Exército demorou 17 horas para conter ação de extremistas do Hamas que deixou dezenas de civis mortos
Folha de São Paulo
Até o último fim de semana, Be’eri, no sul de Israel, era conhecida pela relativa prosperidade de seus moradores, graças à propriedade compartilhada de uma empresa de impressão na cidade. Agora, é cenário de uma atrocidade.
O kibutz, a apenas 5 km da fronteira de Gaza, testemunhou uma das violências mais horríveis cometidas por terroristas do Hamas durante sua incursão em Israel no último sábado (7).
O Financial Times verificou evidências do sistema de vigilância da cidade, imagens de celular e depoimentos de testemunhas para revelar como terroristas armados assumiram o controle da cidade no início da manhã de sábado e assassinaram pelo menos 110 dos seus 1.200 moradores, controlando o local por cerca de 17 horas.
O grupo de segurança do kibutz, voluntários e soldados de folga foram sobrecarregados. Membros da comunidade se esconderam em sótãos, armários e abrigos antiaéreos enquanto dezenas de terroristas armados com rifles de assalto e lançadores de granadas percorriam as ruas em grande parte sem oposição, levantando questões sobre a preparação do Exército israelense para um ataque.
À medida que os homens do Hamas se espalhavam vindo de Gaza, um civil israelense, Tomer Shpirer, 37, de outra cidade, estava andando de bicicleta nas colinas ao redor de Be’eri com amigos. Sua mãe ligou para ele às 6h30, segundo seu tio Simon Cifuentes, enquanto os morteiros já estavam caindo.
“Mãe, não se preocupe”, disse Shpirer. “Estou voltando para casa agora, não vou ficar nem mais um minuto.”
Moradores de Be’eri também começaram a receber ligações frenéticas de parentes ansiosos que começaram a ouvir falar da violência perto de Gaza. Ahal Besorai, 60 anos, que é do kibutz, mas agora mora nas Filipinas, ligou para seu pai e irmãs lá.
6H55: HOMENS ARMADOS NOS PORTÕES
Uma câmera de segurança acima do portão de entrada principal da vila cercada mostra dois homens armados tentando entrar no kibutz às 6h55 de sábado, 7 de outubro —no meio do sábado judaico em um fim de semana de feriado.
Análises do FT e relatos em primeira mão indicam que os horários nas imagens do circuito fechado de TV estão uma hora adiantados. A reportagem sobre esta história reflete os horários em que acreditamos que os eventos ocorreram.
Divulgado por um canal do Telegram chamado “South First Responders” e verificado pelo FT, o vídeo da câmera de segurança mostra os homens fortemente armados lutando para contornar as cercas de arame farpado e o portão do kibutz. Depois de tentar passar por baixo da barreira, um deles invade uma guarita desocupada. Quando um veículo Mazda azul se aproxima, os homens se escondem e o portão começa a se abrir.
O vídeo do circuito interno de TV mostra então os dois homens emboscando o carro e disparando vários tiros pelas janelas laterais. Com seus ocupantes mortos, o veículo perfurado de balas avança e os homens entram no kibutz.
Às 7h04, uma câmera diferente a cerca de 300 metros de distância mostra os dois terroristas caminhando calmamente por uma praça no centro de Be’eri. A cidade parece vazia.
Enquanto isso, ciclistas chegam ao estacionamento de Be’eri, ouvem tiros e se protegem, de acordo com o relato de Cifuentes transmitido a ele pelos sobreviventes. Eles veem um grupo de pessoas fugindo do ataque ao festival de música eletrônica próximo. Percebendo que a situação estava se intensificando, os ciclistas fogem em direções diferentes.
A maioria dos moradores ainda está dormindo, mas ao ouvir barulhos de foguetes e tiros, seu primeiro instinto é correr para o mamad de suas casas —uma espécie de bunker em uma sala que muitas comunidades fronteiriças israelenses construíram em suas casas. Alguns permanecerão lá pelas próximas 24 horas.
De acordo com um site interno mantido pela comunidade, todas as residências foram equipadas com esse tipo de sala segura até 2011. Esses abrigos teriam oferecido proteção contra bombardeios aéreos, mas a maioria não foi projetada para um ataque terrestre.
Antes da violação em massa da barreira de segurança de alta tecnologia de Israel por parte do Hamas, comunidades como Be’eri só lidavam com “infiltrações” ocasionais de palestinos solitários que conseguiam atravessar sem serem detectados pela vigilância da fronteira.
Fora de Be’eri, Shpirer é ferido por tiros disparados por terroristas contra seu carro. Ele liga para um amigo, afirmou seu tio, e diz: “Não vou conseguir. Diga à minha esposa e família que eu os amo”.
A mãe de Shpirer liga para ele repetidamente. O telefone é atendido por terroristas do Hamas que a insultam em árabe. Ela diz: “Tomer, Tomer, você está bem? Você está bem?” Os terroristas respondem zombeteiramente em hebraico: “O nome dele é Tomer. Como você está, Tomer? Como você está?”
08H06: TERRORISTAS PERCORREM A COMUNIDADE
Uma hora depois, oito outros terroristas armados com fuzis se aproximam do Mazda azul e de um Toyota branco em motocicletas por uma estrada dentro do kibutz e inspecionam os carros.
Os homens armados andam e passeiam pelas ruas, retornando alguns minutos depois para retirar um passageiro morto do Mazda. Eles reviram as bolsas do banco de trás. Um deles encontra um telefone celular e o coloca no bolso.
Às 10h06, a mesma câmera mostra dois terrorista diferentes retirando os outros dois corpos do carro. Eles entram no veículo, o viram e saem do kibutz.
