Partido coleciona maus resultados na área nos Estados em que governou, como a Bahia; presidente entregou a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) a um político derrotado nas últimas eleições e especializado em temas tributários
Estadão
BRASÍLIA – A atuação de governadores do PT na segurança pública é marcada por piora em índices de violência, pelo crescimento da letalidade policial e pela adoção da mesma política de “guerra contra traficantes de drogas” que lideranças petistas costumam criticar quando adotada por adversários. Na Bahia, administrada pelo PT há quase 17 anos, a segurança virou um caos com consequências políticas para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o que tirou do PT o discurso crítico a opositores.
A sucessão de governos petistas (Jaques Wagner e Rui Costa, cada um com dois mandatos, e agora Jerônimo Rodrigues) viu crescer o poder das organizações criminosas e não conseguiu contê-las. A resposta, segundo especialistas, foi equivocada, pautada por um método de enfrentamento armado que fracassou em outros Estados, como o Rio de Janeiro. Como consequência, a Bahia se consolidou como o estado que registra mais homicídios por ano, em números absolutos. E em 2022, final da gestão de Rui Costa, hoje chefe da Casa Civil de Lula, a polícia baiana apareceu pela primeira vez como a mais letal do Brasil.
A segurança pública é a área com a pior avaliação do governo entre os brasileiros, segundo pesquisa Atlas divulgada no fim de setembro. Principal alvo das cobranças, o ministro Flávio Dino (PSB) acabou absorto por outros temas e deixou o setor em segundo plano, além de entregar postos-chave a aliados sem afinidade com o tema. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) foi entregue a um político derrotado nas últimas eleições e especializado em temas tributários.
Como revelou a Coluna do Estadão, Lula foi alertado de que o governo perdeu o debate e o PT credita parte da culpa a Dino, cotado para assumir a vaga do Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria de Rosa Weber. Sem nenhum projeto robusto na área e com o Centrão reivindicando o desmembramento da Pasta, para criar o Ministério da Segurança Pública, o governo Lula passou a ter um “telhado de vidro” frente a opositores como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freiras (Republicanos), um dos principais nomes da direita.
A violência policial e a alta de homicídios são temas caros ao PT, que reivindica a pauta dos Direitos Humanos e de políticas sociais. Nos governos estaduais, porém, o partido costuma adotar os mesmos expedientes que critica. O pesquisador em segurança pública Luís Flávio Sapori diz que é falsa a crença arraigada de governantes de esquerda de que investimentos sociais, por si só, resolverão o problema.
“Tradicionalmente, no Brasil, os governos de esquerda nunca conseguiram conceber uma política de segurança pública a partir da noção de repressão qualificada ao crime. Sempre priorizam muito, e excessivamente, a prevenção social do crime. Como se o mero combate à pobreza e à miséria; o mero investimento em educação e saúde por si só fosse capaz de reduzir a violência. Esse é o cacoete da esquerda brasileira e latino-americana, que é um erro”, diz ele, que é professor da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública (Cepesp / PUC Minas).
Tradicionalmente, no Brasil, os governos de esquerda nunca conseguiram conceber uma política de segurança pública.”
Luís Flávio Sapori, professor da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública (Cepesp / PUC Minas)
Sapori observa que, no caso baiano, o aparato policial copiou o que há de pior no modelo de “guerra às drogas” do Rio de Janeiro. Este consiste em “operações esporádicas, específicas, entrando em territórios das facções e trocando tiros, com mortes de todos os lados. De traficantes, policiais, moradores”. “É um método criado pelo (governo do Estado do) Rio de Janeiro, quarenta anos atrás, e que nunca deu resultado. Nunca funcionou”, lamenta ele.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Daniel Cerqueira diz que as crises recentes na Bahia são resultado de décadas de políticas de segurança pública equivocadas, e que não são exclusividade do PT – embora as gestões petistas dos últimos anos tenham sido “muito ruins”.
“Se a gente olhar os últimos quarenta anos da história da Bahia, de 1981 até 2021, a taxa de homicídios cresceu 1.392%. Quase quarenta vezes. Nas últimas quatro gestões do PT, que foram muito ruins na área de segurança, houve um aumento na taxa de homicídios de 102,8%, até 2021. Só que, nas quatro gestões anteriores, que foram do (antigo) PFL (hoje parte do União Brasil), o crescimento foi de 217,4%. A cada ciclo governamental houve um crescimento absurdo, independente da cor partidária”, diz ele.
“A causa da crise na Bahia não é a guerra das facções. A guerra das facções é mais um sintoma de uma crise que já vem sendo contratada há tempos”, afirma. “O fato é que a gente está sempre tratando o sintoma. A gente nunca teve, na maioria dos Estados e no governo federal, uma política de segurança pública integrada, multissetorial, que fosse capaz de (…) olhar as causas”, diz Cerqueira, que é também conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A causa da crise na Bahia não é a guerra das facções. A gente nunca teve, na maioria dos Estados e no governo federal, uma política de segurança pública integrada.”
Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
O quadro atual é resultado também da política de “guerra às drogas” e de encarceramento em massa, diz o pesquisador – ambas acabam fortalecendo o crime com renda, armas e novos recrutas. “Você tem um elemento central, que alimenta essas facções, que é a arregimentação de milhares de jovens que são presa fácil (…). Tem que resolver o problema de curto prazo, claro, mas tem que resolver de uma maneira mais holística, que é saber como vamos disputar essas crianças e jovens com o crime organizado. A gente nunca fez isso. Ficamos no eterno recomeço de apagar incêndio”, aponta ele.
