Anvisa libera comércio de autotestes de covid no Brasil; farmácias venderão produto

Será permitida também comercialização por estabelecimentos de saúde licenciados para vender dispositivo de diagnóstico in vitro; pedido foi feito pelo governo diante da alta da Ômicron e tem apoio de especialistas

Pessoas fazem fila nos Estados Unidos para receber autoteste de covid-19 Foto: Daniel Slim/AFP

Por Estadão

SÃO PAULO – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta sexta-feira, 28, a liberação de autotestes de covid-19 no Brasil. Por unanimidade, os quatro diretores da agência votaram a favor. Será permitida a sua comercialização por farmácias e por estabelecimentos de saúde licenciados para vender o dispositivo médico para diagnóstico in vitro. A expectativa de entidades do setor é de que o produto chegue ao mercado brasileiro só em março – é preciso ainda que cada empresa interessada peça à Anvisa registro de seus produtos.

A diretora relatora da Anvisa Cristiane Rose Jourdan Gomes votou a favor da liberação da venda e uso dos autotestes no Brasil. “Pode representar uma excelente estratégia de triagem e controle da pandemia, principalmente em razão do contágio que atualmente é grande”, disse, ao citar que o exame já está em uso em diversos países da Europa e nos Estados Unidos.

“O público alvo do do autoteste será qualquer indivíduo sintomático ou assintomático, independentemente do seu estado vacinal, que tenha interesse e discernimento para realizar o autoteste. Em menores de 14 anos, o teste deve ser realizado com a supervisão e apoio dos pais ou responsáveis”, explicou a diretora relatora.

Ainda conforme Cristiane, um resultado positivo de autoteste de covid-19 não será considerado como caso confirmado. “Quanto ao registro dos resultados dos testes, o Ministério da Saúde informou que deve ser feita a distinção entre registro de resultados e notificação de casos suspeitos ou confirmados de covid-19”, disse.

Ao realizar o autoteste, o indivíduo deve seguir todas as instruções do fabricante e a partir de um resultado positivo procurar atendimento médico. “A partir do resultado positivo, procure uma unidade de atendimento de saúde ou teleatendimento para que o profissional de saúde, mediante às estratégias já postas, realize a confirmação do diagnóstico, notificação e orientações pertinentes de vigilância e assistência de saúde”, afirmou a diretora relatora.

Com relação ao registro dos resultados de autotestes, fica à critério do fabricante ou importador disponibilizar aos usuários sistemas para o registro. “Caso a empresa opte por oferecer esse serviço, sugere-se que seja por meio da disponibilização ao usuário de um sistema que de preferência que acesso seja por leitura de QR code”, afirmou.

Ainda de acordo com ela, o Ministério da Saúde vai incluir orientações sobre o uso de autoteste no Plano Nacional de Expansão de Testagem para Covid-19 (PNE-Teste). “Diante das diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, apresentadas à Anvisa, para inclusão da política do uso de autoteste para pesquisa de antígeno de SARS-CoV-2 no Plano Nacional de Expansão de Testagem para Covid-19 trago à apreciação deste colegiado, proposta de resolução de diretoria colegiada que dispõe sobre os requisitos e procedimentos para a solicitação de registro, distribuição, comercialização e a utilização de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro com o autoteste para a detecção de antígeno de SARS-CoV-2 para o combate à pandemia da covid-19”, detalhou a diretora relatora.

A fim de reforçar a preocupação da agência com a qualidade dos autotestes, com especial atenção ao desempenho dos produtos, ficou estabelecido ainda que suas sensibilidades e especificidades na detecção do vírus devem ser, respectivamente, maior ou igual a 80% e maior ou igual a 97%.

Além disso, para serem aprovados, os produtos devem apresentar quesitos mínimos de segurança e desempenho, abordando a exigência de linguagem clara e adequada ao público. “Orientando o usuário leigo sobre a conduta adequada para a coleta do material biológico durante a execução do teste. Alertar que o resultado negativo não elimina a possibilidade da infecção pelo coronavírus. Assim, como o fornecimento de canais de atendimento para suporte ao usuário com acesso direto”, ressaltou ela.