Às 10h33, um SUV branco para ao lado das vítimas. Dois homens saem e colocam um dos corpos na parte de trás do carro. O SUV, que está registrado em Gaza, então dá marcha a ré e parte do kibutz.
10H30-11H: RESIDENTES EXECUTADOS
Ao mesmo tempo, um vídeo de celular mostra pelo menos oito homens armados conduzindo quatro reféns ao longo de uma rua no lado oposto do kibutz.
Um vídeo subsequente mostra os mesmos quatro reféns mortos no canto da rua a poucos metros de distância, enquanto homens do Hamas circulam pelas casas e passeiam de motocicletas e em um veículo de construção. O FT borrou as imagens de seus corpos.
A LONGA ESPERA POR AJUDA
Em todos os vídeos, os terroristas parecem percorrer as ruas de Be’eri sem qualquer confronto com as forças israelenses. O site interno da comunidade sugere que o kibutz geralmente era defendido por seguranças contratados, que foram pegos de surpresa, mortos ou incapazes de responder.
O grupo de defesa voluntário da cidade tentou enfrentar os combatentes, mas foi superado. “Centenas de terroristas vieram de muitas direções para o kibutz”, disse o major-general Itai Veruv. “As pessoas do kibutz lutaram sozinhas nas primeiras horas; elas foram muito corajosas.”
A segurança da cidade normalmente contaria com o apoio da polícia ou das forças militares após um incidente de segurança grave. A divisão de Gaza das Forças de Defesa de Israel fica a 8 km de distância em Re’im, mas essa base também foi atacada e mantida pelo Hamas por horas.
Moradores entrevistados pela mídia israelense disseram que um helicóptero chegou por volta das 9h, trazendo 20 membros da unidade de forças especiais Shaldag, que fica em uma base aérea a cerca de 60 km de distância, em Palmachim. Eles disseram que a unidade foi rapidamente dominada e relataram ter ouvido gritos em árabe por horas depois. As evidências em vídeo estão de acordo com a experiência dos sobreviventes, mostrando que os membros do Hamas controlavam Be’eri confortavelmente durante toda a manhã.
Enquanto mantinham a vila, os terroristas foram de porta em porta, matando os moradores em suas casas. Sobreviventes relatam que os agressores incendiaram propriedades, tentando forçar os ocupantes a sair de suas salas seguras.
Besorai disse que sua irmã mais nova, Yonat, seu marido, Dror, seu filho Noam, de 15 anos, e a filha Alma, de 13 anos, moram na parte oeste do kibutz. A família acredita, com base em informações de uma testemunha, que eles foram feitos reféns.
“Estavam se escondendo no mamad e a porta estava trancada”, disse Besorai. “Os terroristas do Hamas incendiaram a casa e os expulsaram. Alguém os viu sendo arrastados para fora com vida.”
A resposta israelense foi impedida por terroristas fora da vila, que assumiram posições ao longo da estrada e atiraram nos veículos que se aproximavam, de acordo com o Exército e parentes de Shpirer, o motociclista.
“Lutei aqui mesmo por uma hora para entrar no kibutz”, disse o major-general Veruv.
Os soldados das IDF finalmente conseguiram entrar no local sábado à noite. Eles disseram que os terroristas haviam feito reféns dentro de casas e prédios comunitários, resultando em impasses que duraram horas assim que o Exército chegou.
As forças israelenses relataram a libertação de 50 moradores do refeitório comunitário do kibutz após a meia-noite de domingo —mais de 17 horas após o início do ataque. Outros integrantes do Hamas se esconderam dentro de casas enquanto os soldados das IDF retomavam o controle da cidade.
“Mesmo depois de libertarmos, onda após onda de terroristas se escondiam nas casas”, disse Veruv. “Eles se mantiveram em alta prontidão, atacando repetidamente.”
Desde segunda-feira, o Exército israelense declarou o kibutz seguro e permitiu a entrada de trabalhadores humanitários. A organização voluntária judaica ortodoxa Zaka já removeu mais de 100 corpos de moradores.
A dor trazida a Be’eri é um microcosmo do sofrimento que a guerra continuará a trazer às comunidades israelenses e palestinas. O ataque surpresa e a ocupação da cidade por terroristas foi apenas o começo de um conflito que se espera ainda causar muitas mortes.
Com o tempo, o Exército israelense precisará responder a perguntas sérias sobre sua prontidão para incursões em grande escala do Hamas e os atrasos na resposta à violência em Be’eri e outras cidades próximas à fronteira de Gaza.
“Temos perguntas muito difíceis para nos fazer”, disse Veruv. “Mas agora, estamos ansiosos para defender as pessoas, resgatar os sobreviventes e mudar de operações defensivas para ofensivas.”
Após o ataque, os socorristas encontraram o carro de Shpirer e o que acreditavam ser seu corpo, embora ainda não tenha sido formalmente identificado. Seu tio, que viajou para a área para procurá-lo, viu seu carro perfurado por balas e concluiu que ninguém poderia ter sobrevivido.
O pai de Besorai e uma de suas irmãs escaparam com vida. Mas ele acredita que sua outra irmã, Yonat, e seu marido, filho e filha, que foram vistos sendo arrastados pelos terroristas, estão sendo mantidos como reféns.
“Quando você tem alguém desaparecido, passa por todos esses horrores das postagens do Hamas, na esperança de ter um vislumbre de alguém nesses vídeos”, disse ele. “É muito desgastante… ver tantas cenas atrozes.” Mas ele acrescentou: “A esperança é uma boa contadora de histórias.”
John Reed, Neri Zilber, Peter Andringa, Dan Clark e Sam Joiner