Sem citar nominalmente Txai Suruí, presidente afirma que ativista foi a reunião global para substituir cacique Raoni
Por Folhapress
Ricardo Della Coletta
Marianna Holanda
BRASÍLIA
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou, nesta quarta-feira (3), que a líder indígena Txai Suruí foi à COP26 para “atacar o Brasil”.
A ativista de 24 anos fez história ao discursar na abertura da reunião global do clima da ONU, na segunda-feira (1º) em Glasgow.
Diante dos olhos do mundo e na presença de líderes como o britânico Boris Johnson, Suruí defendeu a participação dos povos indígenas nas decisões da cúpula do clima e lembrou o assassinato do amigo Ari Uru-Eu-Wau-Wau.
Em conversa com apoiadores nesta quarta, Bolsonaro não citou Suruí nominalmente.
“Estão reclamando que eu não fui para Glasgow. Levaram uma índia para lá —para substituir o [cacique] Raoni— para atacar o Brasil. Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu atacando a França porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. Alguém viu o americano criticando as queimadas lá no estado da Califórnia. É só aqui”, queixou-se Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada.
Em seu discurso na COP26, a ativista ressaltou os efeitos do aquecimento global e mencionou o assassinato de defensores do meio ambiente.
“Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”, disse.
“Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza”, afirmou Suruí. “Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui.”
O relatório mais recente da ONG Global Witness aponta que o Brasil é o 4º país com mais assassinatos de defensores ambientais. Os dados apontam para mais de 70% dos casos na Amazônia e metade deles tendo como alvo povos tradicionais indígenas e ribeirinhos.
Suruí é filha de Almir Suruí, 47, uma das lideranças indígenas mais conhecidas do país e duro crítico do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Por causa dessas críticas, foi perseguido. No final do ano passado, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, pediu à Polícia Federal a abertura de um inquérito para investigar “crime de difamação” que teria sido cometido por duas associações ligadas a seu pai.
O motivo foram críticas à atuação do órgão indigenista federal no combate à Covid-19. O caso, revelado pelo UOL, acabou arquivado em maio.
Durante seu discurso na Assembleia-Geral da ONU em 2019, Bolsonaro criticou o cacique Raoni Metuktire, outra liderança indígena crítica a seu governo.
“A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o Cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”, declarou Bolsonaro na ocasião.