Acompanhando o voto favaroável da relatora, o diretor da Anvisa Rômison Rodrigues Mota concordou. “É uma ferramenta que, juntamente com a vacinação, o uso de máscara facial e o distanciamento social tem desempenhado papel importante no combate à pandemia em outros países”, afirmou.

Mota acrescentou que os autotestes podem ser vendidos com preços menores do que os testes que já em uso no Brasil. Entende ainda que órgãos de defesa do consumidores devem continuar realizando ações de fiscalização para evitar que qualquer tipo de teste seja vendido com preços abusivos, já que não há competência legal da Anvisa para estabelecer preços máximos. A Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL) estima que o produto chegue ao mercado brasileiro com valor entre R$ 45 e R$ 70.

Seguindo a votação, o diretor da Anvisa Alex Machado Campos também apresentou voto favorável,  mas ponderou em quais situações os autotestes devem ser utilizados. “Deve ser usado para triagem, autoproteção e para quebrar a cadeia de transmissão da doença”, ressaltou. Segundo ele, esses kits não devem ser usados por aqueles que vão viajar de avião e precisam apresentar o teste, ou por trabalhadores que precisam apresentar atestado médico. Também não é aceito para entrada em eventos. Ainda segundo ele, o objetivo é convocar o cidadão para o enfrentamento da pandemia, assim como foi com relação ao uso de máscaras e higienização correta das mãos. Conforme a Anvisa, o autoteste não define um diagnóstico, o qual deve ser realizado por profissional de saúde. Seu caráter é orientativo. Ou seja, não se trata de um atestado médico.

Última a votar, a diretora presidente substituta da Anvisa, Meiruze Sousa Freitas seguiu o colegiado. Ela disse que a regulamentação de autotestes será benéfica no combate à pandemia. “É importante lembrar que , com a aprovação desta regulamentação, não significa que o autoteste vai estar disponível hoje ou amanhã em um estabelecimento autorizado para sua comercialização. É preciso que uma empresa regularizada venha à Anvisa e registre o seu autoteste. A partir de análises de critérios, terá aprovação e poderá ser disponibilizada sua venda em estabelecimentos autorizados”, afirmou. Ela substituiu o diretor presidente, Antônio Barra Torres, que precisou se afastar por problemas médicos na família.

Ainda segundo a Anvisa, está proibida a oferta de autotestes na internet em sítios eletrônicos que não pertençam a farmácias ou estabelecimentos de saúde autorizados e licenciados pelos órgãos de vigilância sanitária competentes.

Na quarta-feira passada, 29, a decisão havia sido adiada porque quatro dos cinco diretores da agência julgaram necessário ter mais informações por parte do Ministério da Saúde sobre o procedimento e cobraram a formalização de uma política pública. A pasta entregou nesta semana à Anvisa um documento com dados complementares, conforme a agência havia solicitado, detalhando a política de saúde pública para a testagem.

A liberação dos autotestes foi pedida pela pasta do ministro Marcelo Queiroga, no início de janeiro, diante da explosão do número de casos provocado pela variante Ômicron. Atualmente, a testagem no Brasil está centrada em clínicas, farmácias e serviços públicos, que não conseguem atender à alta demanda das últimas semanas.

Os autotestes de antígeno são os mesmos oferecidos atualmente nas farmácias, mas com aplicação feita por um profissional de saúde. Em países onde o uso é permitido, eles estão disponíveis para venda em farmácias e lojas de varejo, assim como são distribuídos para a população pelos governos locais ou empresas. Na Inglaterra, o governo disponibiliza gratuitamente e envia para a casa das pessoas. Algumas escolas do país exigem que os pais façam o teste nas crianças algumas vezes na semana no período de aulas.

Para realizar o teste em casa, a pessoa precisa fazer uma coleta da secreção das narinas, seguindo as instruções de uso. Todos os materiais necessários para realizar o teste, como instruções, cotonetes, dispositivos de teste e reagentes são fornecidos na embalagem. Além disso, o resultado pode ser verificado em até 15 minutos.

Expectativa é de que kits cheguem ao mercado em março

Em meio à aprovação por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), farmácias e laboratórios já demonstram interesse e já estão se preparando para comercializar os chamados autotestes de covid-19 no Brasil, conforme adiantou o presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), Carlos Eduardo Gouvêa.