Segurança nos outros Estados também piora sob o PT
Os dados oficiais mostram que outros governos do PT também não conseguiram baixar índices de mortes violentas ao longo da última década. Na reta final do governo de Tião Viana, no Acre, o Estado da região Norte registrou taxas de mortes violentas sem precedentes históricos. Em 2018, ele encerrou o segundo mandato com 417 mortes no ano, quase o triplo das 148 do primeiro ano de governo em 2011.
Nos oito anos de Wellington Dias, no Piauí, os homicídios também cresceram. Sob a gestão do hoje ministro do Desenvolvimento Social os homicídios foram de 673, em 2015, para 818, em 2022. Com o telhado de vidro na área da segurança de petistas importantes da Esplanada, lideranças do partido buscam concentrar em Flávio Dino a responsabilidade pelas reclamações que aparecem em pesquisas.
Levantamento do instituto Atlas apontou que 47% dos brasileiros apontam a gestão da segurança pública pelo novo governo como péssima e outros 9% como ruim. Uma parte do PT insatisfeita com o protagonismo de Flávio Dino e interessada em poupar os correligionários da crise voltou a defender a divisão do Ministério da Justiça. Hoje a pasta concentra também as atividades relacionadas à Segurança Pública.
Flávio Dino apresentou na segunda-feira, 2, o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc). São previstos R$ 900 milhões de investimentos em cinco eixos: integração institucional e informacional; eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; eficiência da justiça criminal; e cooperação entre União, Estados e municípios e com órgãos estrangeiros.
Contudo, o plano é visto por especialistas como uma tentativa de dar uma resposta imediata às críticas. As metas e estratégias do programa ainda estão sendo elaboradas e só deverão ser apresentadas em 60 dias.
Dino reage a crises
À frente do Ministério da Justiça, Flávio Dino tem priorizado a solução de crises pontuais na segurança pública, dizem especialistas, em detrimento de um planejamento de longo prazo. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) foi entregue a um político sem experiência ou envolvimento com a área – e o ministério enviou poucos projetos de lei ao Congresso sobre o assunto. Além disso, iniciativas da área de inteligência policial enfrentam dificuldades.
Desde o começo do ano, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) está sob gestão do ex-deputado federal Tadeu Alencar (PSB). Derrotado nas eleições de 2022, ele é advogado de formação, ele se especializou em temas tributários. Nunca integrou a Comissão de Segurança Pública da Câmara nos oito anos em que esteve na Casa e apresentou apenas dois projetos de lei sobre o assunto: um para tipificar o crime de enriquecimento ilícito; e o outro relacionado à segurança de barragens.
O governo Lula também enviou ao Congresso poucos projetos de lei sobre o tema da segurança. Em julho, o Executivo enviou ao Congresso um projeto para o enfrentamento da violência nas escolas, depois de um ataque com duas vítimas no Paraná. Outro projeto visa aumentar a pena para os crimes contra o Estado Democrático de Direito, e há ainda um terceiro para melhorar o controle sobre a circulação do ouro no país.
“Eu entendo que o Flávio Dino é um ministro que tem se destacado positivamente. Tem acertado mais do que errado, e tem mostrado liderança e autoridade para lidar com as crises”, diz Luís Flávio Sapori, da UFMG. “Nas crises, você tem que agir de forma imediata (…) e me parece que isso ele está fazendo bem. Falta ao Flávio Dino, do meu ponto de vista, uma perspectiva estratégica. Falta ele assumir como prioridade a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)”, diz ele.
Sob Dino, ao menos um projeto da área de inteligência policial enfrenta dificuldades. A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) é um conjunto de laboratórios presentes em vinte Estados e no Distrito Federal, capazes de analisar amostras de DNA para determinar a autoria de crimes. Para funcionar adequadamente, a rede depende de um acordo de cooperação técnica entre a Polícia Federal (PF) e a Senasp comandada por Tadeu Alencar – que está vencido desde o fim de 2022.
Em 2022, o Ministério empenhou ao menos R$ 27 milhões para a compra de insumos para os laboratórios. Já este ano, a cifra caiu para menos de R$ 6 milhões, segundo apurou o Estadão em fontes públicas. A reportagem procurou o ministério para comentários, mas não houve resposta até o momento.
Cidade do Maranhão na lista das mais violentas do Brasil
A política de guerra armada contra traficantes de drogas também marcou o governo Flávio Dino no Maranhão. Historiador e especialista em Segurança Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Paulo Henrique Matos de Jesus afirma que a gestão da segurança pública no governo de Flávio Dino não teve mudanças significativas com relação a mandatos de governadores de partidos de direita.
“No estado do Maranhão, direita e esquerda usam as mesmas práticas desde sempre. Ou seja, ‘guerra às drogas’, policiamento ostensivo, tentativas fracassadas de combate à violência, sucateamento de delegacias”, disse.
As mortes de mulheres saltaram de 85 para 101, de 2021 a 2022, reta final dos dois mandatos de Dino. Os homicídios caíram de 2280, em 2015, para 1897, em 2022. Caxias (MA) está na lista das 50 cidades mais violentas do Brasil.
O secretário de Segurança Pública de Dino era o delegado Jefferson Portela, ambos do PCdoB. Em 2021, após mortes de policiais em confrontos, o secretário chegou a dizer que “se houver confronto, o bandido do lado de lá tem que tombar”. Portela concorreu para deputado federal em 2022, mas não foi eleito.