O próprio presidente relembra da falta de evidências sobre o remédio no combate à Covid-19, mas faz propaganda: “eu confio na hidroxicloroquina, e você?”
Por João Conrado Kneipp – Yahoo Notícias.
O presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo nas redes sociais no qual aparece tomando o que diz ser uma dose do medicamento hidroxicloroquina, sem eficácia científica comprovada até agora contra o novo coronavírus. O próprio presidente relembra da falta de evidências sobre o remédio no combate à Covid-19, mas faz propaganda: “eu confio na hidroxicloroquina, e você?”.
O anúncio do resultado positivo foi feito pelo próprio Bolsonaro na tarde desta terça-feira (7), em entrevista restrita a três veículos de comunicação no Palácio da Alvorada, em Brasília, na qual alegou ter sentido mal estar, cansaço, um pouco de dor muscular e febre de 38ºC durante a segunda-feira. Um exame feito no HFA (Hospital das Forças Armadas) confirmou o diagnóstico do novo coronavírus.
Bolsonaro disse aos repórteres que tomou duas doses da medicação hidroxicloroquina combinada com o antibiótico azitromicina, e que teria sentido uma leve melhora durante a madrugada. No vídeo, o presidente diz que está tomando sua terceira dose e que tem melhorado.
“Estou tomando aqui a terceira dose da hidroxicloroquina (risos). Tô me sentindo muito bem, estava mais ou menos no domingo, mal na segunda-feira e hoje, terça, estou muito melhor do que sábado. Então está dando certo”.
Ao fim, Bolsonaro relembra que não há eficácia comprovada no tratamento da Covid-19 pela hidroxicloroquina, mas insiste em fazer propaganda do medicamento dando seu caso como prova.
“Sabemos que hoje em dia existem outros remédios que podem ajudar a combater o coronavírus. Sabemos que não há uma eficácia cientificamente comprovada, mas está aqui mais uma pessoa que está dando certo. Eu confio na hidroxicloroquina, e você? Valeu, tamo junto”, finaliza ele.
Mesmo sem comprovação científica, o Ministério da Saúde recomenda o uso da azitromicina em tratamento precoce de pacientes adultos diagnosticados com a covid-19 nos primeiros cinco dias após aparecerem os sintomas, junto com a cloroquina ou o sulfato de hidroxicloroquina.
BOLSONARO NA CONTRAMÃO DA CIÊNCIA
As declarações de Bolsonaro sobre os benefícios da hidroxicloroquina, cloroquina e do antibiótico azitromicina colidem com as orientações de entidades médicas de todo o mundo.
Apesar de o Ministério da Saúde, a pedido do presidente, recomendar o tratamento da Covid-19 com essas medicações, entidades como a OMS (Organização Mundial de Saúde) não apoiam essas medidas, pois apontam que não há comprovação científica para tal.
Além disso, diversos testes com cloroquina e hidroxicloroquina foram suspensos, após não apresentarem bons resultados no combate ao novo coronavírus.
Em 30 de junho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota para alertar sobre os riscos desses tratamentos precoces. “Nos últimos dias, muito tem se divulgado nas redes sociais a respeito do uso de medicamentos para a covid-19. Várias destas divulgações que circulam nas mídias sociais são inadequadas, sem evidência científica e desinformam o público”, diz o comunicado.
A principal orientação das sociedades brasileiras da área da saúde, diante da ausência de um medicamento comprovadamente eficaz, é que o médico decida individualmente o tratamento que adotará, sempre citando os benefícios e riscos para o paciente. As medidas terapêuticas devem ser definidas conforme as necessidades e respostas de cada caso, sem que haja a imposição do uso de qualquer remédio.
Há meses, o presidente defende o uso da hidroxicloroquina e cloroquina no enfrentamento à Covid-19. Ele afirma que se trata da melhor alternativa por não haver nenhum medicamento comprovado contra o novo coronavírus.
No entanto, entidades como a OMS, a FDA (equivalente americana à Anvisa), a Sociedade Americana de Infectologia (IDSA) e o Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano (NIH) recomendaram, em meados de junho, que os profissionais de saúde não usem cloroquina ou hidroxicloroquina em pacientes com a covid-19, exceto em pesquisas clínicas.
Anteriormente, a FDA havia autorizado o uso da cloroquina e derivados nos Estados Unidos para tratar a covid-19 em caráter emergencial, tendo como base estudos preliminares, sem passar por todos os testes necessários. Porém, desde a aprovação emergencial, o avanço das pesquisas trouxe evidências sólidas de que o remédio não melhora os quadros de pessoas em estado grave. Diversos efeitos colaterais, como problemas cardíacos, foram relatados. A revisão mais recente da FDA diz que o uso das substancias foi associado a relatos de arritmia cardíaca, problemas linfáticos e sanguíneos, nos rins e fígado.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Infectologia, o relatório preliminar de um grande estudo coordenado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, apontou que as medicações não trouxeram benefícios para pacientes hospitalizados.
A utilização da cloroquina e hidroxicloquina em casos de covid-19 leves ou moderados está em estudo e ainda não há resultados. Por não haver comprovação científica, entidades de saúde apontam que o uso dessas medicações é arriscado.
Já os estudos com a azitromicina apontaram que seu uso indiscriminado e inadequado favorece a resistência bacteriana. Os efeitos do antibiótico em pacientes com a covid-19 ainda não foram comprovados cientificamente.