É possível cortar gastos melhorando a equidade

É importante reconhecer que ineficiências existem em todas as áreas, inclusive na social

Estetoscópio e medidor de pressão. Foto: Marcos Ranyere Portela da Cunha (19.nov.2024)

O Brasil enfrenta uma encruzilhada fiscal: a necessidade urgente de reduzir gastos públicos e, ao mesmo tempo, proteger conquistas sociais. Medidas de austeridade são muitas vezes controversas, mas se tornam inevitáveis diante de crescentes déficits fiscais. O desafio é cortar gastos de forma justa, minimizando danos aos mais necessitados. E lembrar que a falta de ação pode piorar a economia e causar retrocessos sociais.

Cortes devem seguir um princípio claro: começar por setores onde ineficiências ou iniquidades sejam mais evidentes, para que o ônus seja distribuído de forma mais justa. Embora os cortes possam afetar as áreas sociais, que consomem a maior parte da despesa primária federal, o progresso do Brasil no alívio da pobreza e no acesso a serviços básicos não deve ser desfeito. O caminho seria buscar ineficiências e iniquidades nos atuais programas sociais, permitindo reformas que promovam economia e equidade ao mesmo tempo.

Primeiro, precisamos voltar na Previdência. Hoje, dois terços dos trabalhadores se aposentam com benefício mínimo, igual ao salário mínimo, embora suas contribuições variem muito. Trabalhadores com menos de 15 anos de contribuição não recebem nada do RGPS. Se for pobre, o idoso tem direito ao BPC, com valor igual para idosos pobres que nunca contribuíram ou para um aposentado do INSS que trabalhou 44 horas semanais contribuindo por 15 anos. Há outros desequilíbrios nas regras de aposentadoria, como a idade mínima desigual entre homens e mulheres e diferentes regras entre aposentadoria urbana e rural, diferenciações ultrapassadas que a maioria dos países eliminou. No Brasil, uma mulher no campo pode se aposentar 10 anos mais cedo que um homem na cidade.

Já o abono salarial é recebido por qualquer pessoa que ganhe menos de dois salários mínimos como CLT, independente da renda familiar. Ou seja, a transferência do governo é igual para a mãe solteira que finalmente conseguiu a carteira assinada e para o filho do milionário que o pai resolveu empregar. Enquanto isso, a maioria dos pobres, que não têm emprego formal, fica de fora. Se for mantido, o abono deve ser restrito a famílias de baixa renda, o que é claramente possível, combinando informações existentes sobre renda familiar.

O uso de dados e de tecnologia digital pode ser crítico. Um sistema integrado que gerencie todas as assistências sociais recebidas por cada cidadão (seja federal, estadual ou municipal) poderia apontar ineficiências que hoje são difíceis de identificar. É verdade que o governo tem melhorado a burocracia através de tecnologia digital para a concessão e entrega dos benefícios em diversas áreas como CTPS, seguro-desemprego e provas de vida digitais, por exemplo. No entanto, a integração dos sistemas de informações sociais permitiria melhorar a alocação dos recursos e acompanhar a trajetória das famílias para a superação da vulnerabilidade, racionalizando gastos de forma natural.

É importante reconhecer que ineficiências e iniquidades podem existir em todas as áreas, inclusive na social. Focar áreas de ineficiência e iniquidade é crucial para garantir que cortes sejam justos e sustentáveis. Mais do que uma questão de eficiência fiscal, trata-se de justiça social.

Fonte: Folha de São Paulo 

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