Avanço de caravana pressiona governo americano no dia em que país anuncia investimentos na América Central para conter imigração
Por Estadão
No dia em que uma caravana composta por milhares de imigrantes avançou pelo México para pressionar por vistos humanitários que lhes permitam viajar para os Estados Unidos, a vice-presidente americana, Kamala Harris, se comprometeu com quase US$ 2 bilhões de novos investimentos privados na América Central para conter a migração.
O compromisso foi feito durante a 9ª Cúpula das Américas, que acontece em Los Angeles, na Califórnia, e tem a questão migratória como um dos temas essenciais. A abertura oficial pelo presidente Joe Biden será na quarta-feira, 8.
Marcada até o momento pela ausência dos líderes de países em boicote contra a exclusão dos governos de Nicarágua, Venezuela e Cuba, a Cúpula das Américas se voltou à crise migratória nesta terça-feira com o anúncio da vice-presidente americana e a marcha dos imigrantes.
Segundo Kamala, US$ 1,9 bilhão será direcionado para novos investimentos de cerca de dez empresas em Honduras, Guatemala e El Salvador, no chamado Triângulo Norte da América Central. Os recursos se somam a outro US$ 1,3 bilhão enviado anteriormente.
“Esses investimentos criam um ecossistema de oportunidades e ajuda a dar às pessoas da região esperança de construir vidas seguras e prósperas em casa”, afirmou a Casa Branca em um comunicado.
Os três países são a origem da maioria dos 7,5 mil migrantes irregulares que atravessam diariamente a fronteira entre os Estados Unidos e o México na tentativa de fugir da extrema pobreza, da violência e da corrupção. Nenhuma das lideranças das três nações, entretanto, participa na Cúpula das Américas.
De acordo com o New York Times, a caravana que está no México possui cerca de 5 mil pessoas e é a maior deste ano. A agência de notícias EFE, entretanto, estima quase 15 mil.
Esse fluxo migratório afeta politicamente o governo Biden e pode fazê-lo perder o controle do Congresso nas eleições de meio de mandato marcadas para novembro. A caravana espera cruzar a fronteira para os EUA enquanto o presidente americano estiver na Califórnia. Isso representaria um pequeno, mas visível, lembrete dos problemas imigratórios enfrentados por ele.
A Cúpula das Américas deve encerrar com cinco documentos adotados em áreas-chave: governança democrática, saúde e resiliência, mudanças climáticas e sustentabilidade ambiental, transição para energia limpa e transformação digital. A questão migratória está de fora, mas o governo Biden espera assinar uma declaração com objetivos relacionados ao tema.
O México, por onde atravessam os imigrantes para chegar aos EUA, deve assinar o documento, apesar da ausência do presidente Andrés Manuel López Obrador em protesto à exclusão de países de governos de esquerda no encontro. O chanceler Marcelo Ebrard vai representar o país. “Estamos muito confiantes de que os países que assinarão a Declaração sobre Migração estarão comprometidos com seus objetivos e isso inclui, apenas para esclarecer, o México”, disse um funcionário do governo americano na segunda-feira, 6.
A crise dos imigrantes compartilhada pelos países preocupa a sociedade civil, que participa da cúpula e é descrita por Washington como um dos pilares do encontro. “Os EUA devem enfrentar o problema da migração não a partir de sua lente, mas da lente coletiva”, declarou Leonardo Martellotto, da ONG JA Americas, à agência France Presse.
Martellotto afirma que o país precisa agir tanto nas causas da crise quanto na assistência paliativa aos imigrantes. “A sociedade civil pode contribuir com soluções, mas o governo tem a varinha mágica da escala”, acrescentou. Ele destacou a importância de promover o trabalho remoto nos países de origem e da formação de jovens em dificuldade e das famílias que recebem ajuda financeira, para que possam pode tirar o máximo proveito delas.
Exclusão de países permaneceu em evidência
A exclusão de Cuba, Venezuela e Nicarágua da Cúpula das Américas continuou a ser discutida nesta terça-feira. Horas antes de embarcar para Los Angeles, o presidente argentino, Alberto Fernández, que representa os excluídos através da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), criticou a decisão americana. “A unidade não é declamada, a unidade é exercida e a melhor maneira de exercê-la é não excluir ninguém”, disse.
Fernández acrescentou que lamenta “enormemente a ausência de países que não foram convidados” da Cúpula. “Tentarei trazer a voz deles a este fórum, como presidente da Celac”, afirmou.
Seguindo o movimento do presidente do México, a presidente de Honduras, Xiomara Castro, e o presidente da Bolívia, Luís Arce, também não irão à Cúpula em protesto à exclusão dos três países, justificada pelos EUA como repúdio às violações dos direitos humanos e do sistema democrático promovidas pelos três países. “Acreditamos que deveríamos estar todos à mesa”, disse o vice-chanceler hondurenho, Antonio Garcia.
Os presidentes da Guatemala e Uruguai também não irão à Cúpula das Américas, mas alegaram outros motivos. Alejandro Giammattei, da Guatemala, alegou conflitos de agenda; e Luis Lacalle Pou, do Uruguai, afirmou que testou positivo para covid-19. Todos os países serão representados por outras autoridades.
As ausências destacam a perda de protagonismo dos EUA como liderança continental, em um momento em que a China aumenta a influência com investimentos e os líderes estão céticos com relação ao país comandado por Joe Biden.
Biden vai discursar no evento nesta quarta-feira, 8, marcando o início dos dias mais intensos da reunião. Ele anunciará uma aliança com a América Latina para a prosperidade econômica para mobilizar investimentos, de acordo com informações de um funcionário do governo.
Outro ponto-chave do discurso é uma “reforma ambiciosa” do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que vai ser proposta para “melhor enfrentar o desafio de desenvolvimento da região” dando ao setor privado um papel central, acrescentou o funcionário. Os EUA tentarão obter uma participação acionária no BID para investir no braço de empréstimos do setor privado e “direcioná-los para onde terão maior impacto”.
O presidente dos EUA também anunciará mais de US$ 300 milhões em assistência à região em caso de insegurança alimentar, tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia. O conflito desencadeado pela invasão da Rússia em 24 de fevereiro fez disparar os preços de alguns dos produtos da cesta familiar. /AFP, EFE, NYT