Sertanejo, que gravou áudio com ameaça ao Supremo Tribunal Federal, também já havia cortejado Dilma Rousseff
Por Folhapress
SÃO PAULO
Em maio de 2014, um sorridente Sérgio Reis, com o chapelão que é sua marca registrada, posou para fotos ao lado da então presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, num evento contra a exploração sexual infantil, no Palácio do Planalto. Também elogiou o “compromisso cidadão da Petrobras”, patrocinadora de um projeto sobre esse tema, que o tinha como garoto-propaganda.
Só nove meses depois, em fevereiro de 2015, já eleito deputado federal pelo então PRB, o atual Republicanos, foi um dos primeiros a pedir o impeachment de Dilma. E voltou a lembrar a estatal, desta vez de forma nada elogiosa. “Ninguém no mundo roubou tanto quanto esses caras da Petrobras”, disse ao site Congresso em Foco.
Mudanças bruscas de posições de “Serjão”, de 81 anos, são bem conhecidas por seus amigos mais próximos, mas mesmo eles ficaram surpresos com a guinada radical que o cantor sertanejo deu nos últimos anos em direção ao bolsonarismo.
O ápice desse movimento veio há dez dias, com o vazamento de um áudio em que Reis fazia ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal e convocava defensores do presidente para uma manifestação em Brasília. “Se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras [ministros do STF], nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra”, diz ele, em conversa com um amigo.
As declarações geraram repúdio de antigos parceiros, como Renato Teixeira, Guarabyra e Zé Ramalho —as defecções no novo álbum do cantor foram tantas que ele até desistiu do lançamento— e tornaram Reis alvo de uma operação de busca e apreensão pela Polícia Federal.
Em redes bolsonaristas, no entanto, Sérgio Reis foi idolatrado nos últimos dias, o que poderá dar combustível ao projeto que acalentava de retomar o mandato de deputado federal por São Paulo, que exerceu entre 2015 e 2018.
Antes de se tornar aliado radical do presidente Bolsonaro, o cantor já era conhecido por posições conservadoras, mas que manifestava de forma bem mais moderada. Bonachão, sempre demonstrou cortesia com opositores no Congresso.
“Ele sempre teve, em relação a mim, uma atitude muito respeitosa e, posso dizer, até mesmo carinhosa”, diz o ex-deputado Jean Wyllys, hoje no PT, que ocupou mandatos pelo PSOL do Rio de Janeiro e conviveu com Sérgio Reis na Comissão de Seguridade Social da Câmara. “Ao fazer a ameaça que ele fez, houve surpresa minha em ver uma grosseria e uma violência que no trato pessoal, ao menos comigo, nunca demonstrou.”
Eleito com 45.330 votos, Reis foi um deputado sem brilho. Apresentou só cinco projetos de lei, nenhum aprovado. Um era para dar a Tatuí, no interior paulista, o título de capital nacional da música. Outro criaria uma reserva de mercado para caminhoneiros autônomos, uma de suas principais bases eleitorais.
Reis também se dedicou à pauta da saúde, defendendo recursos para as Santas Casas e, em especial para o Hospital do Câncer de Barretos, o atual Hospital do Amor, dirigido por seu amigo Henrique Prata, outro apoiador de Bolsonaro, que chegou a ser cotado para ministro da Saúde. Procurado, Prata não quis dar entrevista.
Durante o mandato, o sertanejo defendeu a redução da maioridade penal não para 16 anos, como pedem muitos conservadores, mas para 14. No entanto, nunca tomou atitude concreta quanto a isso. “Hoje quem tem 14 anos é mais inteligente que a gente. Temos é que complicar a vida dos bandidos”, disse ele em 2015 a este jornal.
Como deputado, também criticou o Bolsa Família, que chamou de “vagabundagem terrível” e defendeu “capar” estupradores, presumivelmente em referência a um projeto de autoria do próprio Bolsonaro quando parlamentar, de submeter criminosos sexuais a castração química.
No atual governo, Reis abraçou com gosto a pauta da exploração econômica de terras indígenas. Dias antes do áudio polêmico ter vindo à tona, ajudou a promover um encontro de representantes de tribos simpáticas a Bolsonaro com o presidente, em Brasília.
