Em crise, planos de saúde renegociam pagamentos e buscam formas de diminuir uso

Setor teve prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões em 2022, o maior em 20 anos

Tratamento de câncer no hospital Sirio Libanês, em São Paulo – Eduardo Knapp – 26.ago.19/Folhapress

Folha de São Paulo 

O setor de planos de saúde saiu da pandemia com as contas em crise, situação que ainda persiste. Em 2022, houve prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões. É o pior resultado desde o começo da série histórica em 2001.

O resultado operacional se refere apenas aos valores obtidos com os serviços de saúde em si. No resultado geral, que considera também ganhos com operações financeiras e outros itens, as operadoras tiveram lucro líquido de R$ 2,5 milhões. O valor representa 0,001% das receitas totais, que somaram R$ 237,6 bilhões.

Entre 2021 e 2022, as receitas dos planos de saúde cresceram 5,6%, enquanto as despesas aumentaram 11,1%, segundo dados da Fenasaúde, entidade que representa os planos.

Um dos principais indicadores do setor, o índice de sinistralidade chegou a 89,21% no quarto trimestre. Isso indica que a cada R$ 100 da receita dos planos, R$ 89,21 foram destinados ao pagamento de despesas assistenciais com consultas e exames.

Com falta de caixa, as operadoras passaram a renegociar e atrasar pagamentos com os hospitais e prestadores de serviço. A crise deve gerar aumento de preços aos pacientes, mas há temor de que fortes altas acabem por fazer clientes desistirem dos planos ou optarem por versões mais baratas.

“Neste ano, vai haver negociações com os clientes com o desejo de repassar isso de forma mais acentuada, para tentar reduzir esse prejuízo do ano passado”, projeta Renato Casarotti, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).

“Há uma dificuldade muito grande de repassar os custos. Os clientes dos planos coletivos, que são 80% da nossa carteira, estão muito estrangulados. Você não quer perder aquele cliente. A gente é um negócio que vive de escala. Uma redução de escala também afeta. É uma escolha de Sofia”, acrescenta.

A alta de custos leva os clientes a optarem por planos mais baratos, o que também ajuda a reduzir as receitas das operadoras. O setor teve um aumento no número total de beneficiários, mas a receita cresceu em proporção menor, porque boa parte deste crescimento veio pela aquisição de planos mais em conta.

Assim, as empresas do setor têm apostado em mudanças no lado das despesas, como alterar as condições de remuneração dos hospitais, o que vem gerando atritos.

“As operadoras adotaram uma série de providências que aumentam o prazo de pagamento das contas. São medidas que prejudicam os hospitais antes, durante e depois do faturamento”, diz Antônio Britto, diretor da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados).

As alterações incluem alongar os prazos de pagamento para até 120 dias. Antes, o tempo era de 60 a 80 dias. Houve também aumento no número de glosas, os questionamentos feitos pelos planos às faturas enviadas pelos hospitais e prestadores de serviço.

“Boa parte das operadoras criou uma regra pela qual os hospitais só podem mandar todo o faturamento do mês em um único dia, em vez de três a quatro dias, como era antes. É óbvio que aí todo o faturamento daquele mês não vai ser enviado, ou porque não dá tempo de mandar tudo em um dia ou porque ele ainda não aconteceu”, diz Britto.

A crise financeira dos planos tem várias razões, sendo que a principal é uma alta no uso dos serviços. Depois da pandemia, os clientes passaram a fazer mais consultas, exames e tratamentos. “Teve um enorme aumento na demanda por terapias, como apoio nutricional e psicológico. Há um novo comportamento por parte dos pacientes”, avalia o diretor da Anahp.

Ao mesmo tempo, a lista de procedimentos obrigatórios foi ampliada e subiram os preços de remédios e insumos farmacêuticos. “Houve um aumento expressivo do custo de insumos durante a pandemia, mas eles não voltaram aos níveis anteriores”, diz Vera Valente, diretora-executiva da Fenasaúde.

Outro fator de peso foi uma alta no volume de pedidos de reembolsos e de fraudes. Dois exemplos: um paciente faz uma sessão de fisioterapia, mas pede reembolso para cinco, ou realiza um procedimento estético e pede reembolso como se fosse um tratamento de saúde.

Valente aponta que o problema financeiro é mais intenso nas operadoras de menor porte. “Em 2019, mais ou menos 2 milhões de beneficiários eram atendidos por operadoras deficitárias. Hoje, o total de operadoras nesta situação é responsável por atender quase 20 milhões de beneficiários. São quase 40% dos beneficiários do setor.”

Entre as saídas debatidas, estão tentar padronizar os procedimentos de atendimento, como o número de exames pedidos pelos médicos. “Você vai no pronto-socorro quantas vezes quiser, faz quantos exames quiser. Isso é uma cultura muito brasileira”, diz Valente, da Fenasaúde.

Ela cita como exemplo o modelo dos EUA, que lembra um pouco os seguros de carro no Brasil: o cliente paga os procedimentos que custem até determinado valor, como se fosse uma franquia, e o plano cobre só o que passar disso.

Outras opções para reduzir o uso dos prontos-socorros são ampliar a realização de consultas virtuais e as cobranças de coparticipação em exames.

Uma mudança mais ampla, para adotar o modelo americano ou criar planos com cotas de consultas, por exemplo, depende de mudanças regulatórias. Os planos no Brasil precisam oferecer uma lista mínima de procedimentos, e o que acaba diferenciando eles é a rede de locais credenciados.

Para 2023, as entidades do setor veem um cenário ainda preocupante. Um dos temores é que mais terapias novas e caras sejam incluídas como obrigatórias.

“As terapias avançadas tiveram pouco impacto em 2022. O impacto pesado vai ser agora em 2023. Algumas das que estão chegando têm preço médio acima de R$ 1 milhão por paciente. Tem tecnologia de R$ 9 milhões por paciente”, diz Casarotti, da Abramge.

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