Bolsonaro diz à PF que Moro usou indicação ao STF para negociar comando da polícia

Presidente foi ouvido na noite desta quarta-feira (3) em inquérito em andamento no Supremo

O presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Justiça, Sergio Moro, em cerimônia de lançamento da campanha de divulgação do projeto anticrime, elaborado por Moro, no Palácio do Planalto . Folhapress/Pedro Ladeira

Por Folhapress

BRASÍLIA

A Polícia Federal interrogou o presidente Jair Bolsonaro na noite desta quarta-feira (3) no Palácio do Planalto sobre a acusação de interferência política dele na corporação.

Nesta semana venceria o prazo de 30 dias estipulado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), para que fosse colhido o depoimento do presidente.

Termo de declaração N° 5028199/2021

Bolsonaro é suspeito de interferir na cúpula da corporação para proteger parentes e aliados, suspeita levantada pelo então ministro da Justiça Sergio Moro em abril do ano passado, quando pediu demissão do cargo justamente por causa das alegadas interferências do presidente.

No depoimento desta quarta, Bolsonaro negou interferência na PF e afirmou que trocou seu comando por uma questão de diálogo.

“Nunca teve como intenção, com a alteração da direção geral [da PF], obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal”, afirmou o presidente, segundo transcrição da PF.

Ainda disse que Moro teria concordado com a nomeação do delegado Alexandre Ramagem, atualmente na direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), para o comando da PF desde que isso ocorresse após sua indicação para vaga de ministro do STF.

As declarações do presidente ocorreram a uma semana da anunciada filiação do ex-ministro ao Podemos. Ele é apontado como pré-candidato à Presidência.

Moro rebateu as afirmações de Bolsonaro. Disse que “jamais” condicionou eventual troca no comando da PF a uma eventual indicação ao Supremo.

“Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como ministro”, afirmou, em nota enviada por sua assessoria de imprensa.

“Aliás, nem os próprios ministros do governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo presidente da República. Quanto aos motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem.”

No depoimento, Bolsonaro disse que em meados de 2019 solicitou a Moro a troca do então diretor-geral da Polícia Federal “em razão da falta de interlocução” que havia entre ele e o delegado Maurício Valeixo.

“Não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo Valeixo, apenas uma falta de interlocução.”

​O presidente afirmou que indicou Ramagem “em razão da sua competência e confiança construída ao longo do trabalho de segurança pessoal” durante a campanha eleitoral de 2018.

Em nota, o advogado Rodrigo Sánchez Rios, representante de Moro, disse que a defesa foi surpreendida pela notícia de que o presidente prestou depoimento “sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada previamente”.

Isso, segundo o advogado, impediu seu “comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes, nos moldes do que ocorreu por ocasião do depoimento prestado pelo ex-ministro em maio do ano passado”.

“A adoção de procedimento diverso para os dois coinvestigados não se justifica, tendo em vista a necessária isonomia entre os depoentes”, afirmou o advogado de Moro.

O ex-ministro da Justiça também considerou “impróprio” que o presidente tenha sido ouvido sem que seus advogados tenham sido avisados e pudessem fazer perguntas.

A demissão de Moro do governo Bolsonaro foi revelada pela Folha. Segundo declarações do ex-ministro à época, Bolsonaro o pressionou pela mudança no comando da PF em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril do ano passado, quando pediu para sair do cargo.

Além de tentar emplacar Ramagem no comando da PF em Brasília, Bolsonaro tentou forçar a substituição do chefe da corporação no Rio de Janeiro, base eleitoral do presidente e de dois dos seus filhos —o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

Em relação aos três últimos tipos penais listados por Aras, o alvo da apuração é o próprio Moro.

O ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato reafirmou as acusações feitas ao pedir demissão do Executivo e detalhou sua relação com Bolsonaro. Sobre a suposta intromissão no trabalho da polícia, Moro revelou que, por mensagem, o presidente cobrou a substituição na Superintendência da PF no Rio de Janeiro.

“Moro você tem 27 superintendências [estaduais], eu quero apenas uma, a do Rio”, disse Bolsonaro pelo WhatsApp, segundo transcrição do depoimento de Moro à PF.

Além disso, o ex-ministro ressaltou que o chefe do Executivo teria reclamado e demonstrado a intenção de trocar a chefia da corporação em Pernambuco.

O formato do depoimento que Bolsonaro deveria prestar à PF seria alvo de julgamento do STF no mês passado, mas o chefe do Executivo, após resistir por mais de um ano, manifestou interesse em fazê-lo presencialmente.

Após apuração da PF, a PGR irá avaliar se cabe acusação contra Bolsonaro. Caso isso ocorra, esse pedido vai para a Câmara, que precisa autorizar sua continuidade, com voto de dois terços.

Em caso de autorização, a denúncia vai ao STF —que, se aceitar a abertura de ação penal, leva ao afastamento automático do presidente por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigado.​

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