“Já existe grande interesse das farmácias, que estão já se preparando para promover a distribuição dos autotestes em território nacional. No caso dos laboratórios, alguns dos grandes já têm discutido em ter o autoteste como um complemento para o portfólio ofertado, principalmente para ser usado em situações de crises ou grande demanda. Evitando, por exemplo, filas ou demora no resultado, quando houver alta positividade, como o cenário que temos visto atualmente”, afirmou Gouvêa, embora não cite nomes de empresas.

O presidente executivo da CBDL estima que, se o prazo estipulado pela Anvisa vigorar, os produtos deverão estar disponíveis em meados de março. “A partir de agora, a indústria de diagnóstico buscará o cumprimento dos requisitos estabelecidos pela resolução da diretoria colegiada aprovada nesta sexta-feira para poder submeter o quanto antes os processos de registro dos autotestes que virão para o mercado brasileiro. A previsão é março, mas contaremos, como de costume, com a habilidade e rapidez na análise destes casos pela área de registro da Anvisa para tentar assim disponibilizar os primeiros produtos ainda para o carnaval”, avaliou.

Além de facilidade pelo autoteste poder ser realizado em casa, o presidente executivo da CBDL também destaca o fato de ser mais barato. “Imagina-se que o valor fique entre R$ 40 e R$ 75, ou seja, abaixo do valor do teste rápido na farmácia, que é mais caro por envolver o produto, o serviço de assistência farmacêutica e o laudo, por exemplo”, disse Gouvêa.

Embora ainda não possa especificar quais farmácias ou laboratórios iniciaram negociações, a Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) também acredita que os autotestes devem chegar, em breve, ao consumidor brasileiro.

Recentemente, ao defender o uso do produto no Brasil, Sérgio Mena Barreto, CEO da Abrafarma, ponderou que o produto seja comercializado com registro, no canal de vendas correto, com explicação correta e suporte aos pacientes.“A gente apoia, desde que seja bem regulamentado. A grande questão é a barreira que tem para ele. A pessoa faz em casa o teste seguindo o protocolo pessoal dela, mas o teste tem um protocolo muito específico a ser seguido. O grande risco de ter autoteste para fins públicos é ter resultado falso positivo ou falso negativo porque não foi assistido por profissional e você achar que o resultado é verdadeiro”, avaliou.

Ainda conforme Barreto, o preço também seria mais acessível. “O preço típico do teste rápido de farmácia está em torno de R$ 70. O autoteste pode ser vendido bem mais barato”, estimou.

Em nota, a RD-RaiaDrogasil disse que está acompanhando as deliberações da Anvisa em relação ao autoteste de covid. “Sabemos que até o momento não há produtos desta categoria registrados pelo órgão, no Brasil. Assim que estes itens forem licenciados, teremos interesse em avaliar a possibilidade de comercializá-los”, adiantou.

A Abbott, – que já disponibiliza o Panbio Covid-19 Ag Self-Test nos Estados Unidos, Europa, Ásia e países da América Latina – , disse que foi verificado um aumento no interesse pelo autoteste, mas como a legislação brasileira não permitia a comercialização de autotestes de covid-19 no País, nenhuma atividade adicional ainda foi realizada.

A empresa afirma que tem disponibilidade para trazer o produto ao Brasil.”É importante ressaltar que após a autorização da Anvisa para registro e comercialização de autotestes no Brasil, as empresas interessadas devem submeter seus produtos para avaliação regulatória, seguindo os critérios definidos pela nova legislação. Neste sentido, ainda não é possível estimar o prazo para venda ao consumidor”, disse, em nota.

Questionada sobre o valor do autoteste, a empresa citou apenas que varia de acordo com cada país onde atualmente ele é comercializado. “Para o caso do Brasil, o preço dependerá de vários fatores a serem avaliados no momento apropriado”, acrescentou.

Após a liberação da Anvisa, a Vyttra Diagnósticos, empresa brasileira de fabricação e distribuição de equipamentos e reagentes para o mercado de diagnósticos in vitro, disse que está preparada para atender ao mercado nacional.

