A decisão, que reconfigura o tabuleiro político, tem impacto direto na eleição de 2022.
Por Estadão
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da Lava Jato e, assim, devolver os direitos políticos do petista é a senha para recolocá-lo no jogo político-eleitoral. A decisão, que reconfigura o tabuleiro político, tem impacto direto na eleição de 2022, ao passo que habilita Lula a disputar a Presidência da República, como principal antagonista ao presidente Jair Bolsonaro, que tentará a reeleição.
Os efeitos imediatos da decisão da Suprema Corte, por 8 a 3, indicam para uma espécie de antecipação da campanha presidencial, com chances de reedição da polarização de 2018, entre petismo e bolsonarismo. O duelo entre Lula e Bolsonaro cria ainda uma pressão sobre o centro político, que se articula na tentativa de definir um nome como representante da chamada terceira via. A retomada dos direitos políticos do ex-presidente também tem potencial de estreitar a raia para a corrida eleitoral, diminuindo o número de candidatos na campanha presidencial.
Entenda como fica o xadrez eleitoral com Lula de volta ao jogo:
Pesquisas
Grande parte da pressão que a potencial candidatura de Lula em 2022 joga sobre os demais nomes da disputa vem do fato de que ele, a um ano e meio do pleito, aparece entre os líderes das pesquisas. Ou seja, o peso da presença do ex-presidente na próxima eleição pode ser medido em números.
Pesquisa da XP/Ipespe, divulgada em abril pelo Estadão, mostra Lula e Bolsonaro tecnicamente empatados. No entanto, a simulação demonstra que o petista desponta numericamente à frente do atual presidente, com 29% das intenções de voto, ante 28% de Bolsonaro.
Em levantamento anterior realizado pelo instituto, Lula contava com 25% das intenções de voto, contra 27% de Bolsonaro. Ainda segundo a pesquisa, nomes como Sérgio Moro e Ciro Gomes (PDT) contam cada um com 9% das intenções de voto.
Na avaliação da doutora em Ciência Política Carolina Botelho, que é pesquisadora no SCNLab/Mackenzie e Doxa/Iesp/UERJ, a vantagem de Lula apontada nas pesquisas pode ser explicada pela rejeição ao governo de Bolsonaro e pelo afastamento temporal dos erros cometidos nos governos do petista. “Passa pela memória das coisas ruins do governo Lula serem enterradas pelas decisões do STF sobre a Lava Jato e porque a população não tem o Lula como presidente há muitos anos. Em contraponto, tem Bolsonaro sendo omisso diante da pandemia e o aumento do desemprego, por exemplo.”
Polarização
O dado apontado na pesquisa, de que a eleição pode se concentrar em torno dos dois nomes, é reforçado pela opinião do cientista político José Álvaro Moisés, de que assim como foi no pleito de 2018, a próxima eleição presidencial deve girar em torno de dois polos: Lula e Bolsonaro.
“Bolsonaro e Lula aparecem como polos contrapostos em lutam pelo poder. A novidade, agora, é que em face da tragédia humanitária associada com o desempenho de Bolsonaro diante do coronavírus, a métrica da polarização se volta para a inevitável comparação de virtudes e vícios dos dois governos e, nesse sentido, apesar dos processos de Lula, o cenário de mais de 350 mil vítimas da covid-19 não deixa Bolsonaro em posição confortável”, observou o professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) em análise publicada no Estadão.
Pandemia ?
O vácuo de liderança deixado por Bolsonaro na condução da pandemia é justamente o espaço que Lula busca ocupar neste momento. Em entrevista na última quinta-feira, 15, o petista afirmou que não quer “discutir as eleições em 2021”. Segundo disse — em tom de campanha —, o momento é de “discutir a vacina para o povo brasileiro”, “auxílio emergencial para os milhões de brasileiros que estão passando fome”, “política de crédito para os pequenos e médios empresários” e “política de investimento em setores públicos para reativar a economia brasileira”. O discurso contrasta frontalmente com as posições de Bolsonaro na condução da pandemia.
Para o cientista político e membro do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Fernando Guarnieri, Lula acerta ao apostar em um discurso “neutro”, mas é preciso mais do que isso para tentar fugir da polarização em busca de uma frente ampla.
“É um discurso ideologicamente neutro. Ele só está falando de uma competência de gestão de crise, de condução da Presidência da República. Isso consegue chegar a mais gente. Parte do mercado aplaudiu, o pessoal mais de centro tem gostado dos discursos dele. Mas se isso é suficiente para organizar uma frente ampla, acho que não basta. Precisa ainda do compromisso com a economia, toda a crítica que a centro-direita fez aos governos do PT”, cita.
