O documento propõe inficiamentos de deputados e Fake News
BRASÍLIA (FOLHAPRESS)
A cúpula da CPI da Covid reagiu às falas dos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que haviam criticado a inclusão de parlamentares no relatório final da comissão.
O documento propõe o indiciamento de vários deputados e de um senador por disseminação de fake news, tipificada como incitação ao crime.
O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que as falas dos parlamentares, em particular propagando o negacionismo, não podem ser enquadradas como liberdade de expressão e que eles induziram a população à morte.
“Liberdade de expressão não é libertinagem de expressão”, afirmou o senador, após reunião nesta quinta-feira (28) para a entrega do relatório final da comissão no TCU (Tribunal de Contas da União).
Aziz e outros membros da comissão ainda se reuniram com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, para a entrega do documento final do colegiado. Fux informou em nota que não comentaria o conteúdo do relatório da CPI, “uma vez que o STF pode ser instado a análisá-lo”.
As falas do presidente da comissão acontecem um dia após os presidentes das Casas legislativas criticarem em plenário as propostas de indiciamento de parlamentares feitas em relatório da CPI da Covid.
Lira fez o discurso mais contundente a esse respeito, quando disse que era motivo de “grande indignação” e que era “inaceitável” a proposta de indiciamento de deputados federais.
Pacheco, por sua vez, havia considerado um “excesso” a inclusão do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) —depois retirado— e disse que existe uma prerrogativa de inviolabilidade parlamentar “em razão de palavras, opinião e votos”
A cúpula da CPI foi questionada sobre o assunto após reunião com a presidente do TCU, Ana Arraes.
Especificamente sobre a fala de Lira, Aziz disse que havia conversado com o presidente da Câmara, que na ocasião apenas teria alertado que não havia precedente porque não há uma legislação sobre propagação de fake news.
“Liberdade de expressão é uma coisa, indução à morte é outra. Um parlamentar tem de ter responsabilidade com o que fala para a população, não pode sair dizendo que cloroquina salva”, afirmou o presidente da CPI.
Aziz ainda criticou indiretamente Pacheco, que havia mencionado a palavra “excesso” sobre a proposta de indiciamento de Heinze.
“Se alguém tem o entendimento de que há excesso, eu acho que é pouco”, retrucou Aziz, que estava acompanhado do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e do vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Os membros da cúpula da comissão afirmaram que não vão entregar o relatório final para Lira, argumentando que isso nunca esteva nos planos —embora anteriormente haviam afirmado o contrário.
Disseram que caberá a outras pessoas usar os crimes de responsabilidade apontados no relatório para embasar pedidos de impeachment.
Renan ainda indicou que a reação de Lira se daria porque a CPI avançou sobre esquemas de corrupção de seu partido, o PP, no Ministério da Saúde. Ainda disse que a comissão abriu caminhos de investigação que podem detectar envolvimento do presidente da Câmara no caso de emendas de relator, as chamadas RP9.
“Não há como aprofundar investigação e silenciar diante disso. O papel da CPI é esse. O Lira tem muita preocupação com o que pode vir de investigação sobre o RP9, que são emendas que ele coordena, isso pode trazer à tona o maior escândalo do Brasil”, disse.
“Ele não pode estar tentando interferir [no relatório], ele não tem nada a ver com isso. O papel dele é defender a Casa e não defender a impunidade”, complementou.
Os membros da comissão também comentaram reportagem da Folha de S.Paulo, que mostrou que membros do gabinete do procurador-geral da República, Augusto Aras, veem que as conclusões do relatório final da comissão seriam “temerárias”, embora houve “abundância de provas”.
“Não sei como pode caber na mesma frase abundância de provas e conclusões temerárias”, disse o vice-presidente Randolfe.
“Mas, se há abundância de provas, então eles podem usar essas provas nas próximas investigações, independente das conclusões do relatório”.
Randolfe também comentou a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro de recorrer ao Supremo contra a decisão da CPI de suspender as contas do chefe do Executivo das redes sociais e de quebrar seu sigilo telemático.