“Atualmente, já operamos em três turnos e contamos com uma capacidade produtiva de 500 mil testes rápidos por semana para covid-19. O autoteste será a adequação desse produto. Logo, assim que o estudo de usabilidade for aprovado pela agência, prosseguiremos com seu registro e fabricação. Nossa expectativa é a de que ele chegue às gôndolas no prazo máximo de um mês”, afirmou Rubens Freitas, CEO da empresa que já disponibilizou ao mercado nacional mais de 6 milhões de testes rápidos, sendo 1,5 milhão somente em janeiro deste ano com o avanço da variante Ômicron.

Ao consumidor, a Vyttra Diagnósticos pretende disponibilizar caixas com uma ou dez unidades de autotestes. Na embalagem, constarão todos os itens necessários para a realização do exame, assim como instruções de como devem ser utilizados.

Com relação aos preços, Freitas afirma que as farmácias irão determinar o preço ao consumidor final. “Acreditamos que o autoteste terá um preço mais baixo que os atuais testes disponíveis nas farmácias, uma vez que não há o envolvimento de um profissional de saúde durante o processo”, avaliou.

Outra fabricante, a Siemens Healthineers, que já fornece autotestes para os Estados Unidos, Europa e outros países desde 2021, afirma que está aguardando as normativas da Anvisa para colocar o requerimento de registro do autoteste de covid-19.

“O produto utiliza pequenos swabs nasais, sem necessitar da inserção na nasofaringe (o que geralmente incomoda os usuários). A proposta é ser mais confortável e seguro para o público”, disse, em nota.

De acordo com a estimativa da companhia,  os brasileiros poderão adquirir o exame em farmácias e outros pontos de venda autorizados, em cerca de poucas semanas após a aprovação. Segundo a diretoria da empresa, o tempo para disponibilização também depende, principalmente, do processo de registro do produto na Anvisa.

O autoteste CLINITEST Rapid COVID19 Antigen apresenta 99,3% de especificidade e sensibilidade de 86,5%, índices superiores aos exigidos pelo Ministério da Saúde. Tem o diagnóstico disponível em apenas 15 minutos, além da capacidade de também detectar a variante Ômicron, a que mais cresce em transmissão no Brasil.

Especialistas defendem uso do autoteste

Lauro Ferreira Pinto Neto, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Escola de Medicina da Santa Casa de Vitória, concorda que o autoteste de covid-19 é uma ferramenta a mais diante do atual cenário nacional e própria preocupação da população com diagnóstico da doença.

“A pandemia mudou um pouco a cultura do cidadão, pois ele quer saber o que ele tem. Existe preocupação com os riscos provocados pela doença respiratória aguda. Seja na rede pública ou privada, se tem covid-19 ou gripe, por exemplo. Qualquer ferramenta de diagnóstico confiável é favorável”, acredita.

Na opinião do especialista, um legado bom da pandemia seria ter uma maior rotina de diagnósticos de doenças respiratórias. “Os autotestes e também a maior disponibilidade de testes em redes públicas e privadas ajudam a facilitar o tratamento do paciente e evitariam uso desnecessário de remédios, que acabou se agravando durante a pandemia”, disse.

Para Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além do apagão do Ministério da Saúde, que não permite saber o que está acontecendo no País em termos de números exatos de casos e hospitalizações, também há um apagão em relação à testagem.

“A oferta de testes, ou a permissão para que tenhamos autotestes, é uma medida extremamente importante para que possamos aumentar o diagnóstico. A autotestagem é feita em muitos países com absoluto sucesso, sendo possível até ter rastreabilidade com QR code para que a pessoa reporte os dados no sistema do Ministério da Saúde”, avaliou.

O uso de autoteste da covid-19 já faz parte da rotina da brasileira Renata Moreira, que mora há oito anos na Alemanha. “Eu e meu marido fazemos o autoteste quando vamos visitar ou receber alguém em casa. Ou mesmo quando precisamos ir ao trabalho. No fim de 2020, meu marido precisou fazer o teste. Naquela época foi bem difícil fazer qualquer tipo de teste em qualquer local. Já no início de 2021, há um ano, tornou-se mais comum a venda até de autoteste”, disse. No país europeu, por exemplo, a unidade é vendida entre 5 e 2,4 euros, o que equivale a R$ 30,02 e R$ 14,49, respectivamente, valores menores que os estimados para a venda no Brasil.

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