Antecipação da campanha ?
Com isso, é praticamente inevitável que a corrida eleitoral do ano que vem seja indiretamente antecipada pelos dois principais nomes da disputa. “Isso aí é fala de candidato. O Lula está fazendo campanha e ele está sendo super candidato quando fala isso. E a estratégia dele é certeira porque mostra que Bolsonaro é omisso e que as pessoas estão morrendo por isso. Então ele traz o debate para a pandemia porque essa é uma agenda mais do que eleitoral, é uma agenda de estadista”, avalia Botelho.
Exemplo claro dessa antecipação é o fato de que, horas depois da decisão do STF, o presidente Bolsonaro usou sua live semanal para discursar sobre a provável presença de Lula no pleito do próximo ano.
Negando se tratar de um início antecipado de campanha, Bolsonaro declarou que só aceitaria a vitória do petista se os votos forem auditados. “Não está começando aqui a campanha para 22, mas, pela decisão do Supremo hoje, Lula é candidato”, iniciou o chefe do Planalto. “Se Lula voltar pelo voto direto, voto auditável, tudo bem. Agora, veja qual vai ser o futuro do Brasil com o tipo de gente que vai trazer para dentro da Presidência”, acrescentou.
Ou quando, no mês passado, após um discurso forte de Lula sobre a necessidade de enfrentamento da pandemia, Bolsonaro ter aparecido de máscara. Na opinião dos analistas, com Lula apto a ser candidato, as ações do presidente serão reativas aos discursos e ações do petista.
Bolsonaro ?
Os exemplos acima ilustram o que dizem os analistas: a postura de Bolsonaro, com Lula no páreo, tende a ser reativa às ações e discursos do petista. “Vai ser uma campanha reativa a Lula, com radicalização. E ele vai resgatar coisas antigas relacionadas à polarização”, acredita a professora da UFRJ.
Já para Guarnieri, “se Bolsonaro tiver calculando que Lula na competição o favorece porque ele se apresenta como antipetista, ele está equivocado”, avalia. Isso porque, as recentes decisões do STF contra a Lava Jato enfraquecem o discurso antipetista, apontado como principal responsável pela eleição de Bolsonaro em 2018.
A saída para Bolsonaro poderia ser a de se voltar ao centro e tentar ultrapassar Lula por meio da conquista dos votos moderados. Guarnieri, no entanto, avalia que esse não seria um discurso fácil a ser comprado por esse eleitorado. “É difícil, agora, para Bolsonaro tentar passar por moderado e tentar capitanear os votos do centro como Lula está fazendo, porque ele elevou o tom durante muito tempo”, diz.
Pluralismo político ?
Na avaliação de Álvaro Moisés, a eventual candidatura de Lula prejudica o “pluralismo político” na construção da próxima eleição. “A tendência de exacerbação da polarização limita drasticamente as possibilidades de surgimento de uma alternativa que, longe dos dois polos, ofereça aos eleitores uma opção mais moderada, calcada na defesa da democracia e em propostas de prioridade à saúde, criação de empregos e o enfrentamento das desigualdades abismais da sociedade.”
Centro ?
Automaticamente, o centro sai prejudicado. Com ao menos meia dúzia de nomes possíveis de carregar uma candidatura em busca do equilíbrio e sem uma plataforma a ser defendida além da defesa da democracia, os analistas apontam que o centro “esmagado” e “com a faca no pescoço” a partir da decisão do STF.
Segundo Guarnieri, a volta de Lula ao jogo eleitoral obriga os demais agentes, principalmente os de centro, a recalcular a rota. “O centro, pelas pesquisas, está esmagado. A disputa está polarizada entre Lula e Bolsonaro. Os candidatos de centro precisam olhar se é possível fazer campanha com o discurso que apele para a não-polarização. Esse é o cálculo que deve ser feito agora. Por exemplo, o Luciano Huck vai entrar em uma campanha que é super desgastante para a imagem de qualquer um com o risco de ser esmagado e chegar ao final com um desempenho pífio? A entrada do Lula leva a esse tipo de cálculo. Aumenta, para esse pessoal de Centro, a incerteza”, aponta.
Para o cientista político Humberto Dantas, a existência de muitas candidaturas ditas de centro indica um vazio. “O centro está com a faca no pescoço. O grande desafio é que não é um centro. Existem 20 agentes se arrogando de que é alternativa de centro ou de fora da política para representar o equilíbrio que, em tese, viria do centro”, diz.