Brasil e China avançam em acordo para comércio sem uso do dólar dos Estados Unidos

A ideia é que as transações sejam feitas diretamente entre o real e o yuan, em linha com uma das bandeiras do presidente Xi Jinping de aumentar a participação da moeda china no mercado global

Governos da China e do Brasil negociam para que o comércio entre os dois países seja feito diretamente entre o real e o yuan, excluindo o dólar das transações.­ Foto: Clayton de Souza/Estadão

Estadão

ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM – O governo da China e o governo do Brasil avançaram nas últimas semanas na negociação para que o comércio e investimentos entre os dois países seja feito diretamente entre o real e o yuan (RMB), o que exclui o dólar dos Estados Unidos das transações.­ O governo da China já indicou qual banco fará o papel de clearing house, a unidade autorizada a realizar essas transações no Brasil. Esse mecanismo financeiro não existe ainda no País.

Reduzir a dependência do dólar e aumentar a circulação do yuan é uma das linhas de atuação da política externa e financeira da China. Recentemente, o governo do presidente Xi Jinping firmou acordos com Arábia Saudita e Rússia para o uso do yuan no comércio, o que amplia a participação da divisa chinesa no mercado financeiro global, num contexto de disputas comerciais e geopolíticas com os Estados Unidos. O RMB tem cerca de 2% de participação nos pagamentos globais, em crescimento principalmente no entorno do gigante asiático.

No fim de janeiro, os bancos centrais dos dois países haviam assinado um memorando para estabelecer uma clearing house no Brasil. Na prática, trata-se de um banco escolhido pelo governo chinês – o ICBC – para operar pela primeira vez no País como clearing house. Trata-se de um banco com liquidez na moeda chinesa para fazer a compensação das divisas diretamente, sem transacionar pelo dólar, e que podem ser usados por importadores e exportadores.

Há cerca de 25 unidades semelhantes no mundo. Na América do Sul, o Chile possui um acordo similar, assim como a Argentina. Os Estados Unidos também possuem uma clearing house para fazer troca direta da moeda, indicada pelo Banco Central da China. O empresário no Brasil receberá em yuan e fará nesse banco a troca pelo real.

A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, destacou nesta quarta-feira, dia 29, que “a maior previsibilidade das taxas de câmbio” é muito importante para investidores e comerciantes. Segundo ela, os impostos de câmbio são dois dos elementos mais questionados por parceiros chineses no Brasil, e o comércio em moeda local pode contribuir para o incremento das trocas bilaterais. A balança comercial alcançou U$ 150 bilhões no ano passado, e os investimentos diretos da China no Brasil chegaram ao acumulado de U$ 70 bilhões.

Além disso, ela celebrou o avanço de tratativas para que um banco brasileiro possa ingressar no sistema de pagamentos chinês.­ O BNDES também planeja lançar novas linhas de financiamento para o comércio bilateral.

“Esses elementos reduzirão os custos de transação para trocas entre real e RMB, e são um elemento a mais nesse adensamento das relações”, disse Rosito, em Pequim. As declarações foram dadas no Fórum de Negócios Brasil-China, realizado nesta quarta-feira, dia 29, em Pequim, com cerca de 523 participantes, entre autoridades dos dois governos e empresários.

A secretária, que representava o Ministério da Fazenda, disse a jornalistas que o estabelecimento do banco autorizado pelos chineses para fazer as transações entre as moedas locais diretamente é um “primeiro passo”, tornando-se mais uma opção para os negócios, embora não seja obrigatório realizar os pagamentos dessa maneira. Ela disse que as próprias clearing houses podem ter limitações na capacidade de atender os negociantes agora. “Com isso, você diminui custos de transação”, afirmou Rosito. “Tem que construir o desejo das empresas brasileiras, por várias razões, a passar a usar essa moeda. Pode interessar sim para muitos empresários, sobretudo quando isso representar queda de custos nas transações, seja com financiamento, comércio exterior ou investimento.”

As empresas teriam que se adaptar internamente para usar o yuan e que gradativamente um mercado se formaria com mais liquidez no Brasil. “O passo é por enquanto pequeno, mas vai de encontro em coisas que já existem na América Latina e na Europa. É uma oportunidade de reduzir custos, nesse sentido é benéfico”, disse Rosito.

A vice-ministra de Comércio da China, Guo Tingting, também celebrou os avanços no memorando para estabelecer uma clearing house para uso do RMB (yuan). Ela disse que os países são parceiros estratégicos e tem um relacionamento “modelo”.

Além disso, afirmou que o governo brasileiro para uma feira de negócios em setembro. Tingting afirmou que a parceria entre os países avança por meio de contratos como os investimentos da Huawei em fornecimento de infraestrutura de redes de telecomunicações no Brasil, da BYD em uma fábrica de automóveis que pertencia à Ford na Bahia, e a venda de aeronaves comerciais da Embraer para companhias aéreas chinesas. “Somos parceiros estratégicos. Num cenário de mudanças sem precedentes, nosso relacionamento é um modelo de relacionamento entre países”, disse a vice-ministra Tingting.

Empresários ouvidos pela reportagem dizem que os efeitos ainda não estão claros. O Ministério da Fazenda entende que o uso da moeda chinesa poderá reduzir custos.

Um executivo de um dos maiores frigoríficos do País disse que o acordo poderá ser interessante se o fato de não envolver o dólar permitir o acesso a linhas de financiamento para exportação, em bancos chineses, com taxas de juros mais baixas.

Para exportadores do agronegócio nacional, o uso do dólar pode ser vantajoso, pois além de receberem na moeda norte-americana e terem despesas em real, reduz o chamado custo Brasil.

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