Após Hong Kong, Bélgica e Holanda relatam possíveis casos de reinfecção de coronavírus.

Revelação foi feita por televisão local; cientistas pedem cautela na interpretação das descobertas.

Profissionais da saúde de Hong Kong com equipamentos protetores contra a Covid-19 – AFP.

Por Folhapress

Um dia após cientistas de Hong Kong terem anunciado um caso de reinfecção pelo coronavírus Sars-CoV-2, um canal de televisão holandês relatou dois novos possíveis casos de reinfecção, um na Bélgica e um na Holanda.

A divulgação do caso na Holanda foi feita por uma virologista do governo, Marion Koopmans. No entanto, a própria especialista disse que, para confirmar que se trata de uma recontaminação, os pesquisadores devem ser capazes de demonstrar que os códigos de RNA do vírus são diferentes.

Para confirmar a reinfecção, é preciso fazer uma análise do genoma dos dois vírus e comparar a sequência do RNA -molécula “prima” do DNA, com uma única fita- para ver se são de fato duas linhagens diferentes.

“O importante é saber qual a frequência de casos [de reinfecção] na população. A infecção [pelo coronavírus Sars-CoV-2] possui uma impressão digital, um código genético. As pessoas podem estocar por um bom tempo em seu organismo o vírus e excretar um pouco do material genético viral de tempos em tempos”, afirmou Koopmans.

Ela disse que o paciente holandês com aparente reinfecção é uma pessoa de idade e com sistema imunológico debilitado.

No caso de Hong Kong, o paciente, um homem de 33 anos, foi infectado em 26 de março e se recuperou da Covid-19 em 14 de abril. A segunda infecção, assintomática, foi detectada em um teste feito em aeroporto em 15 de agosto, quando ele voltava de uma viagem à Espanha. Ele apresentou anticorpos neutralizantes no sangue, adquiridos na primeira infecção, em exame sorológico.

A análise genética do material coletado nos dois períodos revelou uma sequência de RNA diferente, com pelo menos 23 nucleotídeos (elementos que compõem o material genético dos seres vivos) distintos.

Já o caso da Bélgica foi reportado pelo virologista Marc Van Ranst na noite de segunda-feira (24) e também está sob investigação. A informação divulgada é que o paciente não desenvolveu anticorpos suficientes no primeiro contágio, três meses atrás.

Em todo o mundo, investigações de casos suspeitos de reinfecção intrigam cientistas, que se debruçam em pesquisas para compreender não só como o organismo reage a uma segunda contaminação, mas também o processo de evolução e mutação do vírus na população.

Os primeiros casos reportados de possível reinfecção em fevereiro, no Japão, parecem casos de pacientes que continuaram a expelir material genético viral após um longo período de tempo.

Um estudo coreano avaliou pessoas que, após isolamento de 14 dias, foram acompanhadas e continuaram a eliminar o vírus nas vias aéreas respiratórias, mas possivelmente não transmitiam mais o vírus.

O estudo de Hong Kong foi o primeiro a efetivamente comprovar duas infecções distintas em um mesmo paciente. Os autores concluem que houve duas contaminações por linhagens distintas, mas estudos mais aprofundados serão necessários para compreender melhor a circulação do vírus e se esses casos podem influenciar no desenvolvimento de uma vacina.

Para Natália Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência, não há motivos para pânico com esses anúncios. “Na verdade, o que aconteceu é perfeitamente compatível com uma resposta imune protetora, e compatível com o que buscamos em vacinas”, escreveu em seu Twitter, ao explicar que uma segunda infecção assintomática é um sinal de provável proteção do corpo ao desenvolvimento da doença, mesmo que não impeça completamente a transmissão.

Outros especialistas reforçam essa ideia. A OMS (Organização Mundial da Saúde) não comentou os dois casos europeus, mas citou o exemplo de Hong Kong para reforçar o pedido de cautela. “Não precisamos tirar conclusões precipitadas, mesmo que este seja o primeiro caso de reinfecção documentado”, disse Maria Van Kerkhove, médica à frente da organização no combate ao coronavírus.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

O relato desse caso pode significar que uma possível reinfecção será mais branda do que a primeira?

Sim. Para os autores do artigo é provável que a segunda infecção do paciente de Hong Kong tenha sido assintomática devido a uma pequena quantidade de anticorpos residuais. Estudos têm mostrado que uma infecção pelo novo coronavírus produz células de memória imunológica em grande parte dos casos. Assim, quando o vírus entra em contato com o corpo novamente, o organismo consegue produzir defesas mais rapidamente para controlar o patógeno.

O que significam linhagens diferentes? São versões diferentes do mesmo vírus por causa de mutações?

Sim, os vírus passam por diversas mutações. Um estudo publicado em julho na revista Cell mostrou que o novo coronavírus já apresenta várias mutações na proteína em forma de espinho que o reveste e que ele usa para infectar células humanas. Algumas dessas mutações estariam tornando o vírus mais sensível ou mais resistente aos anticorpos neutralizantes conhecidos.

O fato de uma pessoa ter se contaminado duas vezes com duas versões do vírus pode significar que serão necessárias diferentes versões de uma futura vacina, assim como ocorre no caso da gripe?

Sim. Os pesquisadores de Hong Kong afirmam que é possível que uma vacina contra o Sars-Cov-2 pode não proteger para o resto da vida. Assim, novas doses e atualizações poderiam ser necessárias. Os cientistas defendem que estudos com a vacina devem incluir pessoas que já tiveram a Covid-19 e que a aplicação da imunização deve ser considerada para os ex-pacientes da doença também.

Nessa segunda infecção o coronavírus é igualmente transmissível?

Os cientistas de Hong Kong não investigaram se o vírus que causou a segunda infecção é mais transmissível do que outros.

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