni (DEM), foi flagrado numa visita ao ex-ministro da Saúde.
“Porque certamente ele não tem muito o que dizer. Temos respeito muito grande pelo Exército. Não vamos investigar militares, esse não é nosso papel, eles não precisam ter nenhum receio. Quem tem que continuar com receio são os aliados da pandemia, do vírus, que vão ter de responder por tudo isso”, disse Calheiros durante o programa ‘Prerrogativas’, transmitido pela Rede TVT.
Calheiros reforçou ainda que, neste momento inicial dos trabalhos da CPI, o ex-ministro irá falar à comissão na condição de testemunha, e não como investigado. Ele lembrou que investigados, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), teriam direito a recorrer ao silêncio durante o depoimento.
“Na condição de testemunha, ele vai ter que comparecer. Que o governo use melhor suas energias para esclarecer esses fatos todos. E nós tivemos essa preocupação de não ouvir ninguém nessa fase inicial da CPI como investigado, porque isso ensejaria essas preocupações todas. De modo que queremos que ele compareça, ele será interrogado como os outros foram e serão interrogados. Ainda como testemunha. Todos que serão nessa primeira fase serão ouvidos como testemunha”, disse o relator.
Calheiros disse também que o ministro da Justiça, Anderson Torres, será chamado a depor, principalmente em razão das declarações dadas em entrevista à revista Veja, na qual afirmou que iria pedir à Polícia Federal para obter dados sobre a destinação de recursos federais contra a covid-19 nos Estados. Para o relator, o que foi dito deveria ser “impublicável” num Estado Democrático de Direito. “Admitir utilizar a Polícia Federal como polícia política, isso não pode acontecer. E um ministro da Justiça não deveria ousar tanto”, disse o senador.
“Ameaças de utilização política da Polícia Federal, que como vocês sabem é instituição respeitável, não é fácil aparelhar politicamente uma PF, eu não acredito que isso venha acontecer”, afirmou Calheiros em outro momento, citando ainda uma possível participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na investigação de Estados e municípios.
“As conclusões da CPI irão para o Ministério Público e para a Advocacia-Geral da União (AGU). A última CPI que impediu um presidente da República conclui exatamente dessa forma e, no dia seguinte, entidades como OAB entraram com impedimento no Supremo Tribunal Federal, em função dos fatos que foram investigados na CPI. Nós vamos definitivamente fazer nossa parte, haja o que houver. Não vamos aceitar intimidação, utilização da Abin e da PF como polícia política”, disse Calheiros.
Filhos do presidente ainda não devem ser convidados a depor
Calheiros disse também que “várias narrativas” que foram impostas à CPI já se esvaziaram, como a de que os senadores iriam investigar os militares e buscariam “ampliar o desgaste” do presidente e de sua família. Por isso, o relator defendeu que, por enquanto, os filhos do presidente não sejam convocados a depor. “Para evitar aquilo que eles tentam demonstrar todos os dias, de que nós queremos desgastar a família. Não vamos colaborar com esses argumentos, para chegar ao final com a insuspeição guardada”, disse Calheiros.
“Não vamos fazer acareação do Mandetta com os filhos do presidente. Eu disse não, não vamos fazer acareação do Mandetta com ninguém. Quem descredencia (o discurso do ex-ministro) é o governo, então ele que proponha meios de negar a veracidade do depoimento do ex-ministro”, destacou ainda, reforçando novamente o que achou do depoimento de Mandetta. “Ele confirmou muitas questões que precisávamos ouvir, eles não fizeram segredo, enfatizaram que não tinham autonomia, e por não terem autonomia, eles colaboraram de uma forma ou de outra com o desmonte das políticas públicas no Brasil”, disse o relator.
Primeiros depoimentos
Para o relator, os depoimentos prestados nesta semana pelos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, já são indicativos de que a CPI vai acarretar em algum tipo de consequência para o governo e para um reconhecimento pela população dos trabalhos da comissão.
Crítico da postura dos aliados de Bolsonaro nos trabalhos da CPI – que têm por sua vez reclamado da condução de Renan -, o relator afirmou que Queiroga “visivelmente” investiu numa estratégia de não responder às perguntas dos senadores objetivamente, e portanto, de não “falar a verdade”. Em depoimento na quinta-feira, 6, à comissão, o atual ministro da Saúde se esquivou de declarar sua opinião sobre o uso da cloroquina em pacientes com covid, apesar da insistência dos integrantes da CPI em saber da posição do médico, que está no cargo desde março.
“Mas ele ainda reconheceu a existência do grupo paralelo, constrangimento de algumas oportunidades por ter sido desautorizado pelos discursos negacionistas de Bolsonaro”, observou Renan.
“(É) Um morticínio agravado por práticas irresponsáveis, que apuradas gerarão responsabilidades de algum ou alguns. Não tenho absolutamente nenhuma dúvida de que nós vamos chegar no desfecho final. Sinceramente, não torço para incriminar ninguém, responsabilizar ninguém, se o governo usasse melhor suas energias para esclarecer os fatos, diferentemente do que está fazendo, seria melhor e facilitaria o trabalho da CPI”, opinou o relator.
Cloroquina
Ao falar da necessidade de a CPI investigar se o tratamento precoce contra covid-19, com o uso da cloroquina, foi transformado em política pública, Renan lembrou a participação do Exército na produção do medicamento. “Se isso aconteceu, pelo ministério ou não, com órgão paralelo ou não, seja lá por quem for, quem fez isso vai ser responsabilizado”. O relator quer saber neste episódio “quem mandou” e “quem obedeceu”.
“Estimularam a produção dos medicamentos no Exército, instituição respeitável, quem foi que mandou, quem obedeceu, como vamos responsabilizá-los. Vamos investigar”, disse. Como mostrou o Broadcast/Estadão, a CPI aprovou nesta semana vários requerimentos de autoria de Renan que buscam reconstruir os passos do governo Bolsonaro sobre o incentivo ao uso da cloroquina. Em um deles, ele cobra do Comando do Exército dados como da origem dos pedidos de produção de cloroquina durante 2020 e 2021 e da distribuição desses comprimidos.