Ministério das Relações Exteriores sob o governo Putin disse que dará acesso consular ao repórter
Folha de São Paulo
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu nesta sexta-feira (31) a libertação do repórter do Wall Street Journal, Evan Gerchkovitch, preso sob a acusação de Moscou de espionar segredos militares para Washington.
“Deixe-o ir”, disse Biden a repórteres ao deixar a Casa Branca para uma viagem ao Mississippi. Questionado se iria expulsar diplomatas russos após a detenção de Gerchkovitch, o presidente disse que esse não era o seu plano por enquanto. Já o WSJ pede uma “escalada diplomática e política”, com a expulsão do embaixador russo nos EUA, assim como de todos os jornalistas russos.
Mais tarde, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia afirmou que dará acesso consular ao jornalista. Em entrevista à imprensa russa, a porta-voz do ministério, Maria Zakharova, disse que os EUA não fizeram nenhuma tentativa de entender o que aconteceu com Gerchkovitch.
“Eles imediatamente se voltam para ameaças e represálias contra jornalistas russos. Se essa lógica continuar no espaço público, eles colherão um redemoinho”, disse Zakharova.
Serviço de segurança da Rússia, o FSB havia anunciado na quinta (30) a detenção do jornalista, um americano de origem russa de 31 anos. Ele foi preso em Iekaterinburgo, cidade na divisa entre as porções europeia e asiática do país. O órgão disse, sem fornecer provas, que ele estava “colhendo informações classificadas como segredo de Estado sobre uma fábrica militar”.
O WSJ negou as acusações e disse buscar a imediata libertação de seu “confiável e dedicado repórter”. A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, chamou as acusações de espionagem de “ridículas”.
Uma corte moscovita determinou que ele fique preso pelo menos até o dia 29 de maio, quando haverá uma audiência sobre o caso. Seu advogado, Daniil Berman, disse não ter acesso ao tribunal —que alegou, por sua vez, já haver um representante da defesa indicado pelo Estado.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, criticou Moscou. “Nos mais duros termos possíveis, nós condenamos as contínuas tentativas do Kremlin de intimidar, reprimir e punir jornalistas e vozes da sociedade civil”, disse, complementando que está tentando resolver o caso.
Segundo a agência Reuters, o cientista político Iaroslav Chirchikov, de Iekaterinburgo, disse que foi entrevistado por Gerchkovitch há duas semanas acerca de atitudes locais ante o grupo mercenário Wagner, que luta pela Rússia na Ucrânia.
Pelo relato, ele iria visitar a cidade vizinha de Níjni-Tagil, onde há uma fábrica de tanques, mas para falar com moradores sobre o Wagner. “Ele não era um inimigo da Rússia”, afirmou.
Essa é a primeira detenção de um jornalista americano na Rússia desde 1986, e o mais grave caso do gênero desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro do ano passado. Desde então, há assédio a repórteres —que, em grande parte, deixaram o país e foram substituídos por profissionais russos, que já conviviam com uma crescente repressão interna à liberdade de imprensa.
Para o jornal, o momento da prisão parece calculado para “causar constrangimento aos EUA e intimidar a imprensa estrangeira que ainda trabalha na Rússia”. “O Kremlin tem intimidado o trabalho jornalístico na Rússia, então os correspondentes estrangeiros são as últimas fontes independentes de notícias”, afirma o jornal.
O governo de Vladimir Putin fez pouco do caso. “É um assunto do FSB”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ressaltando que tudo indicava que o jornalista havia sido “pego em flagrante”. Já Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que a apuração de Gerchkovitch “não era relacionada a jornalismo” e que é usual o emprego de disfarce de repórter para espionagem.
Para o Kremlin, o repórter preso se torna um ativo valioso para eventual libertação de russos detidos no exterior. Pouco antes da guerra, por exemplo, a jogadora de basquete americana Brittney Griner foi presa sob acusação de posse de drogas em um aeroporto moscovita. Ela só foi solta em dezembro, trocada pelo notório traficante de armas Viktor Bout, que cumpria 25 anos de cadeia nos EUA.
Com Reuters