Efeito no salário e no emprego depende de como a demanda por trabalho reage aos custos; nós não sabemos
Suponha que uma mudança na legislação faça com que a jornada de trabalho dos porteiros de edifícios passe de 6 para 5 dias por semana e que, de início, os salários mensais devam ser mantidos.
Prédios que empregavam 5 porteiros precisarão de 6 pessoas para fazer o mesmo trabalho. A medida, portanto, encarece o custo desse serviço. Assim, a mudança na legislação gera dois efeitos, que agem em direção opostas.
O primeiro é que alguns condomínios vão decidir trocar o serviço presencial de porteiros por um serviço de portaria remota, que utiliza tecnologia avançada para monitorar o edifício e emprega muito menos gente. Haverá demissões.
O segundo é que os condomínios que decidirem manter o serviço presencial de porteiros vão precisar de mais uma pessoa. Haverá contratações.
Vai haver mais demissões ou contratações? Aí depende de quanta gente vai trocar para o serviço de portaria remota. Eu não sei, e não acho que a gente saiba.
Se, com o salário mensal atual, houver mais contratações que demissões, o salário subirá. Se houver mais demissões, o salário cairá. Se a legislação determina que os salários devem ser mantidos, de início mais pessoas vão para o desemprego e para a informalidade, e, com o passar do tempo, essas pessoas vão entrar no mercado formal com salários menores.
Em suma, a mudança na lei torna o serviço de portaria presencial mais caro. Isso reduz a demanda por esse serviço e aumenta a demanda por outro que usa menos trabalho e mais tecnologia. O salário por dia trabalhado deve subir, mas o que acontece com o salário mensal depende de quanto a demanda reage ao preço do serviço.
Agora, vamos considerar que a lei afete outros setores da economia. Aí, surge mais um efeito.
As farmácias que empregavam pessoas trabalhando seis dias por semana serão afetadas da mesma forma. Com o tempo, devemos ter menos farmácias, talvez mais venda online, e as farmácias que continuarem operando vão contratar mais gente ou usar mais tecnologia. De qualquer forma, os custos aumentarão.
Assim como o serviço de portaria presencial ficará mais caro, os custos de bens e serviços desses outros setores afetados também ficarão. Em geral, com o tempo, isso se refletirá em preços mais altos.
Assim, se vários setores são afetados, temos realocações de pessoas na economia entre setores, o salário pode ir para qualquer lado, mas vários preços aumentam. Isso torna mais difícil que o salário mensal real seja mantido, mas tudo depende de como mudanças nos custos do trabalho afetam a demanda por trabalho.
Em geral, é difícil estimar esses efeitos. Um trabalho que consegue isolar e identificar esse impacto mostra que na França, há 40 anos, uma redução na jornada de trabalho gerou desemprego —como bem colocado por Cecilia Machado em sua coluna na Folha nesta segunda (18).
Não é claro, porém, se o resultado se aplica ao Brasil de hoje. Sim, hoje há muita tecnologia para substituir trabalho, mas a pergunta é sobre quanto essa substituição é sensível ao salário.
Eu acho que nós não sabemos.
A maioria das pessoas no debate aparenta ter muita certeza sobre o que deve ser feito. Creio que estejam errados. Deveríamos reconhecer a incerteza, considerar mudanças pequenas, graduais e aprender com a experiência.
Por: Bernardo Guimarães
Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP (Folha de São Paulo)