A medida foi incluída no relatório final da comissão. Além disso, a CPI enviou uma medida cautelar ao STF pedindo o banimento do presidente da República, a quebra de seus sigilos da redes sociais e retratação do chefe do Executivo de fala em que associou a vacina contra a Covid-19 à Aids.
“Causa espanto que o presidente não pediu para embargar as acusações de crime de humanidade, de epidemia, mas quando pede para suspender as redes sociais ele entra com um mandado de segurança. tem muito significado”, afirmou Randolfe.
Durante o encontro no TCU, os senadores pediram o avanço de investigação sobre a gestão dos hospitais federais do Rio de Janeiro e também sobre a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias ao SUS), por sua posição suspeita a respeito dos medicamentos do chamado “kit Covid”.
Sobre os hospitais, os membros mencionaram que o ex-governador do Rio Wilson Witzel disse em depoimento que essas unidades tinham “donos” e insinuou participação do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho mais velho do presidente.
“Eles nos prometeram entregar os CPFs desses donos”, disse Aziz.
Após a reunião no TCU, os membros da comissão foram para a Procuradoria da República do Distrito Federal, onde afirmam que vão correr a maior parte das investigações apontadas no relatório final.
Citaram como exemplo eventos ligados à Precisa Medicamentos, ao ex-ministro Eduardo Pazuello e ao ex-secretário-executivo da Saúde Élcio Franco.
“Nós abrimos a caixa de Pandora e os demônios estão sendo descobertos nas operações seguintes. Eu saúdo essa operação da PF [contra a Precisa Medicamentos, nesta quinta-feira, 28] e por isso que estamos fazendo questão de entregar um a um às autoridades que vão completar as investigações”, disse Randolfe.
Durante entrevista a jornalistas, na frente da Procuradoria, passou um carro buzinando para atrapalhar a fala e o motorista xingou a mãe de Renan Calheiros. O senador reagiu com simpatia: “Para vocês verem como os bolsominions são educados”.
Horas mais tarde, após o encontro no Supremo, os senadores afirmaram que a reunião serviu para entregar o relatório final e também agradecer o ministro Fux sobre decisão que teria contribuído com o trabalho da CPI, ao delimitar o direito ao silêncio dos depoentes.
Os membros da CPI afirmam que uma das dificuldades anteriores é que os depoentes obtinham habeas corpus e por isso simplesmente se calavam durante as sessões. Após a decisão, ficou definido que eles apenas poderiam usufruir do direito ao silêncio nos casos em que poderiam se autoincriminar.
“Inaugurou uma nova fase da doutrina”, afirmou Randolfe, acrescentando que a decisão estabeleceu o “não absolutismo do direito fundamental ao silêncio”.
Aziz também afirmou que tratou com Fux questões de mudanças na legislação, como a proposta de incluir no ordenamento jurídico brasileiro a tipificação do crime de genocídio. Também acrescentou que ambos discutiram o aperfeiçoamento do regramento jurídico para os casos de pandemia.
Randolfe também disse que informou o presidente do STF sobre a intenção da comissão de fazer uso de uma ação penal privada subsidiária, em casos de omissão ou morosidade da Procuradoria-Geral da República para tratar das recomendações de indiciamento previstas no relatório final.
“Após os encontros de ontem [com o ministro Alexandre de Moraes] e de hoje, estamos convencidos a continuar tendo no horizonte essa estratégia”, afirmou.
O senador Humberto Costa (PT-PE) também ressaltou que a comissão já encaminhou para a PGR, de forma fatiada, as partes do relatório final referentes a autoridades com foro privilegiado. Costa pediu que a Procuradoria-Geral da República comece a análise com as questões referentes ao presidente Jair Bolsonaro.
Na sessão desta quinta, o plenário do Senado aprovou a criação da Frente Parlamentar Observatório da Pandemia. A sugestão foi apresentada por Aziz e Randolfe.
O grupo terá o objetivo de fiscalizar e acompanhar os desdobramentos jurídicos, legislativos e sociais da CPI. Inicialmente, ele deverá ser presidido por Aziz e poderá contar com a colaboração de organizações da sociedade civil.
Também caberá ao observatório o recebimento de novas denúncias sobre irregularidades no combate ao coronavírus e aprovar projetos para relacionados ao combate de pandemias.