Chuvas sem precedentes deixam 126 mortos na Europa e disparam alerta contra mudanças climáticas

Cerca de 1.300 pessoas ainda estão desaparecidas, além 126 mortes.

Vilarejo de Schuld, na Alemanha, após inundação provocada por níveis de chuva sem precedentes – Bernd Lauter – 15.jul.21/AFP

Por Folhapress

BAURU, SP (FOLHAPRESS) – O número de pessoas que morreram em decorrência das enchentes na Alemanha subiu para 106 nesta sexta-feira (16), segundo o último levantamento divulgado pelas autoridades. A chuva sem precedentes — que também atinge países vizinhos e provocou 20 mortes na Bélgica— dispara um alerta sobre a ocorrência de eventos naturais extremos como consequência das mudanças climáticas.

Cerca de 1.300 pessoas ainda estão desaparecidas, mas existe a possibilidade de que grande parte desse número se refira a moradores que estão incomunicáveis devido às quedas de energia e aos danos causados às redes de telecomunicação.

Ainda assim, à medida que equipes de resgate —que receberam um reforço de 700 soldados do Exército alemão— trabalham nas regiões mais afetadas, o número total de mortes deve aumentar.

Comunidades inteiras ficaram em ruínas depois que vários rios transbordaram e invadiram cidades e vilas nos estados alemães da Renânia do Norte-Vestfália e Renânia-Palatinado, além de em países vizinhos, como Bélgica, Holanda e Luxemburgo. “As pessoas acenavam pelas janelas. Foi tão terrível que não conseguimos ajudar ninguém”, disse Frank Thel, morador de Schuld, onde dezenas de casas foram reduzidas a pilhas de escombros, à agências de notícias Reuters.

Na cidade de Sinzig, ao sul de Colônia, 12 residentes em um lar para pessoas com deficiência morreram ao serem surpreendidos pelas inundações durante à noite.

“Nosso estado está passando por uma catástrofe de enchentes de dimensões históricas”, disse o premiê da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, candidato à sucessão da primeira-ministra alemã, Angela Merkel. Nesta quinta (15), durante visitas a várias cidades afetadas, Laschet culpou o aquecimento global pelos eventos extremos e reiterou a importância de medidas que possam frear as mudanças climáticas.

A chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a escala e a intensidade das enchentes são uma indicação clara das mudanças no clima e demonstram a necessidade urgente de ação. ​

“Não há a menor dúvida de que as mudanças climáticas globais estão aumentando a frequência de eventos climáticos extremos”, afirma o físico e climatologista Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, o aumento da temperatura em âmbito mundial gera um acúmulo de energia na atmosfera que se dissipa por meio de eventos extremos.

Nota-se a mesma relação de causa e efeito em ocorrências de chuvas em volumes surpreendentes como as registradas na Alemanha nos últimos dias. “Tendo mais calor na atmosfera, há mais evaporação, e essa maior evaporação intensifica a precipitação. Como isso concentra os eventos [em um menor período de tempo] devido à maior quantidade de energia, ocorrem então eventos climáticos extremos de uma maneira mais direta”, explica o físico, para quem as metas de descarbonização das principais potências mundiais, ainda que ousadas, são incapazes de conter a aceleração do aquecimento do planeta.

Nos últimos dois dias, houve ao menos 125 registros de “chuva pesada” na Alemanha, de acordo com dados da European Severe Weather Database. A plataforma define “chuva pesada” como precipitação em grandes quantidades, capazes de provocar danos significativos, ou, quando não há dano, em quantidades excepcionais para a região em questão.

Os índices pluviométricos registrados no país são, de fato, excepcionais —algumas regiões tiveram a maior quantidade de chuva dos últimos cem anos. Em Reifferscheid, no distrito alemão de Ahrweiler, a chuva acumulada chegou a 207 milímetros em um período de nove horas. Para fins de comparação, a cidade de São Paulo, em seu dia mais chuvoso neste ano, registrou 36,2 milímetros, de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia.

Segundo Artaxo, compilações de dados feitas pela Organização Meteorológica Mundial, agência da ONU que monitora o clima em âmbito global, mostram que a frequência de eventos climáticos extremos vem crescendo desde os anos 1960. Isso explicaria eventos como as chuvas sem precedentes no oeste europeu, as ondas de calor no Canadá e nos Estados Unidos e a pior seca das últimas décadas no Brasil central, enquanto os grandes rios amazônicos registram cheia histórica.

“Com as mudanças climáticas, a expectativa é a de que todos os extremos hidrometeorológicos se tornem mais extremos. O que vimos na Alemanha é amplamente consistente com essa tendência” disse Carlo Buontempo, diretor do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, ao jornal britânico The Guardian.

Na cidade alemã de Erftsdadt, embora mais construções tenham desabado na manhã desta sexta, parte dos moradores que haviam sido evacuados voltou às suas casas. Assim, as autoridades não conseguem determinar com clareza quem está em risco e quem está em segurança, de modo que o temor é de que o número de mortes locais também possa aumentar.

Equipes de resgate usavam barcos para tentar alcançar moradores ilhados, já que as estradas ao redor da cidade estavam intransitáveis por terem sido arrastadas pelas enchentes. Segundo um porta-voz do distrito, ao menos 15 pessoas ainda estavam presas em suas casas.

“A rede entrou em colapso. A infraestrutura entrou em colapso. Os hospitais não podem receber ninguém. Os lares de idosos tiveram que ser evacuados”, disse uma representante do governo regional de Colônia.

Perto da fronteira alemã com a Bélgica, uma barragem transbordou e outra precisou ser estabilizada devido ao volume de água muito além do esperado. Cerca de 4.500 pessoas das comunidades ao redor tiveram que deixar suas casas temendo um rompimento que agravaria ainda mais a situação.

Na província de Limburg, na Holanda, outros milhares de moradores também foram obrigados a deixar suas casas devido às inundações. Os serviços de emergência holandeses estavam em alerta máximo, e as autoridades também determinaram que diques fossem reforçados para ampliar a capacidade de contenção das águas.

Na Bélgica, além das 20 mortes confirmadas, há pelo menos mais 20 desaparecidos. Autoridades de gerenciamento de crises aconselharam que os belgas, principalmente os que moram no sul e no leste do país, não deixem suas casas. “As águas estão subindo cada vez mais, é assustador”, disse Thierry Bourgeois, 52, morador da cidade de Liege, à Reuters. “Eu nunca vi nada parecido.”

Em Maaseik, perto da fronteira com a Holanda, o rio Mosa ultrapassou o muro de contenção e uma barreira formada por sacos de areia em suas margens. Várias cidades e vilas ao longo de seu curso foram inundadas e, em Pepinster, mais de dez casas desabaram total ou parcialmente.

As mortes provocadas pelas inundações na Alemanha configuram a maior catástrofe natural do país desde uma enchente no Mar do Norte, em 1962, que matou cerca de 340 pessoas. Quando o rio Elba transbordou em 2002, a imprensa classificou o cenário de “inundações que acontecem uma vez por século”. Na ocasião, 21 pessoas morreram no leste da Alemanha e mais de cem em toda a Europa central.

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