Segundo esses índios bolsonaristas, o cantor é visto como um defensor. “Nossa missão de liderança aqui na Terra, senhor Sérgio, não é fácil, e Deus deu um fardo para cada um conforme a sua capacidade. O senhor é um homem honrado, honesto, reto, e por isso o senhor tem esse fardo grande”, disse Ronaldo Pareci, líder de uma tribo plantadora de soja em Mato Grosso, em áudio enviado ao cantor e que foi obtido pela reportagem.
Um dos amigos mais próximos de Reis atualmente é o madeireiro e empresário João Gessi, bastante atuante na defesa da exploração de terras indígenas. Gessi e o cantor apoiaram a criação de uma cooperativa econômica de índios caiapós, no sul do Pará, em 2018. Procurado, Gessi pediu que o repórter enviasse perguntas sobre sua relação com Reis, mas não as respondeu.
Outro amigo próximo, o jornalista Fernando Richeti, diz que o artista sertanejo muitas vezes acaba dando opiniões sem pesar as consequências. “Ele sempre foi o ‘véião’ com coraçãozão de menino. Mas a gente sempre contornava, cortava essas coisaradas que ele falava. Sozinho, acabou falando o que não devia”, diz Richeti, apresentador do “Brasil Caminhoneiro”, programa transmitido pela TV Record e mais de 150 emissoras de rádio no país
No ar há 40 anos com pequenas variações no nome, a atração tem Sérgio Reis como parte de seu elenco. “A gente sabe que a necessidade é urgente de mudança, por causa do preço do óleo diesel, tabela de frete defasado, é uma pauta justa para os caminhoneiros. Falei para o Serjão que é até válido a gente querer fazer uma mobilização, mas chegar ao ponto de querer entregar um papel no Senado e dizer que tira todo mundo a tapa, não dá”, afirma.
O amigo, diz Richeti, concorda que se excedeu. Nos dias seguintes à polêmica, Sérgio Reis se desculpou. “Eu errei, quem não erra? Quem não faz bobagem um dia?”, afirmou, em entrevista à TV Record no último fim de semana.
Embora hoje identificado com o meio rural, Sérgio Reis é paulistano do bairro de Santana, e começou cantando rock na Jovem Guarda –um filho da cidade, portanto. Migrou para o sertanejo na década de 1970, quando o gênero começou a conquistar audiências mais urbanas.
Segundo Marco Prado, professor de história da música popular da Escola de Música do Estado de São Paulo, a Emesp, Reis fez a ponte entre o sertanejo “raiz”, representado, por exemplo, por Tonico e Tinoco, e a geração do sertanejo de massa, de Chitãozinho e Xororó e congêneres.
“Ele tem uma importância muito grande, ajudou a popularizar o sertanejo. Foi um dos que levaram o gênero para programas de auditório, como Hebe e Chacrinha, além de fazer filmes”, diz.
De acordo com o professor, o gênero sertanejo nunca teve a politização como marca, mas a crítica de que é um estilo alienado é injusta. Há uma grande exaltação da ética do trabalho e do esforço pessoal, por exemplo, valores em alta entre os conservadores.
“Há uma valorização do trabalho duro. A tradição do caipira é que quando o galo cantou, ele já está acordado”, diz o professor. Prado afirma que outra marca de Sérgio Reis foi ter investido na produção de seus shows e até de seu visual. Isso, no entanto, atrai críticas de quem defende a cultura “caipira”.
“O Sérgio Reis se enquadra na música country americana. Até o visual que ele usa não é nosso. Quando ele começou a gravar música caipira rotulada de sertaneja, começou a ganhar dinheiro, ficou famoso, ele virou um personagem”, diz Rolando Boldrin, que apresenta programas de música brasileira na TV há 40 anos e atualmente está à frente do “Sr. Brasil”, na TV Cultura.
Segundo Boldrin, há uma manipulação de sertanejos por Bolsonaro. “Eles [artistas] são ingênuos, são usados por um governo populista para fazer promoção”, afirma. “Tem uns que fazem capa de disco com revólver na cinta, que nem faroeste.”
Sérgio Reis foi procurado, mas não quis dar entrevista. Por telefone, pediu desculpas e afirmou que a polêmica havia afetado sua saúde. “Espero que você entenda”